"Robustez social, económica e territorial". Parlamento debateu Plano de Recuperação e Resiliência

por RTP
O primeiro-ministro frisou a emergência da saúde pública e a urgência de proteger rendimentos, empregos e empresas. Tiago Petinga - Lusa

O Parlamento discutiu esta quarta-feira o Plano de Recuperação e Resiliência para o país, que o primeiro-ministro apresentou como o motor para "reforçar a nossa robustez social, económica e territorial" e "acelerar a dupla transição digital e climática", numa altura em que Portugal atravessa uma crise pandémica "cheia de incertezas". Os partidos aproveitaram para pedir garantias sobre mais investimento público na saúde, na ferrovia e na luta climática.

Estamos colocados perante um triplo desafio: controlar a pandemia, recuperar da crise económica e social que a Covid gerou e garantir que, com a recuperação, construímos um futuro mais robusto, com menos desigualdades, mais próspero, mais coeso e mais sustentável”, começou por esclarecer António Costa perante os deputados.

Na apresentação daquele que é o plano estratégico elaborado pelo consultor do Governo António Costa e Silva, o primeiro-ministro frisou a emergência da saúde pública e a urgência de proteger rendimentos, empregos e empresas, o que nos leva a “ser mais exigentes, olhando no médio e no longo prazos”.

A recuperação não pode significar regressar onde estávamos em fevereiro deste ano. A recuperação tem de nos permitir acelerar o futuro. Temos de sair desta crise mais fortes, com serviços públicos mais eficientes, empresas mais capitalizadas e produtivas, com emprego mais qualificado e com melhores salários”, afirmou o chefe de Governo.

“Por isso, é fundamental dispormos de uma visão estratégica com horizonte duradouro, que seja um guia orientador das políticas públicas e um quadro inspirador dos agentes económicos, da comunidade científica, do setor social e da cidadania”.

Segundo António Costa, “o trabalho desenvolvido pelo professor António Costa e Silva oferece-nos, nos seus dez eixos de atuação, uma base sólida e ambiciosa para enfrentar o desafio da recuperação com os olhos postos no futuro”.

Em concreto, o Plano de Recuperação e Resiliência pretende “reforçar a nossa robustez social, económica e territorial, acelerar a dupla transição digital e climática e respeitar as recomendações específicas para Portugal, formuladas nos espectros europeus de 2019 e 2020”.

A primeira prioridade a assumir é “responder às vulnerabilidades sociais que a crise sanitária mais evidenciou”, continuar a reforçar o SNS, melhorar as respostas sociais aos mais idosos, responder às variadas carências habitacionais e “integrar os territórios de exclusão que fraturam as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto”.

A segunda prioridade é, para o Governo, “aumentar o nosso potencial produtivo”, investir nas qualificações e no aumento do número de estudantes que frequentam o ensino superior. A essa prioridade segue-se imediatamente a de “assegurar um território mais competitivo externamente e mais coeso internamente”, nomeadamente através do reforço das ligações transfronteiriças.

Esta é seguramente a maior crise que qualquer um de nós teve de enfrentar, num quadro cheio de incertezas. É verdade que é ainda incerta a duração da pandemia, mas por outro lado é certa a determinação de todos os portugueses em perseverar no seu combate no caminho da recuperação”, vincou o primeiro-ministro.
Rio pergunta se Governo quer "fomentar desemprego"
No seguimento do discurso de António Costa, o presidente do PSD considerou que são necessários melhores empregos e melhores salários, mas que a prioridade tem de ser dada às empresas. “São as empresas que fazem o investimento, que criam emprego e que transformam a competitividade global da economia portuguesa”, defendeu.

Rui Rio questionou, por isso, o primeiro-ministro sobre se pretende "fomentar o desemprego" com a promessa de um "aumento significativo" do Salário Mínimo Nacional, comparando essa atitude à do executivo socialista liderado por José Sócrates em 2009.

Frisando que sempre foi a favor da subida do salário mínimo num cenário em que a economia está a crescer, o social-democrata considerou que “no presente, em que o desemprego é enorme, em que a economia está a cair, em que temos uma grande incerteza sanitária, e ainda por cima em que a inflação é nula ou até mesmo negativa”, o objetivo do Governo é questionável.

“Pergunto se acha sensato neste enquadramento e agora agravar os custos das empresas desta maneira”, disse Rui Rio ao primeiro-ministro.

Em seguida, a líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, admitiu ter ficado surpreendida com este "contributo para o debate" por parte do PSD, mas considerou que "faz jus à história" do partido.

"Não estávamos à espera que o senhor deputado Rui Rio recuperasse argumentos de 2015 sobre o papão do aumento do Salário Mínimo Nacional como se isso fosse impedir o crescimento da economia", lamentou.

Mais tarde, António Costa aproveitou a sua segunda intervenção non debate para se afirmar "perplexo" com as advertências do presidente do PSD sobre um novo aumento do salário mínimo, considerando que não apresentou ideias para debate e repetiu a linha do seu antecessor, Pedro Passos Coelho.
Jerónimo quer “estratégia nacional de desenvolvimento”
Na sua intervenção no Parlamento, Jerónimo de Sousa quis destacar que “a epidemia veio tornar ainda mais visível os problemas estruturais do país e acrescentou novos desafios que precisam de respostas”, considerando que “não é possível ir ao encontro das necessidades dos trabalhadores e do país sem uma rutura com a política que nos colocou nesta situação”.

“Portugal deve bater-se para que os fundos comunitários que venham a ser disponibilizados [pela União Europeia] sejam integrados numa estratégia nacional de desenvolvimento”, defendeu o líder do Partido Comunista. “Devem ser as prioridades nacionais e não as imposições da União Europeia que devem determinar para onde vão os fundos comunitários”.

Jerónimo de Sousa defendeu ainda como essenciais ao desenvolvimento do país uma política de valorização dos salários e dos direitos dos trabalhadores, a recuperação do controlo público das empresas e setores estratégicos, uma política de criação de emprego a partir da produção nacional e o investimento nos serviços públicos, saúde e educação.
Bloco de Esquerda quer melhorias no SNS
Catarina Martins focou o seu discurso nas preocupações do Bloco de Esquerda com o Serviço Nacional de Saúde, denunciando a escassez de médicos e a precariedade dos contratos de enfermeiros e assistentes operacionais.

A ministra da Saúde disse hoje que havia mais médicos no Serviço Nacional de Saúde. Não é isso que está nos números do portal do SNS. Na verdade, durante a pandemia, o número de médicos no SNS foi descendo”, apontou a líder bloquista.

“As listas de espera para consultas ou cirurgias aumentam, há mais utentes sem médico de família e muitos profissionais de saúde estão absolutamente exaustos. Só nos meses de verão, fizeram 6,5 milhões de horas extraordinárias”, lamentou.

Para Catarina Martins, “o caso dos restantes profissionais de saúde também não sossega”. “É certo que foram contratados para responder à Covid cerca de quatro mil trabalhadores, essencialmente enfermeiros e assistentes operacionais (…). Só que os contratos são precários e a contratação dos cerca de três mil profissionais previstos no programa de estabilização continua parada no Ministério das Finanças”.

“O tempo é curto. Precisamos de discutir, sim, o longo prazo, mas para o fazer temos de resolver as urgências e trabalharmos nas soluções para o país”, apelou.
CDS-PP evoca linha de crédito para financiar pagamento de impostos
O CDS-PP aproveitou o debate desta quarta-feira para questionar o primeiro-ministro sobre o problema das empresas que viram o seu negócio parar e que “sabem que têm nos próximos meses o fim de algumas moratórias, o fim de pagamentos fracionados à Segurança Social, o fim de pagamentos fracionados de impostos (…) e pura e simplesmente percebem que não vão ter dinheiro para isto tudo”.

Cecília Meireles disse esperar ser falsa a notícia sobre a criação, por parte do Governo, de uma linha de crédito para financiar o pagamento de impostos, considerando essa medida “absurda”.

“Acho muito difícil dizer a um profissional liberal: ‘Não tem dinheiro para pagar os seus impostos? Vá-se endividar junto da banca e depois deixe a conta para os seus filhos pagarem’”, sustentou a deputada.

Há uma solução para isto: uma descida cirúrgica de alguns impostos, sobretudo aqueles que tem que ver com adiantamentos ao Estado”, defendeu.
PAN e PEV lamentam falta de medidas contra crise climática
O partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) relembrou, por sua vez, a atual crise climática, para a qual “precisamos de medidas mais arrojadas e de ação concreta”.

“É por isso mesmo que não podemos deixar de olhar para este plano [de recuperação] e de achar que, em alguma medida, continua agarrado ao passado. E que não dá, assim, a oportunidade de oferecer uma visão mais progressista para uma agenda sustentável”, considerou a líder parlamentar Inês Sousa Real.

“É precisamente aquela agenda que o país precisa, nomeadamente nas suas opções estruturais”, enquanto o presente plano “continua a assentar num modelo económico absolutamente obsoleto, com uma lógica de consumo exacerbado de recursos, serviços e bens de consumo numa pegada ecológica insustentável”, defendeu.

Inês Sousa Real criticou que o turismo continue a ser visto como um “pilar estrutural da economia nacional, sem resolver os impostos ambientais e sociais negativos desta atividade” e que não esteja previsto um estudo de carga turística, lamentando também que o plano não aborde medias que aumentem a transparência, combate à pobreza e exclusão social, combate à corrupção e ainda propostas para o futuro dos jovens.

Também "Os Verdes" criticaram a ausência de propostas no âmbito da ação climática, salientando a necessidade de “pensar o futuro delineando caminhos de sustentabilidade nos quais a economia e a produção têm de caminhar lado a lado com a defesa da natureza e também com a justiça social”.

Chega e Iniciativa Liberal criticam plano
O líder do Chega lamentou que o plano para o país se foque mais nos apoios ao setor público do que ao privado e criticou o programa de habitação pública que “aqueles que andaram anos a pagar impostos” vão ter de sustentar.

“No fundo, é dizer: não se preocupem. Os mesmos de sempre vão continuar a receber o mesmo de sempre, e aqueles que andaram anos a pagar impostos, a sustentar os privilégios de quem não quer fazer absolutamente nada, vêem-se agora a pagar habitação pública para todos”, apontou André Ventura.

O deputado aproveitou para criticar ainda aquela que considerou a falta de planos para a região do Algarve. “O senhor primeiro-ministro apresenta-nos um Programa de Recuperação e Resiliência em que falou de coesão territorial, e é impressionante que nessa coesão territorial não mencionou o Algarve uma única vez”, disse.

“A região do país que aumentou 200 por cento o seu desemprego, a par da região de Lisboa, não tem uma única menção do primeiro-ministro nesta verdadeira tragédia nacional que é o desemprego”.

o Iniciativa Liberal classificou o plano estratégico elaborado por Costa e Silva de “um catálogo de dezenas de medidas em que tudo é crucial, fundamental, essencial”, mas “nada é prioritário”.

Para Cotrim Figueiredo, o Governo “limitou-se a cruzar os eixos do plano de Costa e Silva com os pilares de Bruxelas, não para ver se as medidas fazem sentido, mas apenas para ver se podem financiar”.
“Primeiro objetivo é fortalecer o SNS”, diz ministra
A ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, afirmou que "o primeiro objetivo” do Plano de Recuperação e Resiliência é “fortalecer o SNS, em particular, concluindo a rede nacional de cuidados continuados e a rede nacional de cuidados paliativos e definindo um plano para reforçar a rede de cuidados de saúde primários".

"Se nós não formos capazes de nos entender numa resposta à crise que aumenta o investimento, protege o SNS, que reforça as políticas sociais, quando é que poderíamos ser capazes de nos entender?", questionou, mais à frente, a ministra, reiterando o apelo do primeiro-ministro, António Costa, para que todos participem na resposta à crise resultante da pandemia de Covid-19.

Mariana Vieira da Silva frisou que o Governo quer adotar políticas diferentes das que foram seguidas nas crises anteriores, declarando: "É por isso que é tão importante responder com rapidez e com eficácia para que nesta crise os impactos não sejam tão profundos, para evitar recuos de décadas no emprego, nos salários - já se viu que é o que a direita pretende - e nos direitos, como aqueles que aconteceram no passado".

"Também na habitação e na pobreza, em particular nas áreas metropolitanas, este plano tem propostas. Temos os recursos e um rumo bem definido, com objetivos fundamentais. Devemos colocar as nossas energias na recuperação da crise no combate ao desemprego, no combate à pobreza e às desigualdades. E quem no passado defendeu respostas diferentes às crises que vivemos tem o dever acrescido de participar este caminho", considerou.
Governo lamenta "visão limitada e redutora" da direita
No encerramento do debate parlamentar, o ministro do Planeamento, Nelson de Souza, lamentou a "visão limitada e redutora" dos partidos da direita do hemiciclo.

"De uma forma ou outra, uns mais vocalizados que outros, quase todos os partidos da direita criticaram a alegada alocação excessiva de fundos ao Estado no PPR. Trata-se de uma apreciação que consideramos de muito limitada e redutora, apenas sustentada na contabilidade do quinhão de financiamento diretamente atribuído às empresas", afirmou.

O responsável governamental acusou PSD, CDS-PP, Chega e Iniciativa Liberal de não reconhecerem que, "com o investimento público previsto, o Estado vai produzir bem e serviços públicos que irão reduzir custos de contexto para as empresas e oferecer melhores serviços coletivos aos cidadãos, entre os quais estão também os trabalhadores das empresas".

O ministro do Planeamento revelou-se ainda aberto a "estudar novos meios, modificando a 'caixa preta' que é o sistema de gestão e controlo de fundos", pretendendo transformá-lo "num sistema de paredes de vidro, que assegure o bom uso dos fundos e promova a eficiência e a celeridade".

c/ Lusa
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