Sampaio e o discurso do diálogo e da estabilidade

O socialista Jorge Sampaio sucedeu ao socialista Mário Soares no Palácio de Belém, em 1996, ano em que bateu, à direita, Cavaco Silva.

Lusa /
Jorge Sampaio, Presidenciais 1996 | Foto: AFP

1996: Sampaio e Cavaco entre o diálogo e o país católico

Lisboa, 09 jan (Lusa) - Após meses de tabu, Cavaco Silva, primeiro-ministro durante dez anos, lançou-se na corrida presidencial de 1996 para defrontar o socialista Jorge Sampaio, numa campanha em que se falou do "Portugal católico", de diálogo e de abrangência.

Jerónimo de Sousa, apoiado pelo PCP, e Alberto Matos, da UDP, também estiveram na linha de partida, mas não chegaram a ir a votos.

As eleições legislativas realizadas em outubro de 1995 tinham dado a vitória ao PS, pondo fim a uma década de governo PSD, oito dos quais com maioria absoluta.

Jorge Sampaio, presidente da Câmara de Lisboa, anunciou a sua candidatura logo no início desse ano, mas Cavaco Silva viria a manter durante meses a incerteza quanto à intenção de se candidatar a Belém.

Logo no arranque da campanha os apoiantes cavaquistas apontavam o passado "esquerdista" de Sampaio, lembrando que tinha sido secretário de Estado de um governo liderado por Vasco Gonçalves em 1975.

Num debate televisivo, Cavaco ataca o passado de Sampaio, enquanto Jerónimo de Sousa critica o passado do ex-primeiro-ministro como governante e assumia-se contra o envio de tropas portuguesas para a Bósnia.

Sampaio queixa-se de que a sua vida está a ser investigada, nomeadamente o primeiro casamento, que acabou em divórcio. Cavaco nega qualquer envolvimento da sua candidatura.

"Portugal é católico", gritou Cavaco Silva no Minho, citado pela imprensa, que refere também as alusões do candidato à família "como célula da sociedade".

Eurico de Melo, uma figura destacada do PSD, pediu o voto em Cavaco Silva "católico e bom chefe de família".

Também no norte, Sampaio apelou ao seu adversário para que deixe de "dividir os portugueses" por convicções partidárias ou credos religiosos. "Não nos venham confundir agora andando 30 anos para trás", afirmou em Viana do Castelo.

Ao longo da campanha, Cavaco Silva foi também alertando para "os perigos" da concentração de poderes na mesma cor política, numa alusão ao governo socialista, e apelou aos eleitores para compararem a sua "obra" como primeiro-ministro e a "ausência de obra" de Sampaio, ao mesmo tempo que apontava a convergência entre PS e PCP, com a candidatura comunista a desistir a favor do candidato socialista.

Por seu lado, Sampaio insistiu, nos vários comícios realizados noite após noite, num espírito de abrangência, gritando "Portugal, Portugal, Portugal", quando ouvia o seu nome. No final da campanha, a presença de ministros de António Guterres na campanha foi mais notória, abrindo caminho ao discurso do diálogo e da estabilidade face ao "perigo" de uma vitória de Cavaco retaliar a derrota do PSD nas legislativas.

Jorge Sampaio foi eleito à primeira volta com 53,91% dos votos e Cavaco Silva ficou com 46,09% e esperou mais dez anos para chegar a Belém.

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2001: Campanha marcada pela polémica do urânio empobrecido

Lisboa, 09 jan (Lusa) - Jorge Sampaio foi reeleito Presidente da República a 14 de janeiro de 2001, com uma elevada abstenção, após uma campanha `contaminada` pela polémica do uso de urânio empobrecido no Kosovo.

Garcia Pereira, Ferreira do Amaral, Fernando Rosas, António Abreu e Jorge Sampaio surgiram por esta ordem no boletim de voto dessas presidenciais, as primeiras em que os emigrantes puderam votar.

A campanha ficou marcada pelo uso de urânio empobrecido no Kosovo e seus possíveis efeitos nos militares portugueses que ali se encontravam em missão.

A polémica surgiu após a morte do soldado Hugo Paulino semanas depois de ter regressado do Kosovo, onde participou numa missão da NATO entre março de 1999 e fevereiro de 2000.

Em janeiro de 2001, dias antes das eleições, o governo socialista de então, pela voz do ministro da Defesa, Júlio Castro Caldas, viria a reconhecer, em entrevista na televisão, que sabia que a NATO bombardeou o Kosovo com munições de urânio empobrecido.

O ministro alegou que "não foi considerado que havia grau de ameaça nuclear" e a polémica instalada dificultou a campanha do `presidente-candidato` Sampaio, apoiado pelo PS.

Em plena campanha, Jorge Sampaio, enquanto presidente cessante, teve de convocar o Conselho Superior de Defesa Nacional para analisar a continuação das forças militares portuguesas nas missões de paz nos Balcãs à luz das novas revelações.

O seu principal adversário, Ferreira do Amaral, do PSD, acusou Sampaio de falta de protagonismo e de "proteger o poder socialista". Sampaio apelou no sentido de se evitar fazer "das presidenciais um julgamento do governo".

António Abreu, candidato do PCP, também não poupou críticas ao governo sobre esta matéria, mas a principal surpresa da candidatura comunista acabou por ser a decisão do comité central do PCP de a levar até ao fim.

Mais à esquerda, Fernando Rosas, do BE, criticava o candidato comunista ao mesmo tempo que pedia a demissão do Chefe de Estado-Maior do Exército e do ministro da Defesa, enquanto o candidato apoiado pelo MRPP, Garcia Pereira, exigia a retirada imediata das tropas nacionais do Kosovo e reconhecia que Sampaio tinha a reeleição assegurada.

Jorge Sampaio tornou-se o terceiro Presidente da República a ser reeleito (conseguiu 55,5 por cento dos votos), repetindo o sucedido com Ramalho Eanes em 1980 e com Mário Soares em 1991, mas a abstenção acabou por rondar os 50%.

Durante a campanha, surgiu também a suspeita de que perto de 500 mil eleitores já falecidos constariam dos cadernos eleitorais, o que foi muito criticado pelos partidos da oposição, com o governo a considerar o número apontado "especulativo" e "exagerado", dois anos depois de ter feito uma limpeza dos cadernos de recenseamento.

Ferreira do Amaral conseguiu 34,6% dos votos, António Abreu 5,1%, Fernando Rosas 3% e Garcia Pereira 1,5%.

 

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