Sindicatos vêem "aumento zero" como "solução absurda"

As centrais sindicais encaram a proposta do Governo com vista ao congelamento dos salários da Função Pública em 2010 como uma quebra de compromissos que acabará por acarretar consequências para a negociação colectiva no sector privado. A UGT fala de uma solução "inaceitável", ao passo que a CGTP acusa o Governo de se vergar às "imposições" das agências de rating.

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"É evidente que os nossos sindicatos da Administração Pública irão tomar medidas", disse o secretário-geral da UGT António Cotrim, Lusa

"Irei propor aos sindicatos a não actualização de salários em 2010". A frase, ontem proferida pelo ministro das Finanças, na apresentação do Orçamento do Estado para este ano, está a agitar os sindicatos dos trabalhadores da Administração Pública. As estruturas recusam-se a aceitar que sejam os profissionais do sector público a custear a factura do défice. A indignação prende-se, também, com a anunciada penalização de seis por cento para os funcionários que se reformem antecipadamente em 2010.

Para o secretário-geral da UGT, João Proença, o documento de 700 páginas que o Governo de José Sócrates fez chegar à Assembleia da República constitui "um Orçamento profundamente negativo e que, na prática, rompe com aqueles que foram os compromissos do próprio ministro das Finanças".

"É evidente que estamos claramente contra o Orçamento. É evidente que os nossos sindicatos da Administração Pública irão tomar medidas. Aliás, iremos ter uma reunião na próxima sexta-feira com o ministro das Finanças e queremos discutir esta questão. Mas parece-nos que de facto é uma solução absurda, que rompe os compromissos do próprio ministro das Finanças. Ele repetiu nos últimos dias, sistematicamente, que não haveria crescimento de salários reais. Isso significa aumento igual à inflação", sublinhou João Proença, em declarações à Antena 1.

Ao enveredar por uma política de "aumento zero", reforçou o dirigente da UGT, Teixeira dos Santos está não só a "penalizar fortemente todos os trabalhadores da Administração Pública como a "condicionar claramente a negociação colectiva no sector privado, dando um sinal claro de que não deve haver aumentos". "É totalmente inaceitável", rematou.

Recuperação económica "sem mais trabalho"

Em sentido análogo, o secretário-geral da CGTP, Carvalho da Silva, fala de um Orçamento do Estado que "não é de futuro": "É um Orçamento de prosseguimento da crise".

"Os trabalhadores da Administração Pública tiveram perdas nos últimos oito anos, não tiveram ganhos. Só no ano passado. Tiveram perdas acumuladas muito grandes. Depois, há centenas de trabalhadores na Administração Pública que ganham muito pouco, que estão muito próximos do salário mínimo. E há uma outra coisa, é que não pode haver qualidade na Administração Pública sem valorização do trabalho e há, neste momento, uma fuga, que tende a agravar-se, de quadros que fazem falta na Administração Pública", sustentou Carvalho da Silva, ouvido pela rádio pública.

"Por outro lado, o Governo tem de alterar esta posição, porque é preciso dar um sinal de valorização do trabalho. Eu lembro que esta noite a Organização Internacional do Trabalho divulgou um documento sobre o emprego. O director-geral da Organização Internacional do Trabalho diz que é preciso uma prioridade política que evite uma recuperação sem trabalho e que é preciso aplicar, agora, a mesma decisão política que se adoptou para salvar os bancos para criar postos de trabalho e ajudar as pessoas. E este Orçamento não vai nesse sentido. Esta aliança à direita para sustentar o Orçamento só poderia dar neste sentido", vincou o dirigente, aludindo às negociações entre Governo, PSD e CDS-PP.

À RTPN, Carvalho da Silva deixou ainda críticas ao que considera ser o actual primado das agências de rating: "Toda a gente sabe no Mundo que as agências de rating têm sido um instrumento importante de fundamentalismo financeiro. Por exemplo, há pouco tempo apresentavam-nos a Islândia ou a Irlanda como modelos a seguir. Têm-nos submetido a imposições que são inaceitáveis e é para isso que alguns organismos internacionais chamam a atenção. Esta saída da crise, esta chamada recuperação destruindo emprego e destruindo estabilidade do emprego, não é saída nenhuma. Isto apenas permite que alguns acumulem riqueza".

Menos 60 mil na Função Pública até 2013

Na apresentação da proposta do Orçamento do Estado para 2010, Teixeira dos Santos avançou as estimativas do Governo para o ritmo de redução de efectivos na Administração Pública. O Governo quer ter menos 60 mil trabalhadores nos organismos do Estado até 2013 - entre os 7,5 e os dez por cento.

Este ano, garantiu ainda o ministro das Finanças, o Executivo vai manter o princípio de contratação de um novo trabalhador por cada dois que deixem a Função Pública; uma fórmula que, segundo o Governo, permitiu, na última legislatura, uma redução em cerca de 73 mil trabalhadores.

De acordo com o secretário de Estado da Administração Pública, Gonçalo Castilho dos Santos, o número foi alcançado "não à custa de despedimentos massivos", mas devido "a uma redução inédita de recibos verdes" nos serviços públicos: "A redução dos funcionários públicos rondou os dez por cento, no mesmo período em que se reduziram 35 por cento dos recibos verdes no Estado".

A versão preliminar do Orçamento do Estado para este ano indica que, na anterior legislatura, o número de trabalhadores da Administração Pública passou de 747.880 no termo de 2005 para 675.048 a 31 de Dezembro de 2009.

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