Situação "dramática" nas contas do país preocupa Ramalho Eanes

O país vive uma “situação financeira dramática” resultante do “endividamento externo” e da “fraca capacidade de poupança”, o que impõe um “trabalho ciclópico”, avalia Ramalho Eanes. Em entrevista à Antena 1, o antigo Presidente da República manifesta-se “preocupado” com o futuro e lamenta que a Revolução de 25 de Abril de 1974 não tenha respondido “aos interesses legítimos da maioria dos portugueses”.

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"Nunca a realidade responde cabalmente aos nossos sonhos", afirma Eanes a propósito do 25 de Abril de 1974 Antena 1, RTP

Ramalho Eanes entende que não está "a dramatizar" quando traça o diagnóstico de um país com uma "situação financeira dramática", a braços com os reflexos da dívida externa. O quadro, sustenta o antigo Chefe de Estado, exige "profundas reformas" na arquitectura do Estado.

"Estou preocupado porque entendo que, para sairmos desta situação e dado que não temos poupança, não temos capacidade de mobilizar investimento indispensável internamente, temos que ir ao exterior, temos que criar condições de uma alta competitividade", sublinha o antigo Presidente da República, entrevistado pelo jornalista da Antena 1 Ricardo Alexandre.

"Eu julgo que para fazermos isso, e isso é um trabalho longo, temos que fazer profundas reformas na educação, temos que fazer profundas reformas na justiça, temos que fazer profundas reformas na Administração, temos que contar com a fiscalidade e profundas reformas na qualificação profissional. Nós temos um trabalho ciclópico a fazer", prescreve Ramalho Eanes.

Realidade "fica sempre aquém"

Questionado sobre o legado do 25 de Abril, o primeiro Presidente eleito em democracia lamenta que a Revolução não tenha permitido responder "aos interesses legítimos da maioria dos portugueses". A realidade, afirma, "fica sempre bastante aquém" dos "sonhos".

"Nunca a realidade responde cabalmente aos nossos sonhos, às nossas aspirações, aos nossos desejos, fica sempre bastante aquém. E esta realidade, que é o 25 de Abril, trouxe um bem indiscutível, indispensável, um bem que só ele permite que os homens sejam aquilo que devem ser, livres e tendencialmente iguais", atalha Ramalho Eanes, para logo contrapor que, "se trouxe isto, há várias outras coisas que não trouxe. Não conseguiu, por exemplo, responder às aspirações justas, fundadas, aos interesses legítimos da maioria dos portugueses".

Ramalho Eanes recua à madrugada da Revolução de 1974. Nesse momento, recorda, encontrava-se no Norte de Angola, onde recebeu a notícia sem surpresa: "Eu admitia que, mais dia, menos dia, ocorresse uma sublevação armada contra o regime, mas obviamente com muito agrado, porque entendia que a situação era insustentável e que era necessário mudar. E se não havia capacidade para mudar, de maneira reformadora, que são naturalmente as melhores mudanças, então que se fizesse através de uma via militar".

11 de Março

Durante o período mais conturbado de 1975, de Março a Novembro, Ramalho Eanes chegou a transportar um par de granadas no automóvel e dormia vestido. Na tentativa de golpe de Estado de 11 de Março, reafirma, não desempenhou "nenhum papel".

"Acabei por ser um pouco espectador e pretenderam que eu fosse vítima, também. Mas eu não tinha jeito para ser vitimizado pelos outros e de imediato reagi, demitindo-me na televisão e obrigando as autoridades militares a fazerem um inquérito e a dizerem se eu tinha ou não tinha alguma coisa a ver com o 11 de Março", lembra o antigo Presidente.

"A acusação fundamentava-se no facto de eu ser amigo do general Spínola, o que é indesmentível, e por eu ter um cunhado que era major aviador e que pilotou um dos aviões que sobrevoou o RALIS [Regimento de Artilharia de Lisboa]. Recusei-me, como sabe, a desempenhar qualquer função militar enquanto esse assunto não estivesse devidamente esclarecido e só depois de terem dito que eu não tinha nada a ver com o 11 de Março, preto no branco, é que eu aceitei retomar funções militares".

25 de Novembro

Ramalho Eanes recua também ao dia 25 de Novembro de 1975, quando o país ameaçou resvalar para a guerra civil. Após o Verão quente, a facção moderada do Movimento das Forças Armadas (MFA), sob a liderança do Grupo dos Nove, o PS, o PPD, o CDS e a própria Igreja Católica defrontaram-se, na capital, com a Esquerda Militar, o PCP e a extrema-esquerda. Prevaleceram os primeiros. Até hoje, porém, perdura a incógnita sobre quem, de facto, impeliu a facção radical do MFA a marchar sobre Lisboa com a unidade de pára-quedistas de Tancos.

Ramalho Eanes confessa que, "durante muito tempo", esteve "convencido de que realmente havia distância suficiente para uma reflexão filosófica, portanto uma reflexão fria, lógica" sobre os acontecimentos daquele dia: "Mas concluí que não era assim. Quando aqui há uns anos se comemoraram os 25 anos do 25 de Novembro, pretendeu-se que todos os que tinham estado nas diferentes posições se encontrassem e, através de um diálogo, expusessem o que tinham entendido da situação, as posições que tinham assumido, as razões dessas posições. E cheguei à conclusão de que muitos deles não quiseram participar, quando ao fim ao cabo o que se pretendia era um diálogo que esclarecesse a sociedade do que se tinha passado".

"E as sociedades que não conseguem reflectir filosoficamente sobre o passado estão condenadas a não fazer transformações reformadoras oportunas, inteligentes, cuidadas e estão condenadas a fazerem mudanças sociais, que a própria sociedade torna inevitável, através de perturbações violentas, normalmente perturbações armadas, e foi o que nos aconteceu. Efectivamente não é uma coisa boa", remata.

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