Soares, da divisão ao Presidente de todos os portugueses
Mário Soares, líder histórico do PS, foi o primeiro Presidente civil em democracia numa eleição em 1986 que dividiu em dois o país e teve duas voltas, primeira e única vez que tal aconteceu.
Na hora da vitória, prometeu ser o "Presidente de todos os portugueses".
1986: A campanha mais longa
Lisboa, 09 jan (Lusa) - A campanha eleitoral para as presidenciais de 1986 foi a mais longa até agora, dado que o Presidente da República só seria escolhido na segunda volta, disputada por Mário Soares e Freitas do Amaral.
No início da campanha, cinco candidatos estavam na linha de partida, todos civis, mas só quatro foram a votos a 26 de janeiro de 1986. Ângelo Veloso, candidato do PCP, desistiu pouco antes a favor de Salgado Zenha, que foi apoiado também pelo PRD.
A primeira volta das eleições acabou por ser as `primárias` da esquerda, disputadas pela independente Maria de Lurdes Pintasilgo, Salgado Zenha e Mário Soares, apoiado pelo PS, enquanto à direita Freitas do Amaral congregava os apoios de PSD e CDS e surgia como o favorito.
Freitas do Amaral teve a seu lado o recém-eleito primeiro-ministro de então, Cavaco Silva, que pedia estabilidade "para que fortaleça a esperança que nasceu em 06 de outubro", data das legislativas que deram a vitória ao PSD, pondo fim ao bloco central (coligação PS/PSD) que Soares liderou.
A memória de Sá Carneiro e Amaro da Costa foi evocada em comícios do candidato, com a imprensa a descrever uma campanha em ambiente de festa e Freitas do Amaral a apelar à participação nas eleições. Ficaria à frente na primeira volta com 46,3% dos votos.
Mário Soares, que parecia à partida em desvantagem devido ao desgaste no cargo de primeiro-ministro, acabou por ficar em segundo lugar na votação de 26 de janeiro, com 25,4% dos votos.
Na primeira etapa da campanha, Soares foi agredido na Marinha Grande num protesto com palavras de ordem contra os salários em atraso, um incidente condenado pelos seus adversários na corrida eleitoral e que mais tarde seria considerado um ponto de viragem na candidatura.
Soares foi referindo que a vitória seria "conseguir passar à segunda volta".
A candidatura de Lurdes Pintasilgo, antiga primeira-ministra de um governo de iniciativa presidencial de Ramalho Eanes, surgiu como "uma resposta ao descrédito político gerado pelo sistema" e a sua campanha chegou a ser descrita como "a caravana do sonho", mas nas urnas não viria a conseguir mais de 7,3% dos votos.
Salgado Zenha contou na campanha eleitoral com o apoio do presidente cessante, Ramalho Eanes, e a mulher do general, Manuela Eanes, participou na campanha ao lado do antigo dirigente do PS e ex-ministro de Soares.
A imprensa deu conta de apelos de várias figuras do PS a Zenha para que desista. "Não desisto", respondeu. Nas urnas viria a obter 20,8% dos votos.
Na segunda volta, a esquerda uniu-se para travar Freitas do Amaral. O PCP convocou um congresso extraordinário para decidir sobre o voto em Soares e acabou por tomar essa decisão.
Na televisão ficou o testemunho de uma popular que diz ter votado em Zenha, mas vai tomar "sais de frutos para votar em Soares".
Na etapa final da campanha, Soares considera que o seu principal adversário já não é Freitas do Amaral, mas a abstenção.
"Não terei de mudar o discurso, a estratégia ou os aliados, a minha especialidade é a coerência e não a pirueta", apontou, por sua vez, Freitas do Amaral à partida para a segunda volta.
A 16 de fevereiro de 1986, Mário Soares ganhou com 51,1% dos votos e Freitas do Amaral ficou com 48,8%, a menos de 140 mil votos.
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1991: Aceso debate entre Mário Soares e Basílio Horta anima campanha
Nas eleições presidenciais de 1991, Mário Soares foi reeleito Presidente da República, com mais de 70% dos votos, tendo como principal concorrente Basílio Horta e com o PCP a levar até ao fim a candidatura de Carlos Carvalhas.
A principal surpresa destas eleições viria do resultado da candidatura comunista, que alcançou 12,9% dos votos, enquanto Basílio Horta, apoiado apenas pelo CDS, obteve 14,1%.
"Sou socialista, como sempre fui", lançou Soares ao anunciar a sua recandidatura, afirmando-se também "republicano e laico".
O presidente cessante demarcava-se assim do apoio que o PSD, na altura liderado pelo então primeiro-ministro Cavaco Silva, manifestara à sua reeleição, afirmando que não apoiaria qualquer candidatura alternativa a Soares.
"Para mim, uma pugna eleitoral com Mário Soares era um confronto supérfluo, que dificultaria a ação futura do Governo", explicou Cavaco Silva na sua "Autobiografia Política", considerando que para o PSD "o combate importante" não era a eleição presidencial de 1991, mas as legislativas que teriam lugar em outubro desse ano.
O espaço à direita acabou por ser preenchido por Basílio Horta, que viria a criticar Soares pelo seu papel na descolonização e protagonizou um acesso debate televisivo com o presidente e candidato, confrontando-o com as polémicas que então envolviam Macau. Na altura, o chefe de Estado tinha responsabilidade constitucional na administração do território e na escolha do governador.
Nesse debate, o candidato apoiado pelo CDS acusou Mário Soares de ser "padrinho da Emaudio", em alusão a uma empresa com negócios em Macau. Face ao ar indignado de Soares, Basílio acrescentava que se referia a "padrinho no sentido de protetor".
"Eu sou uma pessoa impoluta. Sou um homem que toda a vida fez política não por dinheiro", afirmou Soares, enquanto o seu adversário lançava: "os seus amigos não são".
No final, Soares lamentou que os portugueses não tenham assistido a um debate "com a elevação" do que teve com Freitas do Amaral, seu adversário em 1986. "Não tive à minha frente um homem com a mesma qualidade", disse.
As eleições, que tiveram lugar a 13 de janeiro de 1991, contaram ainda com a participação de um candidato da UDP, Carlos Marques, que obteve 2,5% dos votos.
O candidato apoiado pelo PCP, Carlos Carvalhas, assumiu no ano seguinte a liderança comunista, substituindo o histórico Álvaro Cunhal como secretário-geral do partido.
Soares conseguiu quase 3,5 milhões de votos e seria eleito para um segundo mandato ultrapassando o recorde de 3,2 milhões de votos obtido por Ramalho Eanes quando foi reeleito em 1980.