A "Operação Michael". Como começou e acabou a ofensiva alemã de 1918

por RTP

O ano de 1918 começa para a Alemanha sob o signo de várias vitórias recentes e de uma catástrofe iminente. O lançamento de uma ofensiva na frente ocidental é a forma de aproveitar a janela de oportunidade e de tentar esconjurar o perigo mortal que espreita as potências centrais. Mas a ofensiva sofre de um handicap fatal que acabará por condená-la ao fracasso.

No início de 1918, a situação política e militar apresenta-se sob vários aspectos favorável à Alemanha. As ofensivas aliadas do ano anterior foram repelidas com sucesso, as tropas alemãs ganharam terreno ao Exército italiano, ao vencerem a 12ª batalha de Isonzo, e a Rússia saíu da guerra com o cessar-fogo de dezembro e com o tratado de Brest-Litovsk em março de 1918.

Por outro lado, o alto comando alemão encontra-se pressionado pela urgência de obter uma vantagem decisiva antes que as tropas norte-americanas, já desembarcadas na Europa, comecem a intervir na frente de batalha.

Uma ofensiva de grande envergadura
Com as forças libertadas da frente oriental e da frente italiana, o Exército alemão consegue concentrar na frente ocidental 200 divisões, com um total de cerca de quatro milhões de homens. Para a ofensiva conta com 70 divisões de assalto, concebidas para algo semelhante a uma guerra de movimento.

A ofensiva "Michael" começa em 21 de março, com um bombardeamento intenso, que concentra em poucas horas o fogo que até aí era habitual lançar durante vários dias, antes do assalto às trincheiras inimigas. O procedimento é novo e permite à infantaria avançar depois, precedida por um bombardeamento que avança progressivamente. Num primeiro momento, consegue-se romper as linhas inglesas.

A concepção audaciosa de uma guerra de movimento surgia, na Primeira Guerra Mundial, prematuramente. Faltavam ainda os meios motorizados para que ela fosse viável. Do lado alemão, não havia mais de 20.000 camiões para transporte de tropas.

E era praticamente inevitável que a ofensiva, depois dos primeiros avanços espectaculares, se atolasse por falta de meios, que não conseguiam acompanhá-la através de um terreno quase impraticável.

O historiador Bernd Ulrich descreve o padrão da ofensiva alemã da primavera de 1918: uma tentativa para romper a frente aliada com operações de grande envergadura, segundo a metodologia ensaiada em Isonzo.

Primeiro eram lançados vários ataques curtos de artilharia, acompanhados de gás, contra centros logísticos recuados, e logo as tropas de assalto, em parte ainda durante os próprios ataques da artilharia.

Nos primeiros dias da ofensiva, as tropas alemãs conseguem os avanços mais significativos de toda a guerra até então, o que quase configura a passagem da guerra de posição a uma guerra de movimento. Nas tropas aliadas registam-se reacções de pânico e verdadeiras debandadas. O Governo francês chega a ponderar a hipótese de fugir de Paris e o Quartel-General francês a de mudar de localização.

Aquando dos primeiros grandes avanços da operação "Michael", a partir de 21 de março, as tropas alemãs apoderaram-se de armazéns britânicos bem fornecidos, o que deu origem a festins e bebedeiras. Este processo contribuiu para travar a progressão alemã, embora não de uma forma tão exclusiva e monocausal como sugeriu o general Ludendorff.

Além disso, começam entretanto a chegar reforços aliados e desenha-se uma resistência, combinada com os problemas de abastecimento do Exército alemão. As tropas alemãs encontram-se além disso esfomeadas e enfraquecidas pela pandemia da gripe. Quando encontram depósitos de víveres dos Aliados, só pensam em comer, como diz Ludendorff. Sofrem por isso reveses e vêem-se na necessidade de recuar, embora parte do território ganho permaneça nas suas mãos.

Com estes recuos, empreende-se nova tentativa, típica de Ludendorff, para restabelecer uma superioridade em determinados pontos da frente.

As atenções voltam-se para o sector português
Quando a "Operação Michael" fica atolada, os generais alemães pensam em tentar romper a frente noutro ponto. Retomam então a ideia inicial da "Operação Georg", na Flandres, mas focando-a sobre o sector português e dando-lhe agora o nome de "Operação Georgette". O factor decisivo para a escolha daquele novo foco da ofensiva é o facto de ele estar guarnecido por tropas portuguesas, que são consideradas pouco capacitadas para o combate.


Na análise do historiador militar Christian Stachelbeck, não houve em março qualquer manobra de diversão alemã contra o sector português da frente, porque Ludendorff não dispunha de tropas suficientes para esse tipo de simulação.

Os sucessos iniciais da ofensiva alemã tinham criado na retaguarda a lenda de um exército invencível, que combatia em território inimigo. Depois, quando veio a derrota, essa lenda deu lugar a outra: a da "punhalada nas costas".

A partir do fim da abril, com o fracasso da ofensiva "Georgette", acentuam-se as críticas à condução política e militar e os sinais de uma revolução iminente.

Na ofensiva alemã da primavera de 1918 encontram-se já alguns dos elementos característicos do que depois, na Segunda Guerra Mundial, viria a chamar-se a "estratégia da Blitzkrieg" - o tipo de bombardeamento de artilharia, o tipo de progressão da infantaria ou a autonomia relativa dos chefes operacionais no seu âmbito específico.

Os motivos da derrota alemã
A ofensiva alemã acabou por fracassar devido a um conjunto de factores, em que se incluíam a dificuldade para fazer chegar reabastecimentos e reforços aos pontos mais avançados, o cansaço dos soldados, o endurecimento da resistência aliada e as perdas sofridas.

Na frente Leste, a derrota do Exército czarista e a vitória da revolução bolchevique tinham permitido à Alemanha concluir uma paz, consagrada no leonino Tratado de Brest Litovsk.

Na Alemanha, mantém-se mesmo até novembro de 1918, e mesmo entre políticos com responsabilidade, a convicção de que o Exército vai a caminho da vitória. A comunicação enviada ao Reichstag sobre a iminência da derrota é recebida com estupefacção por muitos desses políticos.

De Ludendorff, dizia-se que era um táctico brilhante e um estratega desastrado. Tinha visão para o horizonte limitado das operações, mas pouca ou nenhuma para o planeamento de longo fôlego, que já inclui componentes decisivas de ponderação política, social e económica.

A excelência das capacidades tácticas do lado alemão evidenciou-se na fase inicial das ofensivas conduzidas, com uma série de métodos inovadores, que obtiveram grandes sucessos. Mas, como observa Stachelbeck citando Clausewitz, a certa altura essas ofensivas atolavam-se e ficavam irremediavelmente paradas.

A análise de Stachelbeck, sem se focar exclusivamente em características de um general como Ludendorff, toma nota de uma contradição de fundo no pensamento do alto comando alemão: por um lado, queria conduzir uma guerra de movimento; por outro lado, abstraía da falta dos pressupostos económicos e tecnológicos para a concretização desse desiderato.


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