FNAM avança adesão superior a 90 por cento na greve dos médicos

A Federação Nacional dos Médicos está a avançar com números superiores a 90 por cento de adesão para a greve que arrancou à meia-noite. Assegura uma dirigente da FNAM que "a maior parte dos serviços regista adesão total" nesta paralisação de dois dias, agendada pelos sindicatos dos médicos (hoje e amanhã).

RTP /
Mário Cruz, Lusa

À porta do Hospital de São José, em Lisboa, Pilar Vicente explicou à Agência Lusa que "isto é uma luta comum" que está a contar com a solidariedade de alguns doentes, ainda que prejudicados pelo protesto.

De acordo com esta médica, "os utentes têm sido extremamente prejudicados com a dificuldade no acesso, o aumento das taxas, a retirada de direitos e têm sido extremamente penalizados". Pilar Vicente acrescenta que os profissionais "estão sempre extremamente preocupados com os reflexos no tratamento dos doentes".
Médicos têm em curso maior paralisação em mais de duas décadas
Arrancou à meia-noite a greve de dois dias agendada pelos sindicatos dos médicos para hoje e amanhã. É a maior paralisação destes profissionais desde um protesto ainda na década de 1980, era então ministra da Saúde Leonor Beleza. Convocados pelos dois sindicatos, e com o apoio da Ordem dos Médicos, os médicos avançam para uma contestação com duas dezenas de reivindicações, em particular a exigência para que seja anulado o concurso para aquisição de serviços pagos à hora. Assegurados os serviços previstos como se fora domingo ou feriado, deverão ficar penduradas – nas contas do ministério - quatro mil cirurgias e 430 mil consultas.

Depois de um acordo entre o Ministério da Saúde e os representantes dos médicos (Sindicato Independente dos Médicos – SIM e FNAM) ter evitado um protesto no primeiro dia do ano, os médicos mostraram-se desta vez inflexíveis aos argumentos da tutela, que acusam ter protelado uma solução negocial durante mais de meio ano. A greve foi convocada pelos sindicatos e tem o apoio da Ordem dos Médicos. Os clínicos têm uma lista com duas dezenas de reivindicações.

Rejeitado o último apelo do ministro Paulo Macedo para se reunirem à mesa de negociações - num encontro convocado pelo ministério durante o fim-de-semana e que os representantes dos médicos classificaram de encenação mediática do lado do Governo – os médicos despiram as batas nos hospitais para as vestirem a partir das três da tarde na João Crisóstomo, em Lisboa, numa manifestação frente ao Ministério da Saúde.

Esta é uma paralisação que vai abranger todos os serviços dependentes do Serviço Nacional de Saúde, mas que deve deixar assegurados os serviços mínimos, com os hospitais a funcionarem à dimensão de um feriado ou um domingo.

O protesto dos médicos assenta numa longa lista de vinte itens, com o SIM e a FNAM a acusarem o Governo de "as múltiplas e graves medidas de restrição no acesso aos cuidados de saúde para um número crescente de cidadãos, colocando permanentes situações dramáticas aos vários sectores de profissionais de saúde". Os clínicos sublinham desta forma que a decisão de avançar para a paralisação foi tomada também em nome dos utentes do SNS e da "qualidade do exercício da profissão médica e da sua formação contínua".

Os sindicatos garantem um contingente de 3800 médicos para que fiquem garantidas urgências, prestação dos cuidados de quimioterapia e radioterapia, de diálise, serviços de imunohemoterapia com ligação aos dadores de sangue, recolha de órgãos e transplantes, cuidados paliativos em internamento, punção folicular em mulheres cujo procedimento de Procriação Medicamente Assistida (PMA) tenha sido iniciado e decorra em estabelecimento do SNS e a dispensa de medicamentos de uso exclusivamente hospitalar.
Governo faz contas à greve
Num braço-de-ferro que se acentuou na última semana, depois de terem falhado todas as tentativas de conciliação, o ministro da Saúde manifestou a abertura do Governo para negociar antes ou depois da greve, deixando no entanto o recado aos médicos que voltar a reunir depois de consumada a greve de dois dias não poderia já evitar “os prejuízos que daí advêm para os portugueses”.

No domingo, constatada a ausência dos representantes dos médicos - como haviam feito saber de véspera - o ministro afirmava, com uma nota crítica, que o "Governo continua a dialogar com as organizações sindicais com o intuito de impedir que os portugueses sejam sujeitos ao sacrifício de uma greve inevitável".

As preocupações do ministério voltaram a ser reiteradas pelo secretário de Estado da Saúde, Manuel Teixeira, que se afirmava ainda ontem preocupado com as repercussões da greve junto dos utentes. "Nós estamos preocupados porque, sempre que se fere os utentes, isso não é uma coisa boa", lamentou o governante, não deixando contudo de convir que os serviços mínimos estão garantidos: "Sabemos que o sentido dos médicos é do cumprimento absoluto daquilo que está definido, e nós estamos tranquilos sobre isso".

Da sede da João Crisóstomo foram feitas as contas aos “custos” da paralisação: 4 mil cirurgias canceladas e mais de 400 mil consultas por realizar, 100 mil nos hospitais e 330 mil nos centros de saúde.

Uma responsabilidade que é alijada pelos representantes dos clínicos, que - apontando essa incapacidade de Paulo Macedo de durante mais de seis meses apresentar propostas “válidas”, depois de desconvocada a paralisação do início do ano – asseguraram já a realização das intervenções e consultas logo nos dias subsequentes à greve.

Os representantes dos médicos já haviam entretanto deixado o recado aos utentes para que não acorressem desnecessariamente aos hospitais e centros de saúde, dando essa garantia de que os serviços seriam recuperados a partir de sexta-feira.
Médicos abertos à negociação só na sexta-feira
Para a decisão de avançar com a greve, explica o SIM, conta o conjunto de propostas apresentado pela tutela na noite de sábado, que os médicos consideram estar longe das suas reivindicações: "O envio de um documento apresentando um conjunto de contrapropostas do Ministério da Saúde não veio, infelizmente, ao encontro das reais necessidades de diálogo", pode ler-se na resposta do sindicato ao ministro, disponibilizada no site do sindicato. Relativamente ao concurso para contratação de médicos em regime de prestação de serviços o ministério não apresenta "nada de novo", tendo alterado a ponderação do preço mais baixo de "critério único" para passar a valer 50 por cento na pontuação final, lamenta o sindicato: "Trata-se de uma simulação de alterações que nada muda nos aspetos essenciais, quando a questão fulcral era a sua anulação [do concurso]".


O SIM não aceitou o facto de haver contrapartidas que a tutela apresentava sob a condição de os médicos desconvocarem a greve, como é o caso da conclusão da legislação sobre o ato médico e o retomar do processo de negociação das grelhas salariais. Para os sindicalistas, a tutela "continua a não mostrar uma efetiva vontade em negociar e em encontrar soluções para os delicados problemas que originou", pelo que não é possível "desenvolver qualquer processo credível de negociação".

Condenando o que dizem ser a abordagem do processo negocial de "forma ofensiva" por parte da tutela, o SIM lamenta a afirmação do ministério de que existe uma greve "cujos pressupostos base se encontram ultrapassados", quando, se os pressupostos estivessem ultrapassados, o processo reivindicativo não estaria em desenvolvimento há várias semanas.

A ideia que chegou a pairar no ar de uma requisição civil também ajudou a azedar a comunicação entre ministério e sindicatos. Durante uma entrevista na RTP, Paulo Macedo sugeriu este cenário numa situação extrema. As palavras que foram entendidas pelos representantes sindicais como uma ameaça foram entretanto amplamente desmentidas pelo ministro da Saúde, que assegurou ter havido um exagero na interpretação.

Os representantes dos médicos avançaram então, por seu lado, com uma contraproposta, disponibilizando-se a reunir com Paulo Macedo depois da greve marcada para esta semana, logo na sexta-feira, assim o queira o ministro: "Estamos disponíveis, como sempre, para encetar um processo negocial sério e de boa-fé, mas sem estar na dependência de uma agenda de encenação mediática. Após a realização da greve estaremos imediatamente disponíveis", sustentam.
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