Mea culpa, evasão a perguntas incómodas, candura nas respostas pessoais. Mark Zuckerberg mostrou-se preparado para jogar em todos os tabuleiros que lhe puseram à frente na audição perante o Senado dos Estados Unidos. Sem promessas de apoio a nova legislação para a área, não teve problemas em pedir desculpas por não ter sido capaz de proteger os dados pessoais dos utilizadores. Após cinco horas com mais de quatro dezenas de questões na terça-feira, o presidente executivo do Facebook regressa agora ao Capitólio para enfrentar a Câmara dos Representantes.
Sublinhando que é ele o criador e principal gestor do Facebook, Zuckerberg assumiu a responsabilidade por essas falhas, garantindo que estão a ser trabalhadas medidas para evitar o mau uso das potencialidades da rede social. Um ponto em que não gaguejou quando apresentou um pedido de desculpas por a sua empresa não ter tido capacidade para evitar esse abuso de informação.
O mesmo não aconteceu quando o senador democrata do Illinois Dick Durbin o reduziu à dimensão de utilizador da rede. Durbin limitou-se inicialmente a duas questões quase prosaicas: “Senhor Zuckerberg, sentir-se-ia confortável em partilhar connosco o nome do hotel em que ficou na última noite? (…) Se enviou mensagens esta semana, importa-se de nos dizer os nomes das pessoas a quem enviou essas mensagens?”.
De ambas as vezes foi um Zuckerberg titubeante que confessou que “não (…) preferia não o fazer”.
Sen. Durbin presses Zuckerberg on privacy issues, asking: "Would you be comfortable sharing with us the name of the hotel you stayed in last night?" Zuckerberg laughs and says, "No." https://t.co/BBFW9ch3Xd pic.twitter.com/KIuv1LBwpC
— CNN (@CNN) 10 de abril de 2018
Os trabalhos duraram cinco horas, tempo suficiente para evidenciar a fragilidade da rede quanto à potencial exposição dos dados pessoais – ainda que, como referiu Zuckerberg a um senador, seja “o senador a controlar” que dados – dos utilizadores. Cruzava-se aqui a questão dos eventos eleitorais por todo o globo, os passados e os que estão agendados para os próximos meses e anos. Zuckerberg fez o mea culpa e comprometeu-se a afinar as ferramentas da rede para evitar a entrada em jogo de factores que possam distorcer o funcionamento dos sistemas democráticos.
As balizas para prevenir este tipo de distorções deverão ser encontradas dentro dos mecanismos legislativos nacionais e internacionais e foi essa uma das questões colocadas ao dono do Facebook: se estaria disposto a apoiar novas leis que expurguem este modelo de negócio das suas debilidades (é muito ténue a membrana que separa o termo debilidade da possibilidade de uma característica intencional) e que privilegiem a proteção dos indivíduos que navegam na rede.Mark Zuckerberg assumiu a responsabilidade perante os senadores e admitiu a preparação de medidas para evitar o uso nefasto das ferramentas da rede social.
Descrentes na capacidade do Facebook para se regular a si próprio neste campo, os senadores não conseguiram, no entanto, vincular Mark Zuckerberg à promessa de que apoiaria novos pacotes de leis que viessem a ser encontrados na matéria.
John Kennedy, republicano, foi um dos senadores que deixou o aviso a Zuckerberg: “Eu não quero ter de votar para regular o Facebook, mas juro por Deus que o farei. E isso depende de si”.
O presidente da rede social manter-se-ia esquivo sempre que lhe era pedido o apoio a nova legislação direcionada para um modelo mais apertado de regulação, até mesmo quando o senador democrata Ed Markey colocou sobre a mesa uma proposta de lei que prevê a necessidade de autorização dos utilizadores para que as empresas na rede possam partilhar informação pessoal.
Tratava-se, no fundo, do prato principal do cardápio da audição de Zuckerberg, mas o criador do Facebook voltaria aqui a tirar da manga uma estratégia que foi usando ao longo das cinco horas de audição, adiando uma resposta que não o nim: “Em princípio, penso que isso faz todo o sentido e estou ansioso que a nossa equipa possa trabalhar com vocês nessa matéria”.
A senadora democrata Kamala Harris (da Califórnia, Estado-mãe do Facebook) colocou também ela uma série de questões relacionadas com esta matéria, perguntando a Zuckerberg se a sua empresa já considerara notificar os utilizadores da rede social sobre a violação de dados.
“O falhanço de Mark Zuckerberg em responder a várias questões críticas durante audiência perante o Senado deixa-me preocupada acerca do quanto o Facebook valoriza a confiança e a transparência”, lamentou mais tarde Harris no Twitter.
Mark Zuckerberg’s failure to answer several critical questions during his appearance before the Senate today leaves me concerned about how much Facebook values trust and transparency. pic.twitter.com/adTrqDkU04
— Kamala Harris (@SenKamalaHarris) 10 de abril de 2018
Resta agora saber se estas audições de Mark Zuckerberg no Capitólio poderão aliviar o peso que se abateu sobre o Facebook desde há um mês, quando veio a público a usurpação de dados pela Cambridge Analytica, em que terão sido afetados mais de 87 milhões de utilizadores desta rede social.Zuckerberg foi ainda confrontado com o problema das fake news e a compra de anúncios políticos por uma agência russa durante a eleição presidencial de 2016.
Zuckerberg assumiu a responsabilidade perante os senadores, admitindo estarem previstas medidas para evitar que as ferramentas da rede fossem mal utilizadas, mas retirou-se de campo sempre que foi confrontado com a possibilidade de apoiar o trabalho dos legisladores – que destroem a ideia de auto-regulação – em novas leis, nomeadamente o pacote Honest Ads Act.
Questionado pelo senador democrata Tom Udall sobre se “vai chegar-se à frente e ser um indiscutível defensor desta lei”, tudo o que Zuckerberg conseguiu foi: “Senador, a melhor coisa que eu acho que podemos fazer é implementá-la”.
Udall insistiu numa resposta de sim ou não e o líder do Facebook voltou a hesitar: “Vou pedir à minha equipa para que se concentre nisso”.