Na Presença do Palhaço

Um filme dentro do filme numa notável realização de mestre Bergman, que aos 80 anos continuava a ser um espantoso criador cinematográfico.

Nos anos 20 em Uppsala na Suécia o inventor Carl Akerblom, obcecado admirador de Schubert, recebe alta do hospital, onde foi paciente psiquiátrico depois de ter tentado matar a sua namorada, e decide fazer um filme revolucionário. Um filme com som ao vivo, ou seja, com atores dando voz às personagens durante a projeção, sobre os últimos anos de vida de Schubert e da sua suposta relação amorosa com uma jovem condessa. A projeção corre de forma desastrosa e são os atores que acabam por salvar a situação lendo o texto à luz das velas.

Apesar de ter afirmado não voltar a fazer cinema, Ingmar Bergman, escreveu e realizou para a televisão em 1997 ?Na Presença do Palhaço?. Trata-se de uma deliciosa peça de comédia dramática sobre um homem de meia idade, mentalmente instável, que se dedica obsessivamente a rodar um filme que julga ser uma nova forma de arte cinematográfica pela sua combinação de projeção com o som ao vivo das vozes de atores. Um filme sobre a rodagem de um filme, ao longo do qual, Bergman, vai refletindo sobre muitos dos seus temas recorrentes, nomeadamente, a morte, que surge aqui sob a forma de palhaço, a ausência de Deus, a fronteira entre a sanidade e a loucura ou as eternas relações entre o teatro e o cinema, magnificamente representadas pela desastrosa projeção. A ideia do filme foi descoberta por Bergman entre os papeis de um tio, personagem representada em ?Fanny e Alexander? e em ?As Melhores Intenções?, a cuja dimensão de evocação pessoal e familiar se deve somar o facto de toda esta deliciosa história de sonhos, obsessões e cinema se desenrolar na cidade natal de Bergman. Com quase 80 anos de vida, mestre Bergman demonstrava neste trabalho ser, ainda, um espantoso e lúcido criador cinematográfico.