Um surpreendente filme sobre o Dalai-Lama, na abordagem poética de Martin Scorsese da acidentada trajetória de um simples rapaz tibetano investido como chefe espiritual e político
No Tibete em 1937 um rapaz de 2 anos, oriundo de uma modesta família, é oficialmente reconhecido como a 14.ª reencarnação de Buda e, por consequência, será o novo Dalai-Lama. Educado para ser o chefe espiritual e político do Tibete, o Dalai-Lama, também conhecido como Kundun, assiste impotente à selvagem invasão do seu país, em 1959, pelos exércitos de Mao Zedong. A religião é banida do Tibete e o Dalai-Lama decide ficar no país e resistir ao opressor. Porém, o massacre da população leva-o ao exílio na Índia.
Martin Scorsese, assinou, em 1997, um belo e surpreendente filme sobre o Dalai-Lama. "Kundun" é, pois, um filme de rara beleza, na abordagem poética de Scorsese da acidentada trajetória de um simples garoto tibetano investido como chefe espiritual e político, e surpreendente na forma como Scorsese se recusa a recriar uma mitologia heroica ou a explorar, de forma óbvia, a odiosa invasão do Tibete pela China de Mao. A Scorsese interessa muito mais criar um verdadeiro hino de espiritualidade, humanismo e não violência, através de um fabuloso tratamento visual, emocional e onírico da vida de um homem simples e bom. Da portentosa imagem inicial da construção da "Mandala", uma complexa pintura em areia que é uma representação budista do universo, até às brutais imagens da chacina dos monges, passando pela recriação digital do Potala, o palácio do Dalai-Lama, "Kundun", é, a vários títulos um filme notável, servido por um espantoso elenco tibetano, que evoca com rara inteligência um ato de violência espiritual e política do século XX que permanece impune.