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Vítor Bento presidiu ao BES enquanto funcionário do Banco de Portugal

por Paulo Alexandre Amaral e Carlos Santos Neves, RTP
Hugo Correia, Reuters

Vítor Bento terá sido uma escolha de Carlos Costa para redefinir os destinos do BES. Esta era, contudo, uma situação que ia contra a Lei Orgânica do próprio Banco de Portugal. Pelo que, para salvaguardar a situação em termos legais, era exigido que Vítor Bento cortasse a sua ligação ao supervisor, no qual mantinha um lugar em licença sem vencimento desde 2000, quando foi presidir à SIBS. A edição desta quarta-feira do DN avança que Vítor Bento nunca deixou o Banco de Portugal, tendo reassumido funções na Rua do Comércio no início da semana. Esta é uma realidade que contraria a informação prestada em julho ao online da RTP pelo próprio Gabinete do Governador.

Desde que entrou para a presidência do BES (agora Novo Banco), Vítor Bento inspirou vários títulos de jornais, nomeadamente no que respeita às suas ligações contratuais ao Banco de Portugal; desde o processo de desvinculação do banco central, que fez manchete no jornal i a 19 de julho, ao pedido antecipado de reforma, noticiado pelo Correio da Manhã a 16 de setembro.

O ex-presidente da SIBS, do BES e do Novo Banco regressa esta quarta-feira às capas da imprensa - pela mão do Diário de Notícias. De acordo com o DN, ao contrário do que foi noticiado e garantido pelo próprio Gabinete do Governador do BdP, Vítor Bento nunca quebrou esse vínculo que mantém desde há várias décadas com o Banco de Portugal.

Esta situação configura uma clara violação do que prescreve a Lei Orgânica do Banco de Portugal, que no seu Artigo 61.º determina que, “salvo quando em representação do Banco ou dos seus trabalhadores, é vedado aos membros do conselho de administração e aos demais trabalhadores fazer parte dos corpos sociais de outra instituição de crédito, sociedade financeira ou qualquer outra entidade sujeita à supervisão do Banco ou nestas exercer quaisquer funções”.

Acrescenta a alínea 2 que, “sem prejuízo de outras incompatibilidades ou impedimentos legalmente previstos, não podem os membros do conselho de administração exercer quaisquer funções remuneradas fora do Banco, salvo o exercício de funções docentes no ensino superior”, o que pressupõe a preocupação do BdP de estabelecer uma ética de trabalho e uma separação de facto da prática pública com a prática privada. Há neste articulado o estabelecimento de balizas entre a prática do regulador e a atividade do sector privado que está sob sua supervisão.

Um limite, contudo, muito ténue, quando consideramos a actividade de Vítor Bento enquanto presidente da SIBS (entidade gestora da rede de pagamentos electrónicos), cargo que o então funcionário do BdP ocupou por 14 anos, até sair para o BES no verão passado.
Gabinete garantiu que Bento deixou o BdP
Numa troca de mails entre o dia 17 e 18 de julho, depois de o online da RTP ter interpelado o Banco de Portugal acerca da relação contratual de Vítor Bento com a instituição, o Gabinete do Governador e dos Conselhos asseverava da saída do banqueiro para presidir aos destinos do ex-BES, agora Novo Banco, no que se diz ter-se tratado de uma escolha pessoal de Carlos Costa.



No entanto, de acordo com a edição do DN de hoje, Vítor Bento não chegou nunca – apesar de o ter solicitado – a formalizar essa saída do Banco de Portugal, a cujos quadros pertence desde 1980 e ao qual, ainda segundo o DN, terá regressado já na segunda-feira para exercer funções de consultor do Conselho de Administração.Vítor Bento fere desta forma o articulado da lei que rege o Banco de Portugal, ao exercer funções na banca privada enquanto mantém uma ligação umbilical ao regulador, ainda que na altura a sua situação configurasse uma licença sem vencimento pedida em 2000 para então entrar na SIBS. Já quanto ao pedido de reforma antecipada, refere agora a imprensa, este foi de facto acionado, mas os papéis acabariam por não ser assinados, o que não levou o processo por diante.


O gabinete do Governador confirmava à RTP a 17 de julho que Vítor Bento deixou “recentemente” de pertencer aos seus quadros, situação que o impedia de exercer funções na banca privada.

Questionado pela RTP sobre a permanência do banqueiro nos quadros do BdP, o Banco de Portugal respondeu que “o vínculo contratual do Banco de Portugal com o Dr. Vítor Bento encontrava-se, de facto, suspenso (licença sem retribuição), tendo o Dr. Vítor Bento solicitado a sua cessação”.

“Esta cessação do contrato de trabalho foi recentemente aprovada pelo Conselho de Administração”, conclui o Gabinete do Governador e dos Conselhos, numa formulação que remete para uma solução apressada, uma resposta de última hora à necessidade de saída de Vítor Bento para estancar a crise no Banco Espírito Santo.

Há quase década e meia em licença sem vencimento no banco central, onde detinha em 2010 o cargo de director do Departamento de Estrangeiro, o novo homem forte do Banco Espírito Santo estava vedado ao exercício deste tipo de funções pela Lei Orgânica do regulador.
A garantia do corte desse vínculo encontra-se num último mail do Gabinete do Governador e dos Conselhos: “A solicitação do Dr. Vítor Bento é anterior à sua entrada em funções no BES. A decisão do Conselho de Administração, em razão do pedido apresentado, foi aprovada com efeitos a data anterior ao início dessas funções”.

Num esclarecimento entretanto enviado por mail à redação da RTP, a assessoria de Carlos Costa sustenta que era convicção do Conselho de Administração do Banco de Portugal que as intenções de Vítor Bento estavam relacionadas com o pedido de reforma antecipada. Direito do qual – sem que o regulador disso tenha dado conta – viria a abdicar para integrar o BES, posteriormente Novo Banco.

“Quando abandonou a SIBS para passar para a administração do BES, o Dr. Vítor Bento apresentou ao Banco de Portugal o pedido para passar à situação de reforma antecipada, o que podia fazer porque reunia os requisitos necessários para esse efeito”, começa por relatar a assessoria do governador.

“O Banco de Portugal deferiu o pedido, relevando, por um lado, o facto de o Dr. Vítor Bento reunir as condições para passar à situação de reforma antecipada e, por outro, a circunstância de passar a desempenhar funções em entidade supervisionada pelo Banco de Portugal. Note-se que a autorização para a reforma antecipada foi aprovada com a possibilidade de ser revertida, a pedido do trabalhador, caso a Assembleia Geral do BES não aprovasse a sua nomeação para Presidente Executivo daquela instituição”, continua.

“Não tendo aquele facto ocorrido, como é conhecimento público, o Dr. Vítor Bento acabou por nunca exerceu a autorização que lhe foi dada pelo Banco de Portugal para passar à situação de reforma antecipada. O exercício dessa autorização dependia da assinatura de acordo escrito, o que não aconteceu por vontade do próprio”, conclui.
Dúvidas antigas
A pertença de Vítor Bento aos quadros do Banco de Portugal já antes esteve na origem de uma polémica que estaria relacionada com a evolução de carreira no banco central por mérito – passagem de director de escalão "18A" a director "18B" - quando na verdade, nesse ano de 2007, estava destacado para outras funções, na SIBS.

Numa nota de esclarecimento de 19 de maio de 2008, o Banco de Portugal esclarecia que “o Senhor Dr. Vítor Bento tem estado há anos fora do Banco de Portugal, no desempenho de diversas funções de relevo público – Director-Geral do Tesouro e Presidente do IGCP – e mais recentemente Presidente da SIBS, esta última de grande relevância na área dos sistemas de pagamentos e do sector financeiro em geral [e] foi deliberado proceder ao reajustamento profissional do Senhor Dr. Vítor Bento na carreira interna do Banco, embora garantindo que dessa decisão não decorreriam quaisquer encargos adicionais quer para o Banco quer para o seu Fundo de Pensões”.

Em notícia de 19 de julho, também o i transcrevia a resposta recebida do banco de Portugal: “após solicitação do próprio, o conselho de administração [do Banco de Portugal] aprovou a cessação do contrato de trabalho [de Vítor Bento], com efeitos a data anterior ao início das suas funções no BES”. Idêntico no conteúdo da resposta enviada ao online da RTP.
Já “as situações patrimoniais do Banco e do seu Fundo de Pensões não foram afectadas, continuando o Senhor Dr. Vítor Bento a não ser remunerado pelo Banco, sendo assumidos pela SIBS os encargos com o reaprovisionamento do Fundo de Pensões. Qualquer evolução alternativa, envolvendo o regresso do Senhor Dr. Vítor Bento ao Banco de Portugal, implicaria maiores encargos futuros para o Banco”, esclareceu na altura o regulador.

Nesse mesmo dia, o próprio Vítor Bento faria sair um comunicado na SIBS a explicar que, “uma vez que a minha permanência na SIBS e a minha ligação ao respectivo projecto se tornaram duradouras, colocava-se-me um problema que resultava da desactualização da minha remuneração de referência para a reforma, em virtude do congelamento da minha carreira no Banco (…) Confrontados os accionistas da SIBS (…) foi entendido, em comum, que a melhor forma seria pedir ao Banco de Portugal a actualização da minha carreira nos quadros do Banco – e, por conseguinte, do salário de referência para efeitos de reforma – assumindo a SIBS os encargos decorrentes do necessário reaprovisionamento do Fundo de Pensões do Banco de Portugal”.

Conclui Vítor Bento nesse comunicado que decidira então assumir “os encargos financeiros decorrentes para o Fundo de Pensões do Banco”, mas que “os accionistas da SIBS, através da respectiva Comissão de Remunerações, decidiram assumir aqueles encargos por conta da empresa”.

A RTP procurou obter junto da assessoria de Vítor Bento uma reação em relação a estes novos dados. No entanto, sucessivos contactos nunca foram devolvidos.
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