ONU: necessária e insuficiente

A Organização das Nações Unidas é o grande fórum político-diplomático mundial, onde se determinam o presente e o futuro do planeta. Mas não foge às críticas de querer perpetuar um passado atávico, apenas conveniente a alguns.

“As Nações Unidas (ONU) foram criadas, não para guiar a Humanidade ao Paraíso, mas para a salvar do Inferno”.

A frase em itálico com que se abre este texto é atribuída a Dag Hammarskjöld, o segundo secretário-geral da ONU, desaparecido no exercício das suas funções em 1961, na Rodésia do Norte - Zâmbia, atualmente -, na sequência do despenhamento do avião em que viajava com mais 15 pessoas. As circunstâncias da morte daquele que John F. Kennedy considerou o maior estadista do séc. XX permanecem envoltas em mistério e a hipótese de assassinato continua a ser investigada.

Dag Hammarskjöld

Era fácil imaginar o inferno a que o malogrado Hammarskjöld se referia. Pouco antes, o mundo havia saído da II Grande Guerra e vivia-se um braço de ferro global iminentemente trágico, alimentado pela energia nuclear dos rancores entre os Estados Unidos da América e a União Soviética.

Parece impossível não reconhecer os benefícios que, em sete décadas, a ONU trouxe ao mundo; pela proteção da vida, dos Direitos Humanos ou do património, com isso salvando milhões de pessoas de vários infernos como o que foi descrito por Dag Hammarskjöld: a fome, a doença, a pobreza, a subjugação, a iliteracia.

Mas, apesar disso, passados 71 anos da sua formação, surgida das cinzas da Sociedade das Nações, a ONU é cada vez mais vista como um monstro burocrático e tendencioso, que age principalmente no interesse dos países mais poderosos e vai falhando na reunião de consensos que permitam resolver os mais graves assuntos do Mundo.
A ONU é um colosso

A Assembleia Geral é o órgão deliberativo das Nações Unidas. Nele, estão representados todos os Estados-membros. Emite recomendações que, em determinados casos, exigem aprovação por dois terços (assuntos de paz e segurança, orçamentais, admissão, suspensão e exclusão de membros) e, noutros, maioria simples. Apenas as decisões em matéria orçamental são vinculativas.

O Conselho de Segurança tem por principal responsabilidade a manutenção da paz e da segurança mundiais. Tem o poder de determinar a existência de uma ameaça à paz ou à segurança e de autorizar o uso da força para a combater. É composto por 15 membros: cinco com assento permanente (Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China) e dez que são eleitos pela Assembleia Geral para mandatos de dois anos, segundo critérios de rotatividade regional. Todos os 15 membros têm direito de voto, mas só os cinco permanentes podem bloquear – vetar - uma decisão. A voz do Conselho de Segurança vincula todos os Estados-membros da ONU.

O Conselho Económico e Social tem 54 membros, eleitos pela Assembleia Geral para mandatos de três anos. É a principal plataforma de debate, criação, diálogo e revisão de políticas em matérias económica, social e ambiental, sobre as quais emite recomendações e implementa objetivos acordados internacionalmente.

O Tribunal Internacional de Justiça tem por missão dirimir, de acordo com o Direito Internacional, disputas legais apresentadas pelos Estados-membros e efetuar pareceres jurídicos sobre questões que lhe são submetidas pelos vários e agências especializadas das Nações Unidas. É encabeçado por 15 juízes, eleitos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança para um mandato de nove anos.

O Secretariado é o longo braço operacional da ONU. Com dezenas de milhares de funcionários espalhados por todo o mundo, executa no terreno as ações mandatadas pela Assembleia Geral e pelos outros órgãos principais da ONU.



Opera em todo o tipo de cenários, inclusivamente em ambiente de insegurança ou até de guerra. É dirigido pelo secretário-geral, designado pela Assembleia Geral, segundo recomendação do Conselho de Segurança, para um mandato de cinco anos.

Além destes órgãos centrais, a ONU tem dezenas de agências e programas internacionais, cada qual com a sua estrutura e missão, como por exemplo o Alto Comissariado para os Refugiados, a Organização Mundial de Saúde, a UNICEF, o Programa Alimentar Mundial ou a UNESCO.

A estrutura organizativa e institucional da ONU pouco mudou desde que foi criada, após a II Guerra Mundial, e o equilíbrio de poderes refletem uma realidade de há 70 anos que pouco tem a ver com o mundo dos nossos dias.

Isso observa-se à vista desarmada no Conselho de Segurança, onde são tomadas, autorizadas ou influenciadas as decisões com maior impacto no presente e no futuro do mundo.

Os cinco membros permanentes são os vencedores da II Grande Guerra, mais a China. São apenas eles que têm o poder de veto, numa organização que representa atualmente 193 países.
A contestação
Algumas das potências em 1945 foram perdendo força no cenário internacional com o passar das décadas, como é o caso de França e do Reino Unido, enquanto outros países se tornaram atores mais importantes e ambicionam um papel que reflita essa condição – entre eles, os derrotados da II Guerra (Alemanha e Japão), mas também Índia, Brasil ou África do Sul, por exemplo, que têm vindo a subir na hierarquia internacional e consideram-se aspirantes legítimos a um assento como membro permanente do Conselho de Segurança. O direito de veto é outro instrumento largamente contestado.



Este é um assunto muito delicado: por um lado, os países com mais poder não estão dispostos a ceder parte dos seus privilégios; por outro lado, os países que querem ascender na hierarquia das Nações Unidas têm rivais que disputam o mesmo terreno.

A contestação ao atual statu quo da ONU também tem fundamentos geográficos. América do Norte e Europa têm um estatuto no Conselho de Segurança que - mais uma vez - reflete o mundo pós-guerra, mas não tanto o do séc. XXI. África e América Latina têm cada vez mais vozes a exigir uma reforma institucional que leve mais democracia e representatividade aos órgãos de topo da Organização, tornando-a mais sensível aos assuntos que não constam da lista de prioridades estratégicas dos atuais poderosos.

As guerras no Iraque e na Síria, a crise dos refugiados ou a resposta global às alterações climáticas são factos recentes frequentemente usados pelos críticos como argumento para apontar os perigos da inoperância e da ineficiência da atual estrutura diretiva das Nações Unidas, e a imperativa necessidade de reformas, especialmente no Conselho de Segurança, o principal centro de decisão. Já o dizia, por exemplo, o ex-secretário geral da ONU Kofi Annan, em 2005. Reiterou-o, em 2015, o então alto comissário para os Refugiados António Guterres, agora designado para a sucessão de Ban Ki-moon como secretário-geral.