CORAL VÉRTICE por João Carlos Callixto

18 Out 1978 - "Tia Anica de Loulé"

A música de origem popular, quase sempre de autoria colectiva e anónima, e por vezes com acrescentos líricos e melódicos fruto de sucessivas gerações que se abeiraram de uma peça, faz parte da herança cultural de um país. Não é por isso de estranhar que compositores com estudos musicais formais, em diversas geografias do planeta, tenham mostrado o seu interesse por esse legado e disso tenham dado eco na sua obra de formas mais ou menos diversas. Em gerações diferentes da nossa Música, nomes como Fernando Lopes-Graça ou Eurico Carrapatoso devolveram ao povo canções que dele vinham, complementadas agora pelo seu olhar. Ao nível dos grupos vocais, muitas foram e são as formações que juntam também reportório erudito e popular, ajudando a provar que as fronteiras entre ambos são por vezes bem mais ténues do que os prenconceitos à partida nos querem fazer crer. No “Gramofone” de hoje, marca lugar assim o Coral Vértice, um grupo formado em Lisboa em Outubro de 1974, com elementos masculinos vindos do Coro Gulbenkian e contando com direcção de Manuel Marques Aires (também elemento vocal do grupo).

Em 1978, surge no mercado o seu primeiro álbum, “Povo Canta”, que fechava precisamente com a canção tradicional algarvia “Tia Anica de Loulé”. Contando ainda com as vozes de Duarte Ferreira Rodrigues, João do Nascimento Sebastião (que tinha gravado um ano antes um single a solo com canções ligeiras portuguesas da primeira metade do século XX), António Pinho Cabral da Fonseca, João Sabino Crisóstomo, Vítor Manuel Roque Amaro, Luís Inez Fernandes, Adelino da Silva, Horácio Teodoro Martins dos Santos, Raúl dos Santos Miranda, Francisco Torres, Manuel Martins de Matos e Rebelo dos Santos, o álbum juntava canções tradicionais de todo o país, em harmonizações maioritariamente da autoria de Mário de Sampayo Ribeiro. Uma particularidade deste trabalho é ter sido uma das raras edições portuguesas do selo discográfico alemão BASF, estabelecido por cá pouco depois do 25 de Abril de 1974 e que fundamentalmente distribuiu edições estrangeiras. No entanto, para além do trabalho do Coral Vértice (que chegou a ter editado um EP de apresentação deste primeiro álbum, que abria precisamente com esta “Tia Anica de Loulé”), saíram logo em 1975 dois trabalhos na área do fado: um duplo single de Carlos Zel, com “Saudades dessa Lisboa”, e um álbum do também radialista José Freire, “Meu Fado”.

As imagens que vemos neste “Gramofone” foram captadas pelo programa “Festa da Música”, que a RTP então transmitia e que contava com apresentação de João Martins, um nome grande da rádio mas também da talevisão, onde começara uma década antes a apresentar os primeiros programas. Precisamente uma década depois deste seu primeiro álbum, o Coral Vértice edita em 1988 o segundo trabalho. “Matinas do Natal - Responsórios e Vilancicos dos Séc. XVI-XVII”, publicado pela EMI - Valentim de Carvalho, trazia música desse período mas abria no entanto com um conhecido canto gregoriano do século VII, “Puer Natus Est Nobis”. Estêvão Lopes de Morago, compositor nascido em Espanha no final do século XVI mas cuja carreira se desenvolveu maioritariamente no Portugal Filipino da primeira metade do século XVII, é o autor da maior parte das obras gravadas pelo Coral Vértice neste álbum, juntando-se-lhe ainda outras obras de compositores anónimos da época. A direcção estava agora a cargo de Victor Roque Amaro, que continuava também a integrar o grupo como cantor.

De então para cá, a actividade do Coral Vértice não tem parado, tendo participado em bandas sonoras de filmes, na programação da Expo ’98, num concerto especial em 2007 por ocasião da Presidência Portuguesa da União Europeia ou em 2009 nas Comemorações do Centenário do Comité Olímpico de Portugal.