Duran Clemente conta como caiu numa "esparrela" em 25 de Novembro

por António Louçã, António Nabo

A imagem do capitão Manuel Duran Clemente no pequeno écran foi a última que se gravou, da revolução, na memória do público. Quarenta anos depois, o hoje coronel reformado contou à RTP como foi parar, naquele dia, aos Estúdios do Lumiar.

Manuel Duran Clemente prestou serviço na 5ª Divisão do Estado-Maior das Forças Armadas durante a revolução, sendo depois colocado na Escola Prática de Administração Militar (EPAM). Aí se encontrava em 25 de Novembro de 1975, quando eclodiu a revolta dos páraquedistas.

Duran Clemente participou na ocupação da RTP, facultando a dois sargentos páraquedistas que aí divulgassem o comunicado apresentando as razões do movimento de ocupação das bases da Força Aérea.

Duran Clemente nega que a esquerda militar tivesse, para o 25 de Novembro, algum plano ou algum "chefe". Os páraquedistas desencadearam uma acção militar, sem inspiração nem perspectiva política, para resolverem um problema que tinham com o chefe de Estado-Maior da Força Aérea - um problema "entre militares".

Ao desencadearem essa acção, os páraquedistas, diz Duran Clemente , "caíram na esparrela" que lhes foi armada pelo "Grupo dos Nove". Mas Duran Clemente não deixa de considerar-se "amigo" de militares do Grupo dos Nove, com quem recorda ter feito o 25 de Abril.

A confirmar a premeditação de um confronto por parte dos "Nove", Duran Clemente lembra que, no momento decisivo, tinha ficado sem comandante na sua unidade. Viu-se assim obrigado a tomar decisões que poderiam ter queimado o comandante.

Assim, foi ele próprio a assumir a pesada responsabilidade de ocupar a RTP, cuja segurança a EPAM tinha a seu cargo. Fê-lo às 3h da tarde do dia 25, "e não às 10h, como alguém diz".

Essa decisão, considera hoje, resulta de uma falta de visão de conjunto sobre o quadro político global, de que se aproveitou o "Grupo dos Nove" para encenar uma provocação: "Havia alguém de cair na esparrela e os páraquedistas caíram, assim como eu caí, ao dar-lhes autorização para virem à televisão dizer o que é que se tinha passado".


Em simultâneo com a ocupação da RTP, deu-se o bloqueio da Alameda das Linhas de Torres por trabalhadores da "Eduardo Jorge", com veículos da empresa. E o comandante operacional da companhia enviada - Duran Clemente tinha na EPAM um cargo de "coordenador político" - tinha colocado soldados munidos de bazookas nos telhados de prédios da Alameda das Linhas de Torres.

Um oficial dos comandos que se encontrava em posição próximo do Estádio da Luz pediu-lhe explicações sobre a ocupação. Duran Clemente respondeu a esse camarada de outros tempos com uma advertência: "O melhor é não vires cá, porque eu não tenho qualquer hipótese de evitar que um soldado nervoso dê ao gatilho de uma bazooka e a chaimite fique reduzida a pó. As chaimites são carroças ..."

Mas os comandos controlavam as antenas de emissão da RTP e a emissão podia em qualquer momento ser interrompida. Dois sargentos páraquedistas puderam ainda ler o seu comunicado e Duran Clemente pôde ainda dirigir-se ao público num improviso com cerca de dez minutos.

Nos anos seguintes, foram usados várias vezes os últimos desses dez minutos  - aqueles que eram apresentados como um gag, porque a certa altura Duran Clemente já só aparece a mostrar preocupação pelos incidentes "técnicos" que estão a perturbar a emissão. Esta acabará, finalmente, por passar a ser controlada a partir do Porto. As últimas imagens do MFA dão lugar a um filme do cómico norte-americano Danny Kaye.

Embora negue a inspiração política do movimento dos páraquedistas e a sua própria participação nos acontecimentos desse dia, Duran Clemente admite: "Eu era simpatizante do PC. Já fui autarca, já fui deputado". Hoje assume estar mais afastado, principalmente por razões orgânicas, e pensando também que a política deve ser "adaptada".

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