Após o vírus, as consequências económicas. Prejuízos na China superam a crise de 2008

por Andreia Martins - RTP
Alex Plavevski - Lusa

Os dados do Gabinete de Estatísticas chinês mostram esta segunda-feira que a China registou, nos primeiros dois meses de 2020, o maior declínio de produção industrial desde que começou a haver registos, no início dos anos 90. Nas últimas 24 horas, surgiram apenas 16 novos casos na China territorial e há registo de mais 14 vítimas mortais.

Vários analistas financeiros tinham previsto que o impacto económico da pandemia poderia ter reduzido significativamente o crescimento da China, mas a contração foi ainda maior que o esperado, com uma queda entre janeiro e fevereiro foi de 13,5 por cento em comparação com o período homólogo em 2019. Este declínio representa a maior desde que começou a haver registos, no início dos anos 1990.

Na comparação anual, o investimento em ativos fixos caiu 24,5 por cento, o investimento no setor privado desceu 26,4 por cento e as vendas de retalho 20,5 por cento. Já o desemprego nas áreas urbanas subiu para 6,2 por cento.

"Os dados mais recentes são muito piores que o esperado e apontam para uma recessão ainda mais profunda do que durante a crise financeira internacional de 2008", apontou a consultora britânica Capital Economics, num relatório citado pelo Financial Times.

De acordo com a consultora britânica, o crescimento na produção de serviços caiu 13 por cento nos dois primeiros meses do ano. Em conjunto com a contração dos números da produção industrial, estes dados sugerem que o crescimento do PIB na China foi de -13% nos primeiros dois meses do ano.

"O choque real pode ser muito maior do que os números profundamente negativos de janeiro a fevereiro sugerem, porque as medidas de prevenção começaram apenas a partir de 23 de janeiro", disse Ting Lu, economista-chefe da Nomura - empresa financeira japonesa – na China.
Mao Shengyong, responsável chinês do Gabinete de Estatísticas, reconheceu que “o desenvolvimento económico nos primeiros dois meses foi afetado pelo surto de Covid-19”.

Nesta altura, os especialistas chineses expressaram surpresa perante a disponibilidade do Governo de Pequim para revelar ao mundo números tão devastadores para a economia. Ainda assim, ao revelarem os dados, os responsáveis chineses tentaram ler os números de forma positiva e relativizaram os números negros, frisando que o impacto económico do novo coronavírus será temporário.

“No entanto, olhando com uma perspetiva abrangente, o impacto da doença é de curto prazo, é externo e pode ser gerido”, frisou.

Mas se o vírus dá sinais de abrandamento na China continental, os analistas preveem que, mesmo com o regresso ao trabalho em várias fábricas, a recuperação económica no país se possa complicar à medida que o resto do mundo é atingido pelo Covid-19.

“É pouco provável que haja uma recuperação em forma de V, isto porque o vírus se está a espalhar pelo resto do mundo, o que irá ter impacto ao nível da procura nos mercados externos”, sublinhou Zhou Hao, economista do Commerzbank.

O Banco Popular da China tem adotado algumas medidas de política monetária para ajudar a estimular a economia, mas vários analistas consideram que as medidas são insuficientes.

Outros países também já começaram a preparar o impacto económico do vírus. Por exemplo, a Reserva Federal norte-americana (Fed) lançou vastas medidas de estímulo para amortecer o abrandamento económico, nomeadamente com a redução das taxas de juro, regressando aos mínimos históricos registados em dezembro de 2008, no início da crise.

No domingo, a Fed anunciou também uma injeção de 700 mil milhões de dólares (625 milhões de euros) na economia.

Já o Banco Central Europeu decidiu manter as taxas de juro, mas anunciou na semana passada um novo programa de empréstimos a longo prazo de forma a garantir maior liquidez no sistema financeiro durante a crise do Covid-19.

A instituição liderada por Christine Lagarde pretende ainda comprar 120 mil milhões de euros de dívida pública e privada suplementar até ao final do ano. As medidas adotadas têm merecido críticas por parte dos analistas e políticos de vários países da Zona Euro, que consideram que a atuação do BCE ficou muito aquém da intervenção necessária.

“O BCE está a subestimar de forma grosseira a gravidade da situação e não conseguiu explorar a sua posição como credor e fornecedor de liquidez de último recurso. É possível que haja uma redenção, mas não será fácil”, considerou Claus Vistesen, economista-chefe para a Zona Euro na consultora Pantheon Macroeconomics.
Números no resto do mundo superam China

O surto de coronavírus começou em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, província de Hubei, localizada no centro da China. Nas últimas semanas, o número de infeções na China territorial tem abrandado significativamente e a principal preocupação das autoridades chinesas é agora a importação de novos casos.

No total, a China tem agora 9.898 casos de doentes infetados com o novo coronavírus, dos quais 3.032 pacientes continuam em estado crítico, segundo os dados da Comissão de Saúde da China.

Desde o início da crise do novo coronavírus, registaram-se 80.860 casos de infeção na China, com um total de 3.213 mortos e 67.749 pacientes recuperados.

No domingo registaram-se 16 novos casos, sendo que pelo menos 12 correspondem a casos importados. Quanto às mortes, as 14 vítimas registadas no domingo ocorreram na província de Hubei, centro da epidemia, onde várias cidades foram colocadas sob quarentena.

De acordo com as estatísticas oficias de Pequim, os números de novas infeções e mortes permanecem abaixo dos 21 diariamente desde 11 de março.

Com o forte abrandamento de casos na China, o centro de todas as preocupações é agora a Europa e outros países fortemente afetados pelo novo coronavírus.

Segundo os dados da Universidade John Hopkins, há mais de 87.000 casos confirmados no resto do mundo, sem contar com o número de casos na China.

Pela primeira vez desde o início da crise, o número de casos nos vários países ultrapassa os valores registados na China continental (80.860 até esta segunda-feira). 

Também quanto ao número de mortes, há registo de mais de 3.241 vítimas mortais fora da China, enquanto que a China territorial contou até ao momento 3.208 vítimas mortais do novo coronavírus. 

Na semana passada, a Organização Mundial de Saúde reconheceu que o centro da pandemia se situava agora na Europa. Os países mais fustigados pelo novo vírus são neste momento a Itália, o Irão e Espanha.

Quanto a números globais, o surto de Covid-19 já provocou mais de 6.400 mortos, entre mais de 164 mil pessoas infetadas numa centena de países e territórios. Portugal conta já com 245 casos confirmados.
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