Covid-19. Por que razão a zaragatoa tem de ir ao fundo da fossa nasal?

por Joana Raposo Santos - RTP
Um teste por via nasal bem executado tem uma fiabilidade de entre 80 a 90 por cento. Foto: Callaghan O'Hare - Reuters

Os testes de diagnóstico à Covid-19 requerem uma colheita de células das fossas nasais realizada com uma zaragatoa. Muitos se questionam, porém, por que razão essa zaragatoa tem de ser introduzida até ao fundo dessas fossas, o que habitualmente causa algum desconforto, em vez de se realizar um simples teste à saliva.

No início deste mês, começou a circular nas redes sociais em França uma imagem com uma representação do quão fundo uma zaragatoa é inserida nas fossas nasais aquando do teste à Covid-19.

“Pergunto-me por que colocam uma zaragatoa pelo nariz até ao fundo da cabeça para recolher uma amostra do novo coronavírus, quando afirmam que uma simples gota de saliva tem o potencial de infetar uma vila inteira”, lê-se no texto que acompanha a imagem.

O Facebook já colocou, entretanto, um selo de “informações falsas” na publicação, explicando que “o vírus se aloja nas mucosas e contamina através do ar exalado”. Além disso, a saliva não é o principal veículo de transmissão.

Publicado por Patricia Gbi em Domingo, 5 de julho de 2020


O teste por via nasal com zaragatoas não é novidade, tendo já sido aplicado em larga escala durante a epidemia da gripe A e sendo habitualmente usado para o diagnóstico de outros vírus respiratórios. A principal razão para a sua utilização reside na elevada fiabilidade.

“É o melhor método”, explicou ao Le Monde o professor de virologia Laurent Andreoletti. “Embora o vírus possa ser encontrado na saliva e na garganta, a sua presença é mais comum nas células do trato respiratório. E isso permite reduzir a percentagem de falsos negativos”.

Em concreto, segundo o especialista, um teste por via nasal bem executado tem uma fiabilidade de entre 80 a 90 por cento, em comparação com os 60 a 70 por cento dos testes à saliva. Isto porque, sendo o SARS-CoV-2 um vírus respiratório, é no trato respiratório que se aloja e é lá que consegue ser detetado primeiro, antes de se desenvolver noutras partes do corpo.
A importância de tapar o nariz, e não só a boca, com a máscara
“Não sabemos exatamente quando é que o vírus chega à saliva”, elucidou por sua vez Bernard Binetruy, diretor de pesquisa no instituto francês de pesquisa biológica Inserm. “Se fizéssemos apenas testes à saliva, estaríamos a descartar as pessoas que estão ainda na fase inicial da infeção e que, por isso, não seriam detetadas com uma amostra dessas”.

É por essa razão que a frase que circula nas redes sociais é enganosa. “Uma única gota de saliva não infeta uma vila inteira, isso é completamente falso”, explicou Andreoletti. “A saliva não é um bom meio de transporte para o vírus, que prefere as células do trato respiratório. A transmissão da doença acontece principalmente através do vapor presente na respiração”.

Isso explica por que razão é recomendável usar a máscara não apenas na boca, mas também sobre o nariz, ao contrário do que muitas vezes se vê. Até porque muitas das pessoas com Covid-19 expiram mais como consequência da infeção respiratória, aumentando a probabilidade de contágio a quem as rodeia.

Ainda no início deste mês, mais de 250 cientistas enviaram uma carta aberta à Organização Mundial da Saúde (OMS) na qual voltaram a defender que o vírus pode ser transmitido pelo ar. A agência reconheceu, entretanto, que “a transmissão do vírus por via aérea não pode ser descartada”.
Amostras de sangue não seriam eficazes na deteção do vírus
Uma razão semelhante explica por que não se usam amostras de sangue para detetar o novo coronavírus. Em abril, o professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa João Gonçalves esclareceu à RTP que o vírus tem um “tropismo das vias aéreas, ou seja, precisa de células para se replicar, e as células onde se replica são maioritariamente nas vias nasais e nos pulmões”.

“Muito raramente existe uma quantidade grande de vírus em circulação no sangue”, pelo que a amostra de sangue que se recolhe numa análise não iria detetar uma quantidade de vírus suficiente para que um teste fosse conclusivo. “Por isso é que testamos no local do doente onde potencialmente existe uma maior quantidade de vírus”.

“O que nós conseguimos encontrar no sangue são os anticorpos que se desenvolvem contra o vírus” através de testes que já estão a ser realizados em vários países, incluindo Portugal.

Os resultados preliminares dos testes realizados pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) deverão ser divulgados ainda este mês, anunciou recentemente o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales.
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