Vietname continua sem mortes por Covid-19. Como?

por Joana Raposo Santos - RTP
Há mais de 40 dias que o Vietname não regista qualquer caso de infeção local. Foto: Nguyen Huy Kham - Reuters

No Vietname, onde há registo de 328 casos de infeção por Covid-19 desde o início da pandemia, não ocorreu qualquer morte em consequência da doença. As pessoas infetadas estão, aliás, quase na totalidade recuperadas: são 279 as que superaram o novo coronavírus.

Com 97 milhões de habitantes, o Vietname é um dos países asiáticos que tem merecido elogios pelo modo como lidou com o surto, à semelhança da Coreia do Sul, Taiwan ou Hong Kong. Fazendo fronteira com a China – onde a pandemia teve início – e recebendo a visita de milhões de turistas chineses a cada ano, a situação vietnamita poderia ter sido muito pior no que diz respeito ao número de casos de infeção.

O país possui, além disso, uma economia mais frágil e um sistema de saúde menos desenvolvido do que outros na Ásia. Por cada mil habitantes há apenas oito médicos, um terço dos que existem na Coreia do Sul, por exemplo.

Ainda assim, há mais de 40 dias que o Vietname não regista qualquer caso de infeção local. As medidas de distanciamento social foram levantadas no fim de abril, após três semanas de encerramento do país. Escolas e estabelecimentos estão abertos desde então e a vida dos habitantes tem regressado gradualmente à normalidade.

Tal como acontece como outros países asiáticos, nomeadamente a China, há quem também desconfie dos números apresentados pelo Vietname, suspeitando que o país esteja a omitir casos. Um especialista em doenças infeciosas escolhido pelo Governo para tratar pacientes com Covid-19 garantiu, no entanto, que os números correspondem à realidade.

“Vou às enfermarias todos os dias, conheço os casos, sei que não houve qualquer morte”, explicou à CNN Guy Thwaites. “Se existisse transmissão comunitária não reportada, então estaríamos a ver mais casos no nosso hospital ou estaríamos a receber pessoas com infeções respiratórias não diagnosticadas, e isso nunca aconteceu”.
Medidas atempadas
O aparente caso de sucesso do Vietname prende-se, de acordo com especialistas, com uma combinação de fatores: desde a resposta rápida e atempada do Governo para controlar a propagação do vírus ao rigoroso rastreamento de contactos e à obrigatoriedade inicial de quarentena, assim como uma eficaz comunicação com as populações.

O Vietname começou a preparar-se para a chegada do novo coronavírus semanas antes de o primeiro caso ter surgido nesse país. Na altura, não existiam ainda provas de que o vírus se transmitia de humano para humano, mas ainda assim o Vietname não quis correr riscos.

“Não estivemos simplesmente a aguardar pelas orientações da Organização Mundial da Saúde. Utilizámos os dados que recolhemos de dentro e fora do país e decidimos tomar medidas cedo”, elucidou à CNN Pham Quang Thai, vice-diretora do Departamento de Controlo de Infeções do Instituto Nacional de Higiene e Epidemiologia em Hanoi.

Em janeiro, pouco depois de o novo coronavírus ter sido detetado pela primeira vez na China, o Vietname estava já a efetuar o controlo de temperatura dos passageiros que chegavam de Wuhan ao aeroporto de Hanoi. Quem tivesse febre era isolado e monitorizado de perto pelas autoridades de saúde.

A 23 de janeiro, quando os dois primeiros casos surgiram no Vietname – um cidadão chinês e o seu pai, que tinha vindo de Wuhan para o visitar -, o país decidiu cancelar todos os voos de e para a cidade chinesa onde a pandemia teve início.

Dias depois, quando a OMS declarou o novo coronavírus como uma emergência de saúde pública internacional, o Governo vietnamita criou um comité para controlar o surto. A 1 de fevereiro, com apenas seis casos confirmados no país, foi declarada uma “epidemia nacional” e todos os voos entre o Vietname e a China foram suspensos.

A suspensão das ligações aéreas com outros países, como a Coreia do Sul, Irão ou Itália, foram surgindo conforme a Covid-19 se foi alastrando pelo mundo. No fim de março, o Vietname decidiu finalmente suspender a entrada de todos os cidadãos estrangeiros.
Rastreamento de contactos
O país asiático apostou ainda na quarentena para prevenir a propagação do vírus. A meados de fevereiro, uma comunidade rural de dez mil pessoas a norte de Hanoi foi colocada em isolamento por 20 dias depois de terem sido detetados sete casos de Covid-19 entre os seus habitantes.

Escolas e universidades foram ordenadas a permanecer encerradas em todo o país, medida que se prolongou até maio.

As medidas do Governo fizeram com que, durante três semanas, em fevereiro, não fosse registada qualquer nova infeção. Em março, porém, uma segunda onda de casos originada por cidadãos vietnamitas vindos do estrangeiro levou a medidas adicionais.

As autoridades viram-se então forçadas a rastrear os contactos de todas as pessoas positivas para a Covid-19 e ordenaram que esses contactos ficassem em quarentena durante duas semanas. “Temos um sistema muito forte, com 63 centros de controlo de doenças em províncias e mais de 700 em distritos, assim como mais de 11 mil centros de saúde comunitários: todos eles a fazer rastreamento de contactos”, explicou à CNN o Instituto Nacional de Higiene e Epidemiologia do Vietname.

O Governo decidiu ainda divulgar em jornais e na televisão os locais que tivessem sido frequentados por doentes com Covid-19, pedindo a todos os que lá tivessem estado na mesma data que se dirigissem às autoridades de saúde para serem testados de forma gratuita.
Comunicação eficaz com a população
Desde o início, o Governo vietnamita decidiu comunicar de forma clara com o público para o alertar para os riscos da Covid-19, criando websites, linhas de telefone e aplicações para telemóveis com o intuito de informar sobre os desenvolvimentos mais recentes da doença e fornecer conselhos médicos.

Em fevereiro, o Ministério vietnamita da Saúde lançou uma música pop para ensinar como lavar eficazmente as mãos. A canção tornou-se rapidamente viral, tendo já mais de 49 milhões de visualizações no YouTube.

De acordo com os especialistas, a população do Vietname cumpriu cuidadosamente as instruções do Governo por ter experienciado previamente epidemias como a da SARS e a da gripe A, algo que também terá contribuído para que as autoridades do país estivessem melhor preparadas para enfrentar a Covid-19.

“A população [do Vietname] respeita mais as doenças infeciosas do que muitos países onde essas doenças não foram tão observadas, como na Europa, no Reino Unido ou nos Estados Unidos”, considerou o especialista Guy Thwaites. “O país percebe que estas coisas têm de ser levadas a sério e cumpre com as orientações do Governo”, acrescentou.
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