Do azul do lápis da censura ao vermelho dos cravos, várias são as cores com as quais hoje se pinta a liberdade numa parede do Mercado de Leiria, para perpetuar uma das conquistas da Revolução do 25 de Abril.
A iniciativa junta pessoas que viveram em ditadura e que há 50 anos viram a revolução atravessar-lhe a juventude, e jovens que agora assinalam o 50.º aniversário de diversas conquistas, da liberdade.
"Só quem perdeu a liberdade uma vez, é que sabe o que é que isso custa", disse à agência Lusa José Peixoto, de 66 anos, um dos pintores do mural, citando o ex-governador civil de Coimbra Fernando Valle.
José Peixoto recordou os tempos prévios à revolução, ele que se preparava para "dar o salto", de forma a fugir à tropa e à guerra colonial, reconhecendo que "pintar a liberdade é significativo".
"Vi o que era e vejo agora. Esta liberdade não pode ser perdida mesmo que já se tenha tudo como garantido", declarou.
Sofia, de 16 anos, aluna da Escola Básica e Secundária Henrique Sommer, da Maceira, salientou a necessidade de se refletir sobre a liberdade, para não se voltar "aos tempos de antigamente, em que as pessoas não se podiam expressar".
"Este mural vai estar aqui para todo o sempre. Pode ser observado e refletir-se sobre este tema", apontou.
O projeto, denominado "Conta-me Histórias", é desenvolvido pelo Centro Artístico A Casa do Lado, que atua na área da intervenção artística comunitária, em associação com a Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril e com o Município de Leiria.
Joana Brito que, com Ricardo Miranda, fundou o centro artístico, referiu que a lógica do projeto é "haver dois grupos, jovens à data do 25 de Abril de 1974 e jovens da atualidade".
Começou com conversas nas quais se abordou como era a vida em ditadura e a vida atual, continuando com oficinas artísticas.
"Do que se tirou dessas conversas, foram criadas imagens gráficas para o mural", explicou Joana Brito, adiantando que o que se destacou foi o "silêncio, o não se poder falar, a falta de liberdade de expressão", retratado na parede com cravos azuis, numa alusão ao designado lápis azul, símbolo da censura.
A pintura do mural, que termina na quinta-feira, prossegue com jovens que ouvem a História e não devem esquecer, culminando com a mensagem de que têm de "continuar a gritar e a cantar pela defesa da liberdade, seja ela qual for", afirmou Joana Brito.
Esta responsável destacou a intergeracionalidade do projeto, que vai ser replicado para já em mais quatro cidades portuguesas e três no estrangeiro (duas em França e uma no Uruguai, sempre ligadas à comunidade portuguesa), com o foco na comemoração dos 50 anos da "Revolução dos Cravos".
O coordenador do programa de Leiria das comemorações desta efeméride, Acácio de Sousa, que estava na guerra colonial em Angola há 50 anos, destacou que esta "era a arte pictórica de rua mais significativa dos alvores da democracia" e é uma expressão do "sentimento popular".
No caso do mural na cidade de Leiria, Acácio de Sousa assinalou, em particular, "a conjugação etária nos interesses por esta celebração, além da conjugação da pluralidade de pensamento político", esclarecendo que os partidos com assento na Assembleia Municipal indicaram pessoas para darem cor e forma ao projeto, que inclui alunos de escolas do concelho, no total de 15 pessoas.
"Não se poder ser livre, não haver liberdade de expressão, isso faz pensar que na atualidade se tem tudo", relatou André, de 16 anos, da Escola Básica e Secundária Rainha Santa Isabel, na Carreira, admitindo: "Não imaginamos o que as pessoas passaram".
Maria Augusta Macedo, de 79 anos, deixou uma mensagem para a nova geração: "Liberdade é responsabilidade. Se a responsabilidade faltar, caímos numa anarquia que nos faz, outra vez, chamar pelos tempos que queremos esquecer".
O mural alusivo aos 50 anos do 25 de Abril, junto à Rotunda do Estádio, vai ser inaugurado às 17:00 de sexta-feira.