A ascensão do cinema mexicano em Hollywood

Pelo segundo ano consecutivo, a indústria do cinema com origem no México esteve em destaque na noite dos Óscares. O realizador Alejandro González Iñárritu é apenas um dos nomes desta vaga elogiada mas também bastante criticada a nível interno.

Andreia Martins, RTP /
Alejandro González Iñárritu levou para casa os Óscares de Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Fotografia e Melhor Argumento. Foto: Lucy Nicholson/Reuters

Se a noite de Óscares mereceu duras críticas e acusações pela ausência de nomeações de atores e realizadores negros, um outro grupo considerado “minoritário” dominou por completo a 87ª cerimónia de entrega dos prémios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas: “Birdman”, do mexicano Iñarritu, levou para casa algumas das distinções mais desejadas, incluindo os de Melhor Filme e Melhor Realizador.

No discurso da vitória, Iñárritu agradeceu aos “compatriotas mexicanos” e aproveitou para pedir “mais respeito e dignidade” para os imigrantes do país que procuram um futuro melhor nos Estados Unidos. 

A sátira ao mundo do cinema e espetáculo oscarizada no passado domingo acontece um ano depois de Alfonso Cuaron, realizador de “Gravity” ter arrecadado o Óscar de Melhor Realizador.

Emmanuel Lubezko, diretor de fotografia dos dois filmes, viu o seu trabalho reconhecido por duas vezes, tendo arrecadado pelo segundo ano consecutivo o Óscar de Melhor Fotografia.

Guillermo del Toro e Rodrigo Prieto são outros dois nomes mexicanos que começam a ganhar relevo em Hollywood, envolvidos em filmes como Argo ou O Lobo de Wallstreet.

Uma nova tendência que o argumentista mexicano Maurício Katz, indicado para os Óscares de 2012, considera positiva: “Sejamos honestos, um filme de Hollywood é um filme universal visto em todo o mundo. Consegue chegar a mais pessoas, o que é positivo. Este é um momento muito empolgante para o cinema mexicano”.

O correspondente da revista britânica The Economist no México brincou com os estereótipos e parabenizou os vencedores:

“Fuga de Cérebros”
A nível interno, este reconhecimento internacional não é tão elogiado. Carlos Bonfil, crítico de cinema num diário mexicano, diz que as distinções consecutivas “colocam o dedo na ferida” porque expõe uma realizada negativa: “Para serem vistos, os realizadores mexicanos têm de ir para fora. Há uma fuga de cérebros.”

Para o especialista do jornal La Jornada, esta tendência mexicana dos Óscares é tudo menos um sinal positivo: “Se pensássemos nesta tendência como positiva – que para sermos vistos, temos de nos conformar à hegemonia de Hollywood – essa seria uma mensagem deprimente para os realizadores mexicanos que continuam a trabalhar no nosso país”.

Jose Felipe Coria Coral, diretor do Centro Universitario de Estudios Cinematográficos (onde Lubezki e Cuaron estudaram antes de viajarem para Hollywood), junta-se às vozes céticas: “O sucesso destes realizadores não significa muito para o cinema mexicano. Estamos a criar talentos que são obrigados a emigrar para produzirem os seus filmes.” Até porque um filme com o orçamento “Birdman” teria sido impossível de realizar entre fronteiras, acrescenta o especialista.
Nova era de ouro
Antes do amplo reconhecimento internacional, já os especialistas do cinema mexicano falavam de uma “nova era” na indústria cinematográfica do país.

O resultado de geração que estudou e cresceu em conjunto no fim dos anos 80. O crítico de cinema Arturo Aguilar destaca a lufada de ar fresco que esta vaga de talentos trouxe ao panorama mediático: “Não havia variedade de filmes. A indústria estava completamente dominada por telenovelas e filmes baratos. Mas esta geração começou a produzir filmes interessantes, dramas com técnicas inovadoras de storytelling”.

No mesmo sentido, o correspondente do The Hollywood Reporter no México, John Hecht elogia uma nova era dourada do cinema: “Todos eles correm riscos. Testam os limites da tecnologia, da fotografia, os limites da narrativa”.

Lauren Villagran escrevia no ano passado numa coluna de opinião que o ponto de viragem para o “renascimento” do cinema mexicano teria sido mesmo o drama “Amores perros” (2000) realizado por Iñárritu – nomeado para os Óscar de Melhor Filme Estrangeiro e vencedor de um prémio do júri de Cannes.

No apresentação à imprensa do primeiro sucesso, era o próprio realizador a desabafar: “O México não tem indústria cinematográfica. Estamos muito atrás. Mas temos uma vantagem sobre os outros países – a qualidade das pessoas”.
“Os Estados Unidos podem produzir 300 ou 400 filmes por ano, enquanto que o México pode produzir apenas 12. Mas desses 12, seis são intensos e exploram questões humanas. Em Hollywood, talvez quatro consigam preencher essa função” - Alejandro González Iñárritu (2000).
Depois do primeiro sucesso, os filmes 21 Grams e Babel consolidaram a carreira do realizador e valeram-lhe a distinção de Melhor Realizador em Cannes e sete indicações para os Óscares. Filmes realizados com orçamentos muito reduzidos mas que revolucionaram a cena cinematográfica do país.

Outro sucesso incontornável para o cinema mexicano é o filme Y tu mamá también” (2001), realizado por Alfonso Cuarón, até ao ano passado o maior sucesso de bilheteira de um filme caseiro no México. A película lançou Cuarón a nível internacional, e o realizador tornar-se-ia no primeiro mexicano a vencer o Óscar de Melhor Realizador, em 2014.

O sucessivo reconhecimento do início do milénio não passaram despercebidos ao governo mexicano, que veio investindo cada vez mais no cinema, nomeadamente uma lei aprovada em 2007 que criou um plano de fundos para financiar todos os filmes em que a equipa envolvida fosse constituída por mais de 70 por cento de mexicanos. 

Para além do financiamento, outra grande dificuldade com que o cinema mexicano se depara é a resistência do próprio consumo interno: de acordo com a distribuidora CanaCine, apenas sete por cento dos filmes vistos nos cinemas em 2011 foram produzidos no México.

Uma preferência pelos blockbusters internacionais que parece mais esbatida nos dados de 2013, com dois filmes de origem mexicana a entrarem no top dos 10 filmes mais vistos, com destaque para “No se aceptan devoluciones”, de Eugenio Derbez, um trabalho que conheceu grande sucesso também fora de fronteiras. Só nos Estados Unidos rendeu cerca de 44 milhões de dólares e é até hoje o filme em castelhano mais lucrativo de sempre.
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