A Biblioteca Cosmos e a importância do conhecimento para o exercício da cidadania

por Lusa

A Biblioteca Cosmos foi criada em 1941, sob a direção do matemático, pedagogo e investigador Bento de Jesus Caraça, com o objetivo de promover "uma mentalidade livre", pelo acesso ao conhecimento, através da ciência, da cultura e da arte.

Ao longo de sete anos, até à morte do fundador, em 1948, a Biblioteca Cosmos - de que a recém-criada Associação Bento de Jesus Caraça quer discutir a atualidade -, mobilizou autores como Abel Salazar, André Cresson, Francisco Keil do Amaral, Fernando Lopes-Graça, Irene Lisboa, Luiz de Freitas Branco e Manuel Mendes, entre muitos outros, além do próprio investigador.

A Biblioteca somou 114 obras, em perto de 150 volumes, atingindo uma tiragem global de quase 800 mil exemplares, numa média de 6.960 por título, a preços que oscilaram entre os `vinte e cinco tostões` e os cinco escudos - menos de dois cêntimos atuais, por unidade.

Para Bento de Jesus Caraça, a Biblioteca impunha-se como um "serviço aos leitores e, através deles, a uma causa", pela qual a luta perdurava "há muitos anos: a criação de uma mentalidade livre e de tonalidade científica, entre os cidadãos portugueses".

A Biblioteca Cosmos surgiu em 1941, durante II Guerra Mundial, antes da entrada dos Estados Unidos da América no conflito, quando a Alemanha de Hitler ainda assumia uma posição dominante, bombardeava diariamente o Reino Unido com os aviões da Luftwaffe, e abria a chamada Frente Leste, ao lançar a invasão da antiga União Soviética.

"Quando acabar a tarefa dos que descem das nuvens a despejar explosivos, começará outra -- a dos homens que paciente e conscientemente, procurarão organizar-se de tal modo que não seja mais possível a obra destruidora", escrevia Bento de Jesus Caraça, na apresentação da Biblioteca Cosmos.

"Então, com o estabelecimento de novas relações e de novas estruturas, o homem achar-se-á no centro da sociedade (...) com outros direitos, outras responsabilidades. É toda uma vida nova a construir, dominada por um humanismo novo (...). E quando falamos num humanismo novo, entendemos como um dos seus constituintes essenciais este elemento de valorização", o conhecimento -- um elemento que leve cada pessoa a sentir a cultura como um bem comum e que, por ela, "participe no conjunto de valores coletivos que há de levar à criação da Cidade Nova".

Para o seu fundador, a Biblioteca Cosmos tinha por objetivo "ser uma pequena pedra desse edifício luminoso (...) por construir". Há "que dar ao homem uma visão otimista de si próprio", defendia. "O homem desiludido e pessimista é um ser inerte sujeito a todas as renúncias, a todas as derrotas - e derrotas só existem aquelas que se aceitam".

Dividida em secções como "Ciências e Técnicas", "Artes e Letras", "Filosofia e Religiões", "Povos e Civilizações", "Biografias", "Epopeias Humanas" e "Problemas do Nosso Tempo", a Biblioteca Cosmos abordou temas que iam da Educação à Psicologia e à Psicanálise, da Matemática e da Cosmografia, à Genética e à Sexualidade, da Natureza -- numa perspetiva ambiental pioneira -, à Saúde e à Alimentação, sem esquecer a Cultura, da História às Artes Plásticas, da Música e da Filosofia e da Religião, à Literatura.

Entre os primeiros volumes estavam títulos tão diferentes como "A Crise da Europa", de Abel Salazar, "O Problema do Cancro", do Instituto Português de Oncologia, "Bases da Alimentação Racional", "Pequena História da Poesia Portuguesa", a "Atividade Dramática de Gil Vicente e a `Farsa de Inês Pereira`", assim como a edição comentada de "Prometeu Agrilhoado", de Ésquilo.

Uma das obras-chave de Bento de Jesus Caraça, "Conceitos Fundamentais da Matemática", foi também um dos títulos iniciais da Biblioteca.

A estes juntar-se-iam depois textos de Irene Lisboa ("Modernas Tendências da Educação"), Fernando Lopes-Graça ("Introdução à Música Moderna", "Bases Teóricas da Música"), Luiz de Freitas Branco ("História Popular da Música", "A Vida de Beethoven"), entre muitos outros, e o debate de temas emergentes na década de 1940, como o "Quadro Económico do Mundo", quando o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial tomavam forma, e a "Fiscalização da Energia Atómica", depois da destruição de Nagasaki e Hiroshima.

Era "um conjunto de conhecimentos que ao `homem-comum`, ao `homem-da-rua`, são indispensáveis, para adquirir aquela maneira científica de olhar as coisas, sem a qual será sempre deficiente o exercício da cidadania", escreveu Bento de Jesus Caraça.

Entre as atividades anunciadas pela recém-criada Associação Bento de Jesus Caraça, está prevista a realização de um colóquio, no próximo outono, sobre o projeto da Biblioteca Cosmos e a sua atualidade.

A associação, formada por um núcleo de quase 100 pessoas, parte delas pertencentes ao meio académico, tem o objetivo de divulgar o pensamento do autor de "A Cultura Integral do Indivíduo", por entender que "é importante para a revitalização da sociedade portuguesa".

A associação tem um site (www.associacaobentodejesuscaraca.pt), onde qualquer pessoa se pode tornar sócio.

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