Ciclo sobre dança portuguesa vai revisitar coreografias e partilhar "arquivos negligenciados"

por Lusa

Um programa sobre a Nova Dança Portuguesa vai revisitar 15 coreografias emblemáticas do século XX a partir de 30 de outubro, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e partilhar uma investigação que encontrou "arquivos esquecidos e negligenciados".

Intitulado "Dança não dança. Arqueologias da Nova Dança em Portugal", a edição deste ciclo prolongar-se-á até 04 de fevereiro de 2024 com espetáculos remontados, filmes, conversas e conferências, prevendo-se para os próximos dois anos a realização de uma exposição e o lançamento de um livro, segundo a organização.

Com a curadoria de João dos Santos Martins, Ana Bigotte Vieira, Carlos Manuel Oliveira e Ana Dinger, o ciclo organiza-se em dez sessões, e vai mostrar diferentes manifestações de dança que refletem e marcaram o século XX e o início do século XXI, procurando situar o que se chamou, nos anos 1990, Nova Dança Portuguesa (NDP).

Contactada pela agência Lusa sobre este ciclo, Ana Bigotte Vieira, uma das curadoras, sublinhou que o objetivo central é tentar compreender a NDP e "a forma como espelhou a história do próprio país, no seu caminho da modernização".

"Vamos partilhar 15 peças [de dança e performance] que achamos extraordinárias porque levantam problemas que ainda hoje estão presentes na História da Dança em Portugal, relacionados com as questões da relação do corpo com a modernização do país ou com a liberdade", apontou, sobre o programa previsto, que inclui também conversas e filmes.

Entre os coreógrafos representados -- e convidados a participar em conversas e debates -- estão Francisco Camacho, Olga Roriz, Vera Mantero e João Fiadeiro, nomes emblemáticos deste período da dança em Portugal.

"Quisemos envolver uma comunidade muito alargada de gente da dança relacionada com o nosso trabalho, porque pensamos que há problemas na transmissão de repertório e na transmissão da própria História de Portugal", justificou a investigadora à Lusa.

No processo de pesquisa, os curadores recolheram testemunhos, artigos de jornais, entrevistas e documentos de arquivo em instituições públicas e privadas, e também diversos espólios pessoais de criadores.

Durante uma procura "praticamente arqueológica", os investigadores descobriram muito material desconhecido ou esquecido: "Os arquivos da dança e de artes performativas em Portugal estão num estado lastimável, têm sido muitíssimo negligenciados", concluíram.

"Encontrámos material guardado em sacos de lixo, outros que nunca tinham sido abertos", disse Ana Bigotte Vieira, referindo que alguns devem ter provavelmente desaparecido quando os artistas se mudavam de instalações.

Carlos Manuel Oliveira, outro dos quatro curadores do ciclo contactado pela Lusa, reitera aquela constatação: "Há caixotes e caixotes por abrir, museus sem espólios tratados. As instituições em Portugal não têm recursos para cuidar deles, nem para os tornar acessíveis ao público", lamentou o investigador.

"O património das artes performativas em Portugal está muito descurado, mas o seu valor documental é muito importante porque permite conhecer a história das artes e do país, cuja ignorância é problemática", avaliou.

Neste contexto, o projeto visa também "incentivar as instituições a tratar deste património desconhecido e esquecido, numa ativação da memória da dança ligada à história do país", acrescentou Carlos Manuel Oliveira.

Outro dos propósitos do programa é partilhar a investigação -- que vai dar origem a uma exposição e a um livro até 2025 - não apenas com a comunidade da dança, mas também com o público em geral, "para promover uma literacia da dança e uma revisitação da História do país ao longo do século XX".

"Escavámos para trazer as coisas à tona, para que possa servir de prática, de exemplo e referência, e que possa chegar a mais público, de várias gerações", salientou, sobre um ciclo que junta ainda nomes como Luís Guerra, Sofia Neuparth, Marlene Monteiro Freitas e Diana Niepce.

Este trabalho de investigação - que traz ao ciclo obras em estreia ou revisitação de peças que já não se encontram em circulação - também "poderá contestar lugares comuns e ideias feitas, através de perspetivas renovadas, e de uma renovação da memória da História da Dança e da sua relação com a História do país", considera.

Com o "Dança não Dança", o grupo de curadores diz ter conseguido fazer "uma mobilização coletiva de artistas e instituições", num trabalho que atravessa um século, recuperando a dança como prática artística e teatral do seu tempo, que possa agora servir de prática, exemplo, referência, como património imaterial".

Além dos artistas, o ciclo conta com a colaboração da Companhia Nacional de Bailado, a Escola de Dança do Conservatório Nacional, a Escola Superior de Dança e a Escola Superior de Teatro e Cinema.

"Dança não Dança. Arqueologias da nova dança em Portugal" resulta de uma pesquisa iniciada em 2016, no âmbito do projeto "Para Uma Timeline a Haver -- genealogias da dança como prática artística em Portugal".

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