Cultura
Deus e vinho. Novos frescos em Pompeia narram ritual de iniciação dionisíaca
O Parque Arqueológico de Pompeia revelou esta semana mais um conjunto de frescos raros dedicados a rituais antigos associados aos mistérios de Dionísio, deus grego do vinho, no mundo clássico. Estas pinturas com grandes figuras decoram três paredes de um salão onde se serviriam banquetes.
Escavada durante o ano de 2023 e 2024, a ínsulae X da Regio IX (habitação n.º10 do bairro 9) da cidade de Pompeia veio revelar um fresco raro, datado entre os anos 40 e 30 antes de Cristo, que descreve alguns ritos dedicados ao deus do vinho e das festas do panteão grego.
Conhecidos como os Mistérios de Dionísio, estes rituais de iniciação com celebrações religiosas secretas contemplavam pedidos de "iluminação espiritual e possivelmente uma vida abençoada após a morte" ao deus grego.
Os mistérios dionisíacos caracterizavam-se sobretudo por serem cultos que contradiziam e ultrapassavam a ordem social e humana convencional.
Neste caso, as devotas ao deus do delírio embarcariam numa viagem onde “o lado selvagem e indomável da mulher revela-se. Ou seja, "a mulher que abandona seus filhos, a casa e a cidade, que sai da ordem masculina, para dançar livre, ir caçar e comer carne crua nas montanhas e na floresta”, seguindo o rumo oposto à mulher bonita que simboliza a deusa do amor e formosura, Venús, explica o o diretor do Parque Arqueológico de Pompeia, Gabriel Zuchtriegel.
"Ser caçador ou presa?"
O novo friso encontrado acrescenta outro tema à imaginação dos rituais iniciáticos de Dionísio: a caça. Este fresco, ou “megalografia” (do grego “grande pintura”), ilustra as “seguidoras de Dionísio, ou bacantes, como dançarinas e caçadoras ferozes” numa escala correspondente a quase tamanho real.
Abrange três paredes de um salão de banquetes e representa "imagens vívidas dos ritos de iniciação de seguidores dionisíacos em estados de êxtase ritualístico, dança e caça", assemelhando-se aos frescos da vizinha Villa dos Mistérios que foram descobertos há 100 anos.
Algumas destas personagens - as bacantes - ora carregam um bode abatido nos ombros ora seguram uma espada e as entranhas de outro animal entre as mãos.
O friso da “procissão" de Dionísio também retrata “jovens sátiros com orelhas pontudas a tocar flauta dupla, enquanto um outro faz um sacrifício de vinho (libade) em estilo acrobático, a verter a bebida por cima dos ombros”, descrevem os investigadores do Parque.
Fresco retrata mulher em ritual de iniciação | Parque Arqueológico de Pompeia
No centro da composição está "uma mulher, elegantemente vestida, junto a um velho sileno que empunha uma tocha: é uma iniciante" dizem os arqueólogos. Ou seja, é uma mulher mortal que, "através de um ritual noturno, está prestes a ser iniciada e a conhecer os mistérios de Dionísio, o deus que morre e renasce, prometendo aos seus seguidores também essa qualidade" .
Um friso superior retrata animais vivos e sacrificados, incluindo um javali recém-estripado, galos e peixes.
Os arqueólogos alegam que “essa justaposição ressaltou a natureza dupla do culto dionisíaco, combinando a folia com o sacrifício primitivo”.
Os arqueólogos alegam que “essa justaposição ressaltou a natureza dupla do culto dionisíaco, combinando a folia com o sacrifício primitivo”.
Em excelente estado de conservação, este fresco retrata peixes pendurados, um cervo abatido e eviscerado, e por abaixo encontra-se uma cesta de junco com conchas do mar a sairem: vieiras, trufas do mar, lingueirão | Parque Arqueológico de Pompeia
“O que vemos é de facto uma cena de iniciação aos mistérios de Dionísio. Na Antiguidade, existiam vários cultos de mistério, não só em relação a Dionísio, mas também a Deméter e Ísis”, explica.
Os investigadores do Parque Arqueológico destacam ainda "um detalhe curioso que consiste no fato de que todas as figuras do friso são representadas em pedestais, como se fossem estátuas, embora ao mesmo tempo as expressões, a pele e o aparente movimento das roupas fazem com que pareçam muito animadas".
Figura feminina seguidora do culto dionisíaco | Parque Arqueológico de Pompeia
Casa de Tiaso
Os arqueólogos batizaram a habitação com o friso como “a Casa de Tiaso”, como referência à comitiva embriagada de Dionísio, onde o termo tiaso representa o séquito que acompanhava o deus do vinho.
O friso descoberto em Pompeia é atribuível ao II Estilo da Pintura Pompeiana, que remonta ao século I a.C.. "Mais precisamente, o friso pode ser datado do 40-30 a.C. Isso significa que, no momento da erupção do Vesúvio, que enterrou Pompeia em 79 d.C. sob cinzas, o fresco de Dionísio já tinha cerca de um século de idade", argumentam os arqueólogos.
O friso descoberto em Pompeia é atribuível ao II Estilo da Pintura Pompeiana, que remonta ao século I a.C.. "Mais precisamente, o friso pode ser datado do 40-30 a.C. Isso significa que, no momento da erupção do Vesúvio, que enterrou Pompeia em 79 d.C. sob cinzas, o fresco de Dionísio já tinha cerca de um século de idade", argumentam os arqueólogos.
Já o pavimento não ficou preservado no sítio. "Do chão maravilhoso desse ambiente, apenas sobrou a faixa lateral em mosaico, e alguns vestígios de azulejos pretos antigos".
Do “tapete” central, exceto três peças de mármore - um de brecha verde e dois de amarelo antigo - permaneceram, o resto foi completamente saqueado. Muito provavelmente foi retirado no século XVIII e terão ido parar a grandes edifícios Bourbon da época, especialmente nos palácios de Portici, Capodimonte e Caserta", explica o diretor do Parque.
Salão decorado apresenta o ciclo de pinturas com grandes figuras, que gira em torno de três lados. O quarto seria aberto para área de jardim | Parque Arqueológico de Pompeia
O parque arqueológico dedicado à cidade de Pompeia, no sul de Itália, perto de Nápoles, cobre aproximadamente 66 hectares.
Já foram escavados cerca de 44 hectares. As mais recentes intervenções arqueológicas centram-se em na zona conhecida como Regio IX, e começaram no início de 2023.
Até agora, esta área do Regio IX já revelou mais de 50 dependências, e algumas delas também com frescos como tema mitologia grega, como o Salão Negro de uma habitação vizinha onde figuram frescos bem preservados inspirados na Guerra de Tróia.
Esta habitação do número X do bairro IX retrata mais uma página da história romana de Pompeia que ficou conservada há dois mil anos.
Fresco a representar jovens sátiros com orelhas pontudas a tocar flauta dupla | Parque Arqueológico de Pompeia
"É um documento histórico excecional e, juntamente com o da Villa dei Misteri, constituem provas inigualáveis desta espécie, fazendo de Pompeia um testemunho extraordinário de um aspecto da vida do classicismo mediterrâneo em grande parte desconhecido", rematam os arqueólogos.
Sobre as escavações no sítio arqueológio, Gabriel Zuchtriegel coassinou o primeiro estudo aprofundado da Casa de Tiaso: Lo sguardo della baccante. La nuova megalografia di II Stile a tema dionisiaco nella casa del Tiaso (IX 10 3) a Pompei.