Pompeia. Revelados frescos de há dois mil anos com episódios da mitologia grega

por Carla Quirino - RTP
Fresco que retrata cena onde o deus Apolo tenta seduzir a sacerdotisa Cassandra Parque Arqueológico de Pompeia

A intervenção arqueológica na habitação romana número X, da área IX, em Pompeia, revelou uma grande residência com uma sala de paredes pretas que apresenta frescos do século I depois de Cristo, com cenas inspiradas na mítica Guerra de Tróia da Grécia Antiga. A escavação também resgatou das cinzas vulcânicas do Vesúvio vários corpos de pessoas que terão ficado presas com o colapso da habitação e incêndio provocado pela erupção do ano 79 depois de Cristo, perto de Nápoles, em Itália.

A Via di Nola do Parque Arqueológico de Pompeia tem acrescentado muitas novidades à história de Pompeia, cidade romana que viu a vida repentinamente parar quando a erupção do Vesúvio ocorreu no século I d.C., mergulhando-a em cinzas.

A escavação na área ao redor da Via de Nola teve uma primeira e breve fase em 1888. Porém, a investigação foi retomada em fevereiro de 2023. Os últimos resultados foram divulgados na quinta-feira.


Sala em escavação do edifício X | Parque Arqueológico de Pompeia

Os trabalhos arqueológicos na área IX do parque arqueológico destaparam dois edifícios com átrio, que identificaram como habitação X. As casa datam do período samnita (séc. VII – III a.C.), mas foram transformadas no século I d.C. em oficinas, acabando por ser a última fase da vida do complexo. Estaria em plena laboração no dia que o vulção explodiu.

Os arqueólogos encontraram vestígios de uma lavandaria no átrio de uma das casas, com bancos de trabalho e banheiras para lavar roupa, bem como estruturas de uma padaria com forno, e ainda espaços para pedras de moinho e salas para processamento de alimentos, provavelmente, para serem distribuídos por toda a cidade.

É na padaria que os únicos esqueletos da escavação foram descobertos. Nessa área estavam os restos mortais de três vítimas da erupção do Vesúvio, devido ao colapso do andar acima e telhado. 

Os primeiros dados das investigações antropológicas indicam que eram dois adultos, provavelmente mulheres com base em análises primárias realizadas no local, e uma criança de aproximadamente três a quatro anos de idade. Estavam soterrados entre fragmentos do teto e misturados com lapilli branco, elemento característico das primeiras fases da erupção de 79. Poderiam ser escravos que ficaram encurralados, supõem os arqueólogos.
Regio IX, Ínsula X com cenas mitológicas da Grécia Antiga

As escavações na casa romana número X (ínsula - um tipo de habitação existente na Antiga Roma), da área IX (Regio IX,  um dos nove distritos em que o Parque Arqueológico de Pompeia é dividido), revelaram o Salão Negro onde figuram frescos bem preservados inspirados na Guerra de Tróia.


Sala Preta com frescos inspirados na Guerra de Troia | Parque Arqueológico de Pompeia

As figuras gregas míticas estão representadas em paredes pretas altas numa grande sala, onde se serviriam banquetes. Os frescos retratam cenas dos deuses da Grécia Clássica.

De um lado da sala está Cassandra, filha de Príamo, frente a Apolo. Na cena, o deus Apolo tenta seduzir a sacerdotisa Cassandra, filha dos reis de Troia, que o rejeita. Segundo o mito, uma das profecias de Cassandra era de que a Guerra de Tróia iria eclodir em breve. Apolo, ao ser rejeitado, sabotou o poder da sacerdotisa e fazendo com que ninguém acreditasse nela.

Na parede oposta estão Helena e Páris, indicados numa inscrição grega entre as duas figuras com o seu outro nome, "Alexandros". A cena representaria as vésperas do rapto de Helena por Páris, cujo romance proíbido iria desencadear a guerra entre gregos e troianos.

 Páris sequestra Helena leva-a para Troia | Parque Arqueológico de Pompeia 

As paredes eram pretas para evitar ver-se o fumo das chamas das lucernas nas paredes. Aqui os cidadãos romanos se reuniam para banquetear após o pôr do sol", argumenta o diretor do Parque Arqueológico de Pompeia, Gabriel Zuchtriegel. 

"A luz cintilante das lucernas faria com que as imagens parecessem mover-se, especialmente depois de alguns copos de vinho", descreve Zuchtriegel lembrando que "os pares míticos dos frescos instigariam a conversar sobre o passado".

A Sala Preta apresenta um pavimento de mosaico policromático, quase completo, que incorpora mais de um milhão de pequenas peças cúbicas (tesselas) de pedra branca.


Decoração do mosaico da Sala Preta | Parque Arqueológico de Pompeia

De acordo com os investigadores, "a largura do espaço, a presença de frescos e mosaicos de reconhecida qualidade, testemunha o padrão de vida elevado do dono da casa, que apreciaria o tema "heróis e divindades da Guerra de Tróia".

A sala de estar mede aproximadamente 15 metros de comprimento por seis de largura e abre-se para um pátio que parece ser uma área de serviço, ao ar livre, com uma longa escada que leva ao primeiro andar, sem decoração.

Átrio entre edificios | Parque Arqueológico de Pompeia

Debaixo dos arcos da escadaria foi encontrada de lado uma enorme acumulação de materiais de construção, sugerindo que a casa estaria em remodelação.

Entre ferramentas de trabalho, tijolos amontoados e pilhas de cal, apareceu um peso de chumbo ainda com um pedaço de corda que serviria como fio de prumo para construir paredes com rigor vertical.

Materiais de construção, como telhas (tégulas) | Parque Arqueológico de Pompeia

A parede amarela ao fundo no átrio, por de trás dos materiais de construção, revela mais um fresco com a pintura mitológica de “Aquiles em Sciros”. Aquiles, herói grego, disfarçou-se de menina na corte do rei de Sciros, apaixonando-se por uma das princesas. Acabou por casar com ela antes de partir para a Guerra de Tróia.


Fresco com “Aquiles em Sciro" | Parque Arqueológico de Pompeia

Alessandro Russo, um dos arqueólogo na escavação explica como recuperou um fresco do teto de um quarto: "Foi esmagado durante a erupção, e agora os fraguementos recuperados foram dispostas, como um puzle, numa mesa grande".

Depois de pulverizar os pedaços de gesso com água, os detalhes e as cores vivas sobressairam. Consegue-se ver paisagens com carateres egípcios, alimentos e flores e algumas máscaras teatrais.

“Esta é a minha descoberta favorita nesta escavação porque é complexa e rara. É de alta qualidade para um indivíduo de alto status”, argumentou.


Fresco de teto |  Parque Arqueológico de Pompeia
Aulo Rustius Verus
No conjunto dos últimos achados das duas casas que estariam ligadas uma à outra pois ao longo da propriedade aparecem nas paredes e até mesmo nas pedras de moinho da padaria numerosas inscrições com as iniciais "ARV".

Os investigadores colocam a hipotes de que identidade deste indivíduo poderá ser um político com posses.

“Sabemos quem é o ARV: ele é Aulo Rustius Verus”, explicou a arqueóloga do parque, Sophie Hay. "Nós conhecemo-lo de outra inscrição de propaganda política em Pompeia. Ele é um político e super-rico. Achamos que poderá ser o único proprietário da casa elegante atrás da padaria e da lavandaria", sublinha Hay.
 
A intervenção arqueológica junto à ínsula X da Regio IX faz parte de um projeto mais amplo para melhorar o sistema hidrogeológico entre o perímetro da zona já escavada e por escavar.


Localização da Via di Nola, Regio IX | Parque Arqueológico de Pompeia

Falta, pelo menos, escavar um terço da cidade de Pompeia e resgatá-la das cinzas do Vesúvio.

O diretor-geral dos Museus, Massimo Osanna, destaca que os trabalhos arqueológicos na Regio IX deram a conhecer "pinturas novas e inéditas, novos dados sobre o enorme povoado que era Pompeia na época da erupção e novas descobertas sobre a economia".

"Demonstra por isso, que uma escavação bem feita na cidade vesuviana pode continuar a aumentar o conhecimento de um dos lugares mais importantes que chegaram até nós desde a antiguidade", remata.
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