Encontro mundial de historiadores em Lisboa recusa uso populista da história

por Lusa

Duas centenas e meia de historiadores dos cinco continentes abordam em Lisboa o desafio da historiografia num tempo em que a polarização e os populismos tentam transformar a visão da história para justificar ações atuais.

"Os extremismos não podem justificar alterações da visão crítica da história", afirmou hoje à Lusa a historiadora norte-americana Joan Scott, uma das convidadas do encontro "Fazer história em tempos de exigências políticas conflituosas", que debate o papel da historiografia nos tempos atuais.

A especialista em história das mulheres criticou o uso político atual da disciplina que está a contaminar a opinião pública, com visões deturpadas da realidade.

"Deve ser a análise crítica, que é sempre interpretativa, a olhar o passado. Mas esse olhar será sempre afetado pela visão de cada um" e "não há uma verdade absoluta" sobre a história de um país, explicou.

O encontro, que teve hoje início e dura toda a semana, junta 250 investigadores e historiadores para debater os desafios da historiografia, num contexto de desinformação e de novos protagonistas que deturpam o passado e recuperam mitos.

Exemplo disso são os monumentos antigos, construídos em contextos diferentes, explicou Hans Ruin, da universidade de Södertörn (Suécia), que hoje são vistos com outro olhar.

"Não podemos dizer que não precisamos de monumentos", mas é necessário que essas construções datadas sejam agora contextualizadas e explicadas, porque cada obra é "produto do seu tempo" e, "nem sempre envelhecem bem" com os valores da sociedade contemporânea.

"Os historiadores têm de ser mais ativos neste espaço" público, admitiu Ruin.

Noutro painel, Wouter Reggers, da Universidade de Lovaine (Bélgica) explicou que o passado colonial ainda assombra o seu país, pelo que se passou no Congo. Mas, apesar disso, "temos de assumir a responsabilidade pelo passado" e, no caso belga, são as "gerações mais novas que estão mais empenhadas em discutir e ver o que é possível para compensar" os traumas da história.

"Tem de haver um sentido de responsabilidade do presente perante a história" e é "também a isso que os historiadores devem responder", explicou.

No caso português, a polémica recente sobre a proposta de reparações feita pelo Presidente da República às ex-colónias levou mesmo a uma proposta de destituição do chefe de Estado, algo inédito na democracia recente.

Cristophe Araújo, da universidade de Nanterre, Paris, elogia a "ousadia e atrevimento" de Marcelo Rebelo de Sousa e recordou que esse é um debate que é feito em todos os países europeus que foram potências coloniais.

"É preciso termos capacidade de debater os problemas, o impacto que a nossa história tem no nosso presente", disse o investigador, que abordou, no colóquio a forma como a historiografia portuguesa no século XX foi condicionada pela propaganda do Estado Novo e como alguns historiadores da oposição procuraram estudar outros temas, que desconstruíssem esses mitos.

"Havia um imaginário imperial de uma boa colonização que durou muito tempo", reconheceu Cristophe Araújo.

Para o diretor do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa e um dos organizadores do colóquio, Luís Trindade, o encontro visa discutir como a academia aborda a investigação história.

"Estamos em tempos desafiantes que temos de gerir", porque os historiadores são "também escrutinados" pela opinião pública e por agentes políticos sobre os assuntos e o modo como investigam.

"Discutir diferentes abordagens e ter uma visão crítica é a nossa obrigação e este encontro ajuda nesse sentido", explicou.

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