Há 4900 anos no Tholos de Montelirio. Quinze mulheres com trajes revestidos a 270 mil contas

por Carla Quirino - RTP
Detalhe de contas amarradas no traje David W. Wheatley

É o maior conjunto de contas alguma vez documentado num espaço funerário arqueológico. No túmulo coletivo conhecido por Tholos de Montelirio, em Espanha, foram encontradas mais de 270 mil contas perfuradas produzidas maioritariamente a partir de vieiras e berbigões. Os arqueólogos acreditam que estas pequeninas peças foram enfiadas para fazer vestes para o ritual de sepultamento de há 4900 anos. Nos últimos resultados da investigação foram confirmados ainda 20 enterramentos dos quais pelo menos 15 são mulheres.

O Tholos de Montelirio, em Valencina de la Concepción, perto de Sevilha, é um sítio arqueológico integrado numa área de 450 hectares que abriga um complexo megalítico no sul de Espanha, construído durante o terceiro milénio antes de Cristo.

O espaço foi utilizado pelas comunidades durante aproximadamente 200 anos como área funerária onde foram encontrados restos humanos e artefatos datados entre 2875 a.C. e 2635 a.C.

Descoberto pela primeira vez em 1868, o Tholos de Montelirio esteve abandonado até 1980, momento em que começou a ser verdadeiramente estudado e desde então não tem parado de surpreender.

( A ) Processo de escavação de um dos indivíduos( B ) Detalhe das contas roscadas ( C ) Detalhe das contas roscadas no traje próximo aos ossos ( D ) Detalhe da bolota de marfim integrada ao tecido do traje | Fotos - A. Acedo García

Os mais recentes resultados de uma investigação interdisciplinar reportam a confirmação de mais de 270 mil contas produzidas em conchas para serem utilizadas em vestes. Paralelamente foram também identificados 20 indivíduos sepultados, dos quais, pelo menos 15 são do sexo feminino, os restantes não se consegui apurar, explicam os arqueólogos num artigo publicado na Science Advances.
O número colossal de 270 mil contas "discoidais"

A equipa de arqueólogos, historiadores e especialistas em Pré-história filiados a várias universidades por toda a Espanha confirmou a existência do maior conjunto de contas utilizadas num sepultamento conhecido até hoje.

Os investigadores explicam que estes pequenos discos pertenceriam a “trajes de contas” e os “indivíduos que os usavam eram principalmente mulheres”.

Distribuição dos trajes dentro do Tholos de Montelirio |Desenho: M. Luciañez Triviño e Á. Fernández Flores

O conjunto de contas foram encontrados na câmara funerária a envolver os restos humanos. Pela disposição dos materiais, os trajes foram interpretados como “túnicas de corpo inteiro, saias e roupas de formato indeterminado. A escavação envolveu um processo meticuloso pelo qual os trajes foram individualizados e, em alguns casos, consolidados in situ”.

Um dos blocos foi levado para o Museu Arqueológico de Sevilha e pode ser visto num modelo 3D.

Para melhor análise e concluir a estimativa da quantidade das pequenas peças de cinco milímetros, foram pesadas 11,3 kg de contas, depois de limpas, apontando “um número geral mais preciso para o conjunto total de Montelirio, entre 13 e 15 kg”, diz o estudo.

As análises feitas à matéria-prima das “contas perfuradas discoidais” revelaram que foram produzidas maioritariamente a partir de conchas de bivalves, ora da família da vieira (Pectinidae) ora de berbigão (Cardiidae). Foram ainda encontradas algumas contas de pedra como a da imagem F que mostra uma conta de xisto cloritoide | Fotos - DWW
Tempo de trabalho: 11 minutos por conta vezes 270 mil

Os investigadores observaram que fazer um número tão grande de contas deveria representar um grande investimento de tempo e mão-de-obra. Por isso proposeram-se a reproduzir as técicas recorrendo à Arqueologia experimental.
 
Desta forma, os arqueólogos estimaram que 270 mil contas, levaria 247.500 horas para fazer todas as contas encontradas em Montelirio. 

"No entanto, deve-se presumir que os artesãos que fizeram as contas na Idade do Cobre eram muito mais habilidosos no trabalho do que os arqueólogos modernos. Portanto, se o tempo médio for dividido por cinco, o tempo médio resultante para fazer uma conta seria de 11 minutos, o que resultaria em 49.500 horas para a produção de todo o conjunto", reporta o estudo.

Também foi feita uma estimativa para o número total de conchas necessárias para produzir todo o conjunto: "para as 270 mil contas seriam necessárias 18 mil conchas".
Papel das mulheres
A investigação também apurou que a datação por radiocarbono das contas, aproximando a produção em massa, do momento da morte dos indivíduos.

Abre então a possibilidade para se interpretar que as contas foram feitas pouco antes da morte dos seus utilizadores, “reforçando a ideia de que essas vestimentas foram projetadas especificamente para rituais funerários” nesta comunidade da Idade do Cobre.

Estes dados são também indicadores de que o papel destas mulheres seria fundamental na esfera política e religiosa.

A análise a esta área funerária permite aos arqueólogos fazerem uma leitura sobre as comunidades que habitavam em Valencina há cinco mil anos. Perante a presença destes testemunhos materiais pode assumir-se que perto existiria um centro nevrálgico de trocas, produção artesanal e rituais.

Neste contexto, "a tecelagem aparece como uma atividade tecnológica e económica em expansão" nesta fase pré-histórica.

"Qualquer um desses dois cenários é consistente com a crescente evidência sugerindo um surto bastante “explosivo” de complexidade social inicial em Valencina no período c. 2900–2650 a.C. Isso reflete-se na implantação de uma ampla gama de artesanatos altamente especializados, envolvendo artefatos suntuosos feitos de ouro, marfim, cristal de rocha, âmbar, sílex, milonita e conchas marinhas, pelas elites locais".

O uso colossal de contas feitas de conchas sugere ainda uma ligação com o mar e seriam utilizadas como símbolo de prestígio.

"Os têxteis suntuosos, repeletos de conchas, devem ter desempenhado um papel na ostentação e exibição de autoridade e poder, como parte da parafernália associada às elites emergentes". Assim, tal como no III Milénio como atualmente, "todo o traje é uma expressão de identidade".

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