Marcus Veiga é Scúru Fitchádu e diz na Womex que"se querem funaná, é na esquina ao lado"

por Lusa

Quando Marcus Veiga sobe a palco, é Scúru Fitchádu. O funaná está "na esquina ao lado", mas espreita sempre, com o punk, o metal e até o hip hop, que ficou para trás.

Filho de mãe angolana e pai cabo-verdiano, cresceu no Bombarral, onde as referências musicais eram o metal, o punk e o grunge. Com cerca de 16 anos, mudou-se para Almada, onde o hip hop era rei.

"Acabei por trazer essas duas coisas, e depois foi muito fácil para mim fazer uma incursão no movimento do hip hop, que basicamente era escrever e aprimorar a forma como se dizia as coisas, em cima de uma base instrumental", conta Marcus Veiga, em entrevista à agência Lusa, quando passa pela Womex - Worldwide Music Expo, a decorrer no Porto, até domingo.

Nesse registo, foi Sette Sujidade, mas acabaria por se sentir aprisionado naquele género, onde, na época "era proibido falar de coisas" como "a homossexualidade", e estava impregnado de "machismo, uma cena super tóxica".

"No hip hop `mainstream`, no que eu ouvia, muito ligado às ruas, havia muitas regras. Não podias exprimir-te de uma maneira mais intimista, mais introspetiva, tinha de ser sempre tu e os teus a remar contra alguma coisa. Depois o machismo... era tudo muito `posing`, à frente do espelho -- e sei disso porque também tive a cena do ensaiar as poses para ir para uma festa de hip hop. Acordas e estás mal com todo o mundo. Essas coisas começaram a fazer com que me desinteressasse um bocadinho e achasse um pouco redutor para a arte que queria fazer", conta.

Considera que "o hip hop já não é uma `tribozinha` na esquina, hoje é o novo rock", mas o salto estava dado e, depois de abandonar aquele mundo, não olhou mais para trás.

"A dada altura, estava num trabalho mesmo cinzento, era um robô numa fábrica, e houve a oportunidade de tirar um curso de gestão e produção musical".

Depois de vários anos a trabalhar nessa área, onde ainda trabalha, aliás, voltou a fazer música, em 2016, desta vez como Scúru Fitchádu.

O funaná, que tinha estado sempre lá como pano de fundo, agora assume-se como objeto de trabalho, mas o que faz "é um cruzamento de várias coisas".

"A música africana vem da parte familiar. Nem gostava muito, mas, nos finais dos [anos de] 1990, começo a gostar um bocadinho mais, a tentar perceber porquê, e afinal as composições feitas por um velhinho à hora de almoço em Cabo Verde no meio do mato até têm ali uma linguagem muito forte, uma métrica quase... que tem muito a ver com o rap, e também é punk pela forma como é feita".

Marcus homenageia esse estilo, mas sempre com cuidado de não cair "na cena da apropriação violenta".

"Para mim, vão ouvir Scúru Fitchádu. Se querem funaná, é na esquina ao lado, e vou lá com vocês. (...) Tem de haver este respeito, se não começa a haver aqui um sequestro, mesmo. Recuso-me a fazer parte disso. Agora é tudo tão estético, tão usado como uma máscara, que se usa e se tira".

Exemplo disso, é o do tema "Batuka", de Madonna, em que "a oportunidade que [a cantora] deu às batucadeiras foi fenomenal, mas, fora dessa narrativa tropicalista, desse paternalismo, as batucadeiras deram mais à Madonna do que o contrário", considera.

Essa é uma questão que o preocupa também no trabalho que faz, e que nem sempre é bem recebido pela comunidade cabo-verdiana.

"Não vou dizer `quero lá saber`. Porque não, por um lado procuras sempre aprovação dos mais velhos, da tua própria comunidade (...). Se eu sou uma ponte, para mim é uma vitória", afirma.

Mas a aceitação nem sempre é fácil, até porque "o som com destruição, mais agressivo, nunca foi muito abordado pelas grandes massas em Cabo Verde. Há uma pequena comunidade que sim, ouvia, ou estava um pouco mais ligada ao rock de Seattle, e aí já percebem. Para mim, é uma missão cumprida que seja entendido o que está a ser feito e por que está a ser feito".

O que está a ser feito é música que parte do funaná e o transforma noutra coisa, mais pesada, com uma atitude `punk`, mas sempre com dança no corpo.

E a ponte chega também numa "linguagem muito própria" em que tenta "estabelecer paralelismos também entre as lutas anticoloniais da guerrilha africana para a situação urbana, para este quadro urbano em que nos situamos".

"Não posso dizer que represento a luta porque não, não vivi. A nossa luta agora é esta".

Scúru Fitchádu lançou um EP homónimo, em 2016. O primeiro álbum, "Una Kuza Runhu", chegou em 2020, e há já outro na forja, que deve ver a luz do dia no próximo ano.

Com o novo trabalho, procura projeção internacional, algo que pretende alcançar também com a sua passagem pelo Womex, no Porto, que decorre até domingo.

No âmbito da feira internacional de música, leva ao Coliseu do Porto, já este sábado, algum material novo.

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