Memórias de Aquilino Ribeiro estão guardadas na casa onde terá escrito algumas das suas 70 obras, na aldeia de Soutosa, Moimenta da Beira, tendo como "guardiã" a sua nora Maria Josefa de Campos.
A idosa, de 86 anos, luta por manter vivo o projecto do seu marido, o juiz conselheiro Aníbal Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro, nascido em 1914 do primeiro casamento do escritor com a alemã Grete Tiedemann, que em 1988 criou uma fundação dedicada ao pai naquela casa.
"O meu marido, que faleceu vai fazer dez anos (em 1999), quis instituir a fundação para que as pessoas pudessem conhecer o espaço onde o pai escreveu alguns dos seus livros", contou à Agência Lusa Maria Josefa, que preside à fundação.
Satisfeita pelo reconhecimento que a Assembleia da República deu a Aquilino Ribeiro, promovendo a transladação dos seus restos mortais para o panteão nacional, no dia 19, só lamenta que o marido não esteja vivo para assistir.
"Sinto uma grande satisfação por isso acontecer. Este reconhecimento não devia ser só agora, mas ainda vai a tempo", afirmou.
Maria Josefa viveu até ao ano 2000 naquela casa, que pertenceu ao pai de Aquilino Ribeiro (Joaquim Francisco Ribeiro) e que depois foi segundo lar do próprio escritor, que a ele regressava nos meses de Verão, mas a falta de condições levou-a a encontrar outra residência.
A casa é, no entanto, visitada com frequência por grupos de escolas de todo o país e turistas portugueses, que podem percorrer os seus vários espaços, nomeadamente a sala do rés-do-chão com uma janela virada para o pátio, onde ainda se mantém a secretária do "Mestre Aquilino".
No primeiro andar, várias salas estão recheadas com estantes de primeiras edições dos livros de Aquilino Ribeiro e vitrinas onde estão expostos, através de postais e fotografias, "pedaços" da vida do escritor, com destaque para o período partilhado com Grete Tiedemann.
Aquilino Ribeiro apaixonou-se por Grete Tiedemann quando frequentava a Faculdade de Letras da Sorbonne, tendo depois ido viver temporariamente para a Alemanha, onde fora conhecer a família da namorada.
Na casa de Soutosa está também a Biblioteca de Aquilino Ribeiro, com mais de oito mil volumes, mas que de momento não é possível visitar.
A Fundação publicou, há dois anos, o Catálogo da Biblioteca de Aquilino Ribeiro, organizando as obras por ordem de autores e títulos, mas Maria Josefa admitiu que aquele espaço "ainda não está em condições".
Disse ainda à Lusa ter lido todas as obras de Aquilino, escolhendo como a favorita "Quando os lobos uivam" (1958), um incómodo romance contra o regime que se tornou objecto raro entre os portugueses depois de ter sido apreendido.
Apesar de o romance "A Casa Grande de Romarigães" (1957) ser considerado por especialistas a obra-prima de Aquilino Ribeiro, a idosa desvaloriza a importância do local que o inspirou na vida do escritor.
"Não existe casa grande nenhuma, existe uma pequena casa que nós visitámos duas vezes e estava em muito mau estado. Ele (Aquilino Ribeiro) passou lá as férias um ano e voltou para Soutosa. Soutosa é que era o seu lugar preferido, onde vinha sempre", garantiu.
As primeiras recordações que Maria Josefa tem daquele que viria a ser seu sogro são da altura em que "o via no Chiado, na Bertrand".
Ficaram-lhe também gravados na memória episódios das boas relações que o seu marido tinha com o pai.
"O meu marido gostava imensamente dele, tanto que, quando íamos em viagem para fora, ia sempre ler o `Le Monde` para ver se vinha alguma notícia sobre o pai", contou.