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Morreu o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado

por Andreia Martins - RTP
O fotógrafo Sebastião Salgado em 2015. Foto: Pedro A. Pina - RTP

A informação foi confirmada pelo Instituto Terra, organização não-governamental que Sebastião Salgado fundou com a mulher, Lélia Salgado. Foi um dos maiores nomes da fotografia mundial nas últimas décadas e destacou-se por mostrar a beleza natural e recôndita do planeta, mas também a desgraça e miséria humanas. Tinha 81 anos.

Numa publicação nas redes sociais, o Instituto Terra destaca que Sebastião Salgado "foi muito mais do que um dos maiores fotógrafos" do nosso tempo.

Ao lado da companheira, Lélia Salgado, "semeou esperança onde havia devastação e fez florescer a ideia de que a restauração ambiental é também um gesto profundo de amor pela humanidade". 

A sua lente "revelou o mundo e suas contradições" e a sua vida "o poder da ação transformadora", destaca o Instituto Terra.
Da economia para a fotografia
Sebastião Salgado nasceu em Aimorés, Minas Gerais, no Brasil, a 8 de fevereiro de 1944, no coração da Mata Atlântica a que dedicaria várias décadas da sua vida.

Desde cedo esteve ligado a movimentos políticos e sociais contra a ditadura militar no Brasil. Estudante de economia e com uma carreira promissora à sua frente, Sebastião Salgado acabou por conhecer e explorar a paixão pela fotografia durante o exílio, em Paris, a partir dos anos 60.

Depois de algumas viagens a África como economista, Sebastião Salgado abandonou por completo a carreira para a qual estudara e foi aprendendo a transformar a máquina fotográfica numa extensão de si próprio.

Colaborou com jornais e revistas e apurou o traço pessoal que tornam as suas fotografias características e inconfundíveis. Nos anos 70 iniciou um dos seus primeiros grandes trabalhos fotográficos que o levou de volta à América Latina.

Em "Outras Américas" (1977-1984), Sebastião Salgado conviveu de perto com comunidades rurais isoladas e captou a vida de indígenas em realidades esquecidas.

Seguiu-se depois "Sahel - O fim do caminho" (1984-1986), em que trabalhou de perto com os Médicos Sem Fronteiras na Etiópia e no Sudão e depois "Workers" (1981-1991), em homenagem aos homens e mulheres que mudam o mundo com o trabalho manual. 
Da desesperança a "Génesis"

Na década de 90, a Guerra do Golfo acaba por marcar o trabalho de Sebastião Salgado, com icónicas fotografias de incêndios em poços de petróleo. De seguida, em "Êxodos" (1993-1999), o fotógrafo retratou o fenómeno da migração em mais de 30 países do mundo. 

Destaque para as imagens recolhidas em selvas remotas com hutus em fuga perante a repressão e massacre étnico, no Ruanda.

Em 1997, é publicada a obra "Terra", com prefácio de José Saramago. São dezenas de fotografias a preto e branco sobre os "desterrados do Brasil", em concreto do Movimento Sem Terra e de um massacre durante uma manifestação no Pará, um ano antes.

"Sebastião Salgado veio aqui para me pedir que escreva umas páginas para o livro. Assim farei, embora de antemão saiba que, diante do que acabei de ver, todas as palavras sobram, todas são de mais. Ou de menos", escrevia o autor português nos Cadernos de Lanzarote IV, numa entrada com a data de julho de 1996.

Ora, depois de testemunhar o pior da espécie humana, Sebastião Salgado mergulhou numa crise profunda de descrença.

“Tinha perdido toda a fé na humanidade”, confessou Salgado em várias ocasiões.

No final do século, por entre o desalento, Sebastião Salgado e Lélia Salgado iniciaram um trabalho de recuperação de um terreno familiar que tinham herdado e que tinha sido vítima da desflorestação, esgotado e sem vida.

O projeto de plantar de raiz uma pujante floresta de Mata Atlântica acabaria por ocupar o casal nos anos seguintes e deu também origem à Instituto Terra, uma organização não-governamental de defesa do ambiente que dinamizou ao lado da mulher.

Ao ver que a floresta se restabelecia ao fim de alguns anos de cuidado, um outro projeto floresceu: Génesis, uma "carta de amor à Terra" em que Sebastião Salgado se dedicou a fotografar paisagens e ecossistemas intocados pelo homem. Procurando os locais mais isolados do mundo, Salgado quis mostrar a beleza e imponência da natureza, mas também a sua fragilidade.

Destaque também para o documentário, Sal da Terra (2014), realizado por Wim Wenders e Juliano Salgado, filho de Sebastião Salgado, e que percorre a carreira do fotógrafo.

O fotógrafo foi membro das agências Sygma, Gamma e Magnum, tendo fundado também a Amazonas Images.
"Um dos maiores e melhores"

O presidente brasileiro, Lula da Silva, lamentou esta sexta-feira a morte de Sebastião Salgado. “Se não o maior, um dos maiores e melhores fotógrafos que o mundo já produziu”, destacou.

Em Portugal, a ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, lamentou a morte do fotógrafo e lembrou o "importantíssimo legado" na área da Fotografia.

"Com um percurso mundialmente reconhecido, Sebastião Salgado, através das imagens que nos legou, registadas a preto e branco, deixou um importante contributo no campo artístico, no fotojornalismo e na área documental", afirmou em comunicado.

Alfredo Cunha, um dos mais conhecidos e premiados fotógrafos portugueses, conheceu Sebastião Salgado nos anos 70, quando o fotógrafo brasileiro colaborava para o jornal O Século.

Esta sexta-feira é inaugurada em Almada a exposição "Venham mais cinco - O olhar estrangeiro sobre a Revolução Portuguesa", que conta com fotografias de Sebastião Salgado no período que viveu em Portugal. Viveu dois anos em Portugal após o 25 de Abril e foi em Portugal que nasceu o primeiro filho de Sebastião e Lélia, contra o fotógrafo português.

Alfredo Cunha destaca o lado “humanista” que Sebastião Salgado trazia à fotografia, com uma vertente “ecológica” que se revelou mais tarde.

“Acho que morre uma parte muito importante do fotojornalismo contemporâneo”, sublinha em declaração à RTP.

Questionado sobre a opção de Salgado em fotografar sempre a preto e branco, Alfredo Cunha sublinha que a imagem monocromática “remete para a forma” e que o fotógrafo brasileiro considerava a cor como “ruído”.
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