Morreu o Nobel da Literatura Günter Grass

O alemão Günter Grass, Prémio Nobel da Literatura em 1999, morreu esta segunda-feira aos 87 anos. O escritor estava numa clínica de Lübeck, no norte da Alemanha.

Andreia Martins, RTP /
Foto: Sven Hoppe, EPA

A obra O Tambor, publicada em 1959, valeu-lhe notoriedade internacional e tornou-se um clássico da literatura. Faz a crítica social e dos costumes da sociedade alemã, antes e depois da II Guerra Mundial.

Grass nasceu em Gdansk, na província de Danzig (que atualmente pertence à Polónia), a 16 de outubro de 1927. Integrou as Walfen-SS na fase final da II Grande Guerra e chegou mesmo a estar detido pelas tropas Aliadas. Em 1956, lança os primeiros livros de poesia e frequenta um curso de Artes Gráficas e Escultura em Düsseldorf.

Grass venceu o Prémio Nobel da Literatura em 1999, sucedendo a José Saramago, laureado no ano anterior.

Sobre o alemão, o Prémio Nobel português reagiu com perplexidade aquando das revelações, mas saiu em sua defesa numa entrevista então publicada no El Pais: "Ele tinha 17 anos. E o resto da vida não conta? Parece-me uma reacção hipócrita, de muita gente que não consulta a sua própria consciência."
O Tambor pertence à "triologia Danzig", que conta ainda com os livros O Gato e o Rato (1961) e Anos de Cão (1965).

Em 2002 publicou o livro A Passo de Caranguejo, com a narração de um naufrágio polémico no tempo da II Guerra Mundial, A revista francesa Lire destacava uma obra  que colocava em causa "o silêncio e as dificuldades, no plano moral e narrativo" dos refugiados alemães nos territórios de Leste.

Em 2005, já depois de ser laureado pela Academia Sueca, a polémica em que Grass sempre esteve envolto atinge o auge. Na autobiografia A Passo de Caranguejo, o escritor de nacionalidade alemã admite a integração nas forças Waffen-SS, o braço direito militarizado de Adolf Hitler, aos 17 anos.

No entanto, o escritor garantia que “nunca havia disparado um tiro”, nem tão pouco tinha participado formalmente nas Forças Armadas do III Reich.

Para além da prosa, o escritor dedicou-se também à poesia, teatro, artes gráficas e plásticas. Günter Grass colaborou recentemente como ilustrador do livro inédito de José Saramago "Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas" (Porto Editora), publicado em 2014.
Descascar a cebola do passado
"Quando é importunada com perguntas, a recordação assemelha-se a uma cebola, que quer ser descascada, para que possa vir à luz aquilo que é legível, letra a letra: raramente de forma unívoca, muitas vezes como escrita em espelho." É esta a sinopse do controverso Descascando a Cebola (2006), obra autobiográfica em que o escritor germânico desfolha a adolescência obscura.

Pela primeira vez, Günter Grass admite ter participado numa das ramificações das SS de Adolf Hitler, numa obra onde tenta explicar ao mundo e compreender as suas próprias ações. É a exploração do passado e das memórias, na redescoberta de um jovem "que hoje me é estranho", questionando o próprio comportamento "em determinadas situações".

As revelações feitas 60 anos depois valeram-lhe duras críticas, desde logo pela demora em assumir publicamente o passado. Acusações que o escritor desde logo acolheu: "Aquilo que aceitei com o estúpido orgulho dos meus anos de juventude, tentei depois da guerra, movido por uma crescente vergonha, ocultar perante mim próprio".O poema publicado em "O que deve ser dito" (2012), que criticava a atuação de Israel quanto à questão palestiniana e o armamento nuclear do Irão, onde acusava o Estado judaico de "ameaçar a paz mundial" valeu-lhe o título de "persona non grata" no país.

Por altura dos 80 anos do escritor, o antigo Presidente alemão Horst Köhler reconhecia-lhe o papel fulcral para o surgimento “de uma opinião pública crítica na Alemanha”. Também Angela Merkel enfatizava o papel do escritor na vida política alemã, que sempre ajudou “a polemizar e a advertir”.

Além do Nobel, Günter recebeu os prémios Georg Büchner (1965), o mais importante da literatura alemã, um prémio da Sociedade Real de Literatura (1993) e mais recentemente uma distinção pelo Príncipe das Astúrias (1999).
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