Mulheres que contam. Carmen Garcia

por Silvia Alves - RTP

Carmen Garcia apresenta-se como "mãe, mulher, enfermeira e quase sempre cansada."

Mas antes de tudo isso, é uma pessoa que mantém bem presentes as vivências dos pais e avós. A pobreza, a miséria, a fome, a guerra colonial, na qual o pai participou.

A família paterna já veio fugida de Espanha, dos anos da guerra civil no regime de Franco - fugiram de uma guerra e, depois, viram o neto mais novo, o pai de Carmen, ser enviado para outra, que nem era a guerra dele, e que ele nunca compreendeu.
 
30 meses de Moçambique deixaram-no marcado, com tremores. Carmen diz “eu sempre soube desde pequenina que era um tremor que vinha da guerra, que vinha de Moçambique”.

Os avós maternos, ambos analfabetos, ficaram marcados pela miséria “que se entranha na pele, como se a pobreza fizesse parte deles”. Miséria, fome e medo. “A minha avó vivia no pânico permanente de o meu avô ser apanhado, porque o meu avô ouvia rádio, uma rádio censurada, numa telefonia pequenina debaixo da almofada, à noite, muito baixinho, e aquilo eram momentos de pânico para a minha avó, sempre. A minha avó viveu com medo e morreu com medo.”
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Da mãe diz que “teve tanta pena de ter trabalhado tão cedo e de não ter podido estudar o que queria, que agarrou muito aquela missão de vamos educar-te para conheceres o mundo e o mundo conhece-se é nos livros”. E, por isso, Carmen foi literalmente soterrada em livros. Lê-los e, hoje em dia, escrevê-los é um prazer que mantém.

“Porque a maternidade é difícil. E as mães precisam de rir”, criou o blog a mãe imperfeita, onde trata as coisas pelo nome, sem falsos pudores. Assumiu-se como mãe imperfeita no dia em que, tendo visto no Instagram um vídeo de um casal à mesa com 4 filhos pequenos, todos vestidos de igual, a comerem com uma correcção inacreditável, apanhou o seu filho a comer um macaco do nariz. E concluiu que “isto é uma metáfora da minha vida”. O blog conta, entretanto, com quase 200 mil seguidores.
Em ‘A última solidão’, reflecte a sua experiência como enfermeira em lares de idosos – histórias para rir e chorar – revolta-a a perda de respeito pela geração mais velha, recusa que se tratem os velhos como criancinhas, e denuncia que muitas famílias usam os lares como um depósito.
 
Sendo alentejana de gema, sabe bem que o país está dividido entre litoral e interior. Na sua atual vida profissional, dedica-se ao projecto ALICE, que utiliza a inteligência artificial para monitorizar idosos que vivem em lares, ou sozinhos. A sede tecnológica da empresa é em Évora.

“Há um estudo feito aqui na nossa região, que nos dá alguns indicadores interessantes. Por exemplo, nós sabemos que a média de idades das pessoas que residem no lar aqui é de 86,6 anos, portanto, muito mais alta do que era há 10 ou 15 anos. Sabemos que só 7.3% das pessoas é que chega às instituições sem ter pelo menos um défice, e que quase 40% já chega com uma doença instalada. Portanto, a demência é um desafio - o ALICE tem crescido nesse sentido, e depois temos procurado muito ir ao encontro das necessidades de cada pessoa em particular, ou seja, uma pessoa que viva completamente sozinha, que não possa ter um cuidador, nós temos que ter uma forma de responder às suas necessidades também. Então, em vez de utilizarmos se calhar, por exemplo, um oxímetro que ela ponha quando não se está a sentir tão bem, para ver o que é que se passa, utilizamos outro tipo de sensor, que está na roupa, que nos dá uma monitorização contínua, nós sabemos sempre o que é que está a acontecer. O que é que nós conseguimos fazer com isto? Conseguimos evitar idas ao hospital, porque resolvemos muita coisa no local. Conseguimos atuar precocemente porque como nós sabemos qual é o padrão daquela pessoa, a inteligência artificial vai recebendo os dados traçando um padrão. Quando há um desvio, nós conseguimos dizer: atenção a este valor, é melhor ver o que é que se passa aqui. Isso é uma coisa com imenso potencial.”
O ALICE, acrónimo de Ageing Longer Intelligent Care Environment, é uma plataforma de monitorização remota de pessoas idosas, em situação de dependência ou isolamento, que recorre à inteligência artificial para fornecer, a utentes e cuidadores formais e informais, indicações de actuação em caso de episódios de descompensação aguda. Para além desta funcionalidade, o ALICE tem uma importante componente de prevenção.

Na aplicação desenhada especificamente para a plataforma ALICE, existe uma área de educação para a saúde destinado a três grupos de utilizadores: utentes, cuidadores e profissionais de saúde. Cada um dos grupos tem acesso a um conjunto de conteúdos específicos, em multimédia, criados de raiz.

O ALICE destina-se especialmente a cidadãos com mais de 65 anos, no entanto, todos os maiores de 18 anos que apresentem algum grau de dependência funcional podem beneficiar do ALICE. A plataforma está orientada para actuar em três cenários distintos: 1. Apoio à prestação de cuidados de saúde em Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI); 2. Apoio à monitorização e prestação de cuidados a adultos que residam no seu domicílio em situação de vulnerabilidade; 3. Apoio à monitorização de doentes em regime de acompanhamento por equipas de Cuidados Continuados Integrados.

O ALICE, na forma como está estruturado e utilizando a tecnologia, permite detectar e actuar mais precocemente em contexto de doença aguda. Devido às recomendações de actuação que emite, via SMS ou chamada de voz automática, o ALICE permite domiciliar os cuidados, capacitar os cuidadores e diminuir o recurso às urgências hospitalares. (fonte isALICE)

É essencial que tanto a sociedade como os lares mudem rapidamente. Porque, de acordo com Carmen Garcia, “Nós sabemos pelos dados do Instituto Nacional de Estatística que, em 2080, vamos ter 317 velhos por cada 100 jovens. Isto é um rácio completamente desequilibrado. Se agora temos 180 velhos por cada 100 jovens e já não temos resposta, quando tivermos 317 a bolha vai rebentar.”

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