Portugal tem de se reconciliar com a História e reparar período colonial - investigadores

por Lusa

Os investigadores Miguel Cardina e Leonor Rosas defenderam hoje, em declarações à Lusa, que Portugal precisa de se reconciliar com a História, a propósito da defesa pelo Presidente da República da necessidade de reparações às antigas colónias.

"Portugal tem que se reconciliar com a sua história e, naturalmente, isso passa por enfrentar legados coloniais persistentes. Isso tem múltiplas dimensões", considerou Miguel Cardina, investigador do Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra.

Para o investigador, uma dessas dimensões tem a ver com o que se chama "reparação".

"Muitas vezes está associada a questões de reparação económica. Ela está em cima da mesa noutros contextos, mas não tem de ser só reparações económicas, há reparações de natureza simbólica, de visibilidade de espaço público, de determinadas narrativas, de questionamento da persistência daquilo que é glorificação de um certo passado colonial no modo como se configura a identidade nacional no país", detalhou.

Sem se querer pronunciar se Marcelo Rebelo de Sousa escolheu a forma mais correta para falar sobre o tema, Miguel Cardina defendeu que o debate está agora aberto.

"Se as pessoas estiverem empenhadas no debate, encontrarão os meios e as formas e os espaços para fazer esse debate. Claro que, se não estiverem interessados, vão dizer que a forma não foi correta e, portanto, o debate está morto à partida por causa disso. Foi um bocadinho informal. Mas o debate está aí. Depende agora de quem o quiser continuar com seriedade e aprofundando, de pegar nele e de o fazer", destacou.

Leonor Rosas, investigadora do Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa, defendeu que a abordagem de Marcelo Rebelo de Sousa foi feita "num contexto assim, enfim, em que outras declarações mais lamentáveis também vieram ao de cima".

"É uma proposta que tem um fundo que me parece positivo e importante e que é que tem a ver com uma reparação justa e há muito necessária às ex-colónias, que já está a ser avançada em vários outros países europeus sob diferentes formas", acrescentou.

Leonor Rosas dá o exemplo da França, que foi pioneira nos projetos de restituição de obras de arte das ex-colónias e que tem também um projeto para a escrita de uma história em comum com a Argélia.

"Países como a Alemanha, Holanda, Bélgica, que estão a avançar com restituições às ex-colónias, pedidos de desculpa até, nalguns casos, reparações financeiras. E acho que nós em Portugal precisamos também de pensar. Ou seja, temos de abrir um debate alargado na sociedade, com investigadores, com ativistas, sobretudo com afrodescendentes e com pessoas ligadas ao movimento antirracista e anticolonial sobre o que é que queremos fazer", adiantou.

A questão da devolução de obras de arte foi igualmente referida por Miguel Cardina.

"Não é esvaziar os museus, obviamente. Mas se pensarmos que 80 a 90% da herança cultural africana está em museus europeus, de facto faz-nos pensar da necessidade de pelo menos de fazer um inventário e conhecer esse património, que é esse o ponto em que Portugal está. Nem sequer tem esse inventário definido. Então é preciso conhecer e depois, eventualmente, entrar num diálogo", apontou.

Para o investigador da Universidade de Coimbra, a "parte interessante aqui é que isto é uma oportunidade para um diálogo".

"Não é uma questão de passar um cheque. É uma questão de fazer um diálogo efetivo com Estados, países, comunidades que sofreram décadas, séculos de pilhagem, violência, degradação cultural, opressão", afirmou.

"Enquanto Portugal não enfrentar aquilo que é um legado colonial persistente, que é o racismo institucional, então há uma parte muito importante da reparação que fica por fazer, que é a persistência, a reprodução disso no quotidiano na sociedade portuguesa hoje", frisou.

Leonor Rosas considerou ainda que na reconciliação que Portugal deve fazer com a História importa "contar uma história que deixe para trás os mitos lusotropicais e coloniais de que fomos bons colonizadores, de que os povos colonizados beneficiaram da colonização. Isso é mentira", vincou.

Os dois investigadores falaram à Lusa à margem do congresso internacional "50 anos do 25 de Abril", que decorre desde quinta-feira na Reitoria da Universidade de Lisboa e termina no sábado.

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