Agricultura, uma frente da guerra na Ucrânia

por Carlos Santos Neves - RTP
No início de março, a FAO estimava que até 30 por cento das culturas ucranianas viessem a ser impossibilitadas pela invasão russa Marko Djurica - Reuters

A guerra na Ucrânia perdura e a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura adverte para um consequente cenário de escalada dos preços dos alimentos, entre os oito e os 22 por cento, e das populações malnutridas a nível mundial, em oito a 13 milhões de pessoas. Em Kiev, o Governo de Volodymyr Zelensky está a fechar a torneira à exportação de produtos agrícolas, desde logo o trigo. A prioridade, perante a invasão, é acautelar o abastecimento entre as fronteiras do país.

Foi na semana passada que o presidente da Ucrânia alertou para outra das frentes da guerra desencadeada pela Rússia: a produção agrícola da antiga república soviética.

Dentro de um mês, observa o jornal El País, tem início a sementeira de cereais em solo ucraniano. As autoridades do país querem garantir que a população não se debata com a falta de alimentos, perante uma guerra que ameaça prolongar-se no tempo.

“A missão das autoridades locais é convencer as pessoas a voltarem ao trabalho no sector agrícola. Quantos mais hectares semearem, mais forte será a nossa posição”, resume ao diário espanhol Igor Shevchenko, diretor de relações internacionais da Câmara de Comércio de Vinnitsia, a 190 quilómetros de Kiev. Esta é a segunda maior região de produção de trigo e girassóis.
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, alertou na segunda-feira para um quadro de crescente escassez de trigo em 18 países africanos.
No início de março, a FAO estimava que até 30 por cento das culturas ucranianas viessem a ser impossibilitadas pela invasão russa
. Uma realidade que se mostra particularmente aguda nas regiões mais próximas do Rio Dniepre. É neste contexto que Vinnitsia, por agora mais distante das frentes de batalha, pode assumir um papel crucial – a província, conta El País, está a mobilizar-se para assegurar também stocks de farinha, açúcar, cevada, sal ou trigo.

“A coordenação entre o Governo ucraniano e companhias agrícolas funciona como se se tratasse de mais uma divisão do exército. Nos silos de cereais do grupo Epicentr-Agro, na povoação de Vedichani, meia dúzia de homens compõem a equipa de segurança. O acesso às instalações protege-se como se fosse uma infraestrutura essencial”, escreve o jornal.Tal como a Rússia, a Ucrânia figura entre os cinco maiores produtores globais de cereais, de acordo com dados da FAO. O país é o quarto exportador mundial de milho e trigo.


Quarenta por cento do comércio internacional de óleo de girassol é protagonizado por companhias ucranianas. A maior destas empresas, a Vioil, alerta para o facto de os navios que transportam o óleo a partir do porto de Odessa estarem nesta altura bloqueados pela frota russa no Mar Negro.
Rússia, o outro epicentro de uma potencial crise alimentar

O flanco russo poderá ser também fonte de problemas para o abastecimento mundial de alimentos. A Rússia, alvo de sucessivos pacotes de sanções do Ocidente, é o maior produtor global de fertilizantes.

Em entrevista à Reuters, Andrei Melnichenko, multimilionário russo que fundou a Eurochem, gigante da produção de fertilizantes, apelava na segunda-feira ao fim dos combates.

“Os fertilizantes são cada vez menos acessíveis para o sector agrícola por causa da guerra. Agora veremos uma inflação nos preços dos alimentos na Europa e uma provável escassez nos países mais pobres”, assinalou.
E em Portugal? “Bens essenciais vão continuar a chegar”
O ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, garantiu na segunda-feira que, por agora, não se verificam dificuldades no abastecimento de bens essenciais importados, encontrando-se acautelados aprovisionamentos até junho. Todavia, a subida dos preços será “inevitável”.

“Neste momento, no acompanhamento praticamente ao dia que vamos fazendo da situação dos bens que importamos [das regiões atingidas pela guerra na Ucrânia], não existem dificuldades de abastecimento e estão assegurados os aprovisionamentos até ao próximo mês de junho”, afiançou Siza Vieira, durante uma conferência de imprensa conjunta com a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes.

Está em curso, ainda de acordo com o ministro, uma monitorização do aprovisionamento e dos stocks de cereais para as alimentações humana e animal, além da adoção de medidas para diversificar os fornecedores de cereais.

“Os bens essenciais vão continuar a chegar a Portugal”, vincou Pedro Siza Vieira. “É inevitável um aumento dos preços que os senhores empresários praticam nos produtos que vendem”, acrescentou.

“Do ponto de vista de aquisições diretas à Rússia e à Ucrânia, a situação é sobretudo mais visível no caso do milho forrageiro e de alguma oleaginosas. Ainda assim não há faltas, não vale a pena ir correr aos supermercados. Não vale a pena fazer como se fez na covid e ir a correr esgotar o papel higiénico ou agora o óleo de girassol, porque como ouvimos nestes dias os representantes do retalho alimentar não há faltas nem agora nem se prevê que venham a ocorrer nos próximos meses”, sublinhou o governante.

Por sua vez, Maria do Céu Antunes reiterou que o país compra o trigo panificável a França, remetendo para esta terça-feira uma reunião entre representantes de diferentes sectores com vista a avaliar as capacidades de importação e armazenagem.

c/ Lusa
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