Banco Mundial propõe reconversão das economias asiáticas para deter desaceleração e pobreza

Três grandes fatores, incluindo a guerra na Ucrânia, estão a ter um profundo impacto económico e financeiro, dificultando a recuperação pós-pandemia de Covid-19, especialmente na zona do Leste da Ásia e Pacífico, onde se registou um aumento generalizado da pobreza em 2020 e cujas economias desaceleraram nos últimos meses.

Graça Andrade Ramos - RTP /
Jacarta, Indonésia. Após os efeitos da pandemia de Covid-19 as economias do Leste da Ásia e Pacífico enfrentam três novos problemas Reuters

No relatório Atualização Económica da Ásia-Pacífico na Primavera de 2022, publicado esta terça-feira, o Banco Mundial analisou nomeadamente as consequências para a região da redução do crescimento económico da China de 8,1 por cento em 2021 para uns meros cinco por cento em 2022, de acordo com as novas previsões.

O aumento da tensão nos mercados financeiros e a retração nas aquisições além da subida dos preços de bens essenciais como a energia e os cereais devido à guerra, e as novas políticas financeiras impostas nos Estados Unidos para controlar a inflação foram igualmente estudados.

Outro setor vital, o turismo, mantém-se entretanto anémico.

“A sucessão de choques significa que as pessoas irão sofrer mais economicamente ao mesmo tempo que enfrentam a retração da capacidade financeira dos seus governos”, afirmou à Associated Press a principal economista do Banco Mundial para o Leste da Ásia e o Pacífico, Aaditya Mattoo.
“Estes choques irão amplificar dificuldades já existentes pós-Covid”, refere o relatório. Os oito milhões de famílias que recaíram na pobreza durante a pandemia “irão ver os seus rendimentos diminuir ainda mais à medida que os preços sobem”.
A instituição reviu por isso em baixa a antevisão de crescimento da região, de 5.4 por cento para cinco por cento e nos piores casos para apenas quatro por cento.

Aquela região do globo tinha registado uma recuperação global de 7.2 por cento em 2021 [média dos 8.1 por cento da China e dos 2.6 por cento nos restantes países] após o impacto da pandemia de Covid-19 e as dificuldades registadas nas cadeias de distribuição ao longo de 2020.

A elevada heterogeneidade do impacto pandémico nos diferentes países e a sua exposição diversa aos mercados da China e dos Estados Unidos dificultou a antevisão das consequências precisas da atual crise mas, “apesar do crescimento do resto da região [sem a China] estar projetado para crescer 4.8 por cento em 2022 face à média de 2.6 por cento registada em 2021, a aceleração será menor do que os 5.2 esperados em outubro de 2021”, refere o documento.

"Numa altura em que as economias da região Ásia-Pacífico estavam a recuperar do choque induzido pela pandemia, a guerra na Ucrânia está a pesar no impulso do crescimento", disse à Agência Lusa Manuela Ferro, vice-presidente do Banco Mundial para o Leste da Ásia e Pacífico.

"Os fundamentos sólidos e as políticas sólidas da região devem ajudar a enfrentar essas tempestades", ressalvou a portuguesa.
Crise é oportunidade
Perante o aumento dos preços do gás e do petróleo e do reflexo em catadupa desta subida nas cadeias de produção, o poder de aquisição das famílias e das empresas vai diminuir de forma generalizada, sobretudo em países como o Camboja, as Ilhas Fidji e Timor Leste, prevê por exemplo o Banco Mundial.

E devido aos encargos assumidos para fazer face à pandemia e ao alto endividamento, muitos Governos dos países do Leste Asiático e Pacífico, [EAP] terão dificuldades em apoiar financeiramente os seus cidadãos e as suas economias. A Indonésia e a Malásia anunciaram medidas para estabilizar os preços em bens essenciais como o arroz, a carne e óleo alimentar, mas nem todos os países poderão seguir o exemplo. O controlo dos preços poderá ainda revelar-se ineficaz no médio longo prazo, nota o documento.

Esta pode contudo ser uma oportunidade imperdível de mudança com vista a mitigar os riscos, através de uma “combinação de reformas fiscais, financeiras e de comércio, que reavivem o crescimento e reduzam a pobreza”, referiu Mattoo.

A instituição está a apelar por isso aos governos da EAP que levantem restrições ao comércio de bens e de serviços para aproveitar vantagens de novas oportunidades comerciais, por exemplo através de serviços digitalizados.

Medida paralela ao investimento no fim do uso de combustíveis fósseis, para encorajar a adoção de tecnologias mais amigas do ambiente e responder positivamente a médio prazo à diversificação de fornecedores energéticos por parte de mercados como a União Europeia.

Também a aposta em novas tecnologias como o digital, já impulsionado embora de forma desigual devido aos confinamentos da pandemia, terá futuro, antevê o relatório. “A rápida adoção de tecnologia representa uma oportunidade para libertar o crescimento da produtividade, particularmente no caso de tecnologias avançadas”, lembram os economistas do Banco Mundial.

No rescaldo do impacto da Covid-19, também os sistemas de saúde dos países da EAP deverão igualmente tornar-se “progressivamente universais”, recomenda o relatório, notando que “uma população saudável é vital para a recuperação de uma economia sustentável e inclusiva de longo prazo e para a redução da pobreza”.
2022, um ano de adaptação
Para 2022 a instituição tinha recomendado ao sistema financeiro diversas medidas como o alívio das dívidas soberanas, para libertar recursos de socorro às famílias e às empresas de forma a sustentar o tecido económico, ou maior controlo, transparência e rigor na concessão de crédito para que as instituições financeiras pudessem continuar a emprestar, sobretudo às camadas mais pobres, sustentando a produção de bens e o consumo.

Conselhos antes da guerra na Ucrânia desestabilizar de novo os fluxos financeiros e económicos, levando a comportamentos de menor risco por uma menor confiança dos investidores. Um menor crescimento tanto dos Estados Unidos como da China terão igualmente um impacto potencial negativo nas economias do Leste da Ásia e Pacífico, geralmente muitas expostas à procura destes mercados.

O relatório do Banco Mundial reconhece que o atual aumento das taxas de juro poderá ser necessário para arrefecer a economia norte-americana e controlar a inflação, mas grande parte da Ásia ainda está a recuperar dos efeitos da pandemia. Países como por exemplo a Malásia, sublinha, poderão sofrer repercussões financeiras.

A economia chinesa, já em desaceleração poderá também abrandar ainda mais devido a surtos de Covid-19 que obrigam ao confinamento de áreas inteiras do país, como o que está a afetar Xangai. O reflexo irá sentir-se em muitos países asiáticos cujo comércio se baseia na procura da China.

Também o aumento dos preços do petróleo e do gás irão ter um impacto negativo nas economias importadoras e mais dependentes de tais recursos.
Quebra de apenas 1 pp
O documento lembra que as vagas da variante Delta do coronavírus tiveram um impacto menos significativo em 2021 do que os meses iniciais da pandemia em 2020, devido à imposição de menos restrições e à vacinação que permitiram controlar a gravidade dos surtos. Apela por isso ao alívio das restrições. Em média, os países com maior amplitude de vacinação registaram um maior crescimento, notou o relatório. Myanmar, em guerra civil há mais de um ano e vários países das ilhas do Pacífico formaram a cauda da recuperação, referiu.

O choque relacionado com a Covid-19 ainda se fará sentir na primeira metade de 2022, seguindo-se uma recuperação na segunda metade do ano”, antevê a instituição. “O crescimento global será apenas um ponto percentual (pp) abaixo do estimado anteriormente, como prevê a OCDE”.

“O atual surto na China e noutros locais, irá afetar sobretudo a procura com um impacto limitado na produção. Os preços dos bens de consumo irão descer dos níveis correntes mas irão manter-se significativamente mais elevados do que antes da guerra devido a dificuldades da produção e no comércio e às sanções que se mantenham” prevê o Banco Mundial.

“A China e alguns outros países na região serão capazes de mitigar o impacto dos choques adversos no crescimento até certo ponto através de políticas fiscais expansionistas e de apoio monetário”, acrescenta.

Noutro fator de ponderação futura, enquanto os economistas do Banco Mundial verificaram em 2020/2021 uma quebra nas trocas comerciais entre os EUA e a China, está ainda por verificar se esta se irá manter e se se irá assistir a uma relocalização de empresas para outros países EAP.
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