Centeno: Banco de Portugal não deve enfrentar desafios "numa torre de marfim"

por RTP
Mário Centeno assinalou que "conhece bem" o funcionamento do Banco de Portugal Rui Alves Cardoso - RTP

A audição parlamentar inicia esta quarta-feira o processo de nomeação de Mário Centeno para Governador o Banco de Portugal. O antigo ministro das Finanças lembrou na audição a importância da experiência governativa recente e salientou que a instituição a que se candidata não pode enfrentar os desafios que se avizinham "numa torre de marfim, mas com toda a sociedade portuguesa".

Na audição perante os deputados, o antigo ministro das Finanças e ex-presidente do Eurogrupo frisou a importância da experiência adquirida a nível profissional e académico, lembrando a formação adquirida no ISEG e em Harvard, mas sobretudo os cargos que desempenhou, não só os dez anos em que integrou o quadro superior do banco central, mas também, mais recentemente enquanto detentor da pasta das Finanças no Governo de António Costa e líder do grupo de ministros das Finanças da Zona Euro. 

"Colocar esta experiência ao serviço do meu país é um imperativo a que quero dar resposta", sublinhou.

Mário Centeno considerou que este é "um ativo" que deve ser aproveitado na liderança da instituição, assinalando ainda que "conhece bem" o funcionamento do Banco de Portugal, onde ocupou cargos de direção antes de ser chamado para o executivo de António Costa.

Com "consciência dos desafios futuros", o ex-ministro das Finanças lembra o trabalho feito nos últimos anos, em que a economia portuguesa “convergiu com as economias europeias como nunca o tinha feito desde a moeda única”.
Já no quadro da crise pandémica, Mário Centeno sublinha que o Eurogrupo sob a sua liderança “aprovou o maior pacote de ajuda financeira na história da Europa”. De resto, o ex-ministro considera que a sua atuação ao nível internacional foi no sentido de “consolidar” o papel do euro.

"O Banco de Portugal deve voltar a ser uma instituição de referência em Portugal e na Europa. (...) O Banco de Portugal tem de se tornar sinónimo de ação para enfrentar os inúmeros desafios do futuro próximo. Não os deve enfrentar numa torre de marfim, mas com toda a sociedade portuguesa", enfatizou.

Depois de vários partidos da oposição terem questionado ou colocado em causa a independência de Mário Centeno para exercer o cargo de Governador do Banco de Portugal, o candidato abordou essa questão na declaração inicial.

"A independência do banco de Portugal não se questiona nem se impõe. (...) A independência não é outorgada nem proclamada, é conquistada na ação e é um dever de quem dela beneficia mostrar que a merece e a exerce perante a sociedade", acrescentou.

Centeno "foge das responsabilidades"
Se o deputado Fernando Anastácio, do Partido Socialista, elogiou o perfil do candidato e considerou que “Mário Centeno é a pessoa certa” para o cargo, com independência e autonomia, o PSD, pela voz do deputado Duarte Pacheco, mostrou-se contra esta nomeação.

"Não preenche as condições para exercer com independência e credibilidade o cargo de governador do Banco de Portugal", sublinhou o social democrata. Duarte Pacheco apontou que Mário Centeno abandonou o cargo de ministro das Finanças num momento de enorme dificuldade económica e financeira.

Na visão do deputado, Centeno "foge das suas responsabilidades" ao sair do Governo e "desertou da batalha de uma vida", tendo colocado "o interesse pessoal acima do interesse nacional". Duarte Pacheco acusou ainda o ex-ministro de tentar instrumentalizar do Banco de Portugal, em coordenação com o primeiro-ministro.

Duarte Pacheco lembrou ainda os "conflitos de interesses" do futuro, tendo em conta que participou em várias decisões enquanto ministro das Finanças, dossiers em que agora teria de intervir como governador do Banco de Portugal.

Mário Centeno defendeu-se das acusações e sublinhou que "foi cabalmente explicada a razão da mudança de ministro das Finanças" e que em vários países da Europa e do mundo há governadores que foram antigos membros de Governo.

"Se eu usasse o seu raciocínio, eu não conseguia encontrar emprego em Portugal nas próximas décadas", disse o ex-ministro.

Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, salientou que o Banco de Portugal perdeu importância ao longo das últimas décadas e que o cargo de governador será "uma poltrona dourada numa torre de marfim".

Para além disso, a deputada bloquista sublinhou que o conflito de interesses "está entre o regulador e o regulado, entre o público e o privado". "Sabemos que esse não é o caso aqui. (...) O que não quer dizer que pessoas que desempenham cargos públicos não devam ser avaliadas pelas decisões que tomaram e que dizem ao interesse público", acrescentou, destacando as decisões sobre o Banif e a venda do Novo Banco à Lone Star, por exemplo. BdP "não é o sítio ideal para se ir relaxar"

Na intervenção do PCP, o deputado Duarte Alves salienta a importância que o Banco de Portugal deve ter, não sendo apenas "uma mera sucursal do BCE". O deputado comunista questionou o candidato ao cargo de governador se pretende ou não colocar em causa o modelo de supervisão.

Duarte Alves salientou o momento de enormes dificuldades que se aproxima. Aproveitou para criticar outros governadores do Banco de Portugal, que colocaram o interesse dos bancos à frente do interesse público.

Na resposta, Mário Centeno negou que o Banco de Portugal seja uma "sucursal" de outros reguladores ou supervisores. O ex-ministro sublinhou ainda que o Banco de Portugal "sempre foi governado pelo interesse público" e que apenas em duas ocasiões teve governadores com ligações à banca.

Cecília Meireles, deputada do CDS-PP, criticou Mário Centeno por apresentado o "desgaste" nas funções como ministro das Finanças para abandonar o Governo. "Eu não acho que o Banco de Portugal seja o sítio ideal para se ir descansar, ou para se ir relaxar".

Centeno esclarece que não houve qualquer questão política ou falta de vontade em enfrentar as dificuldades, mas antes "um fim de ciclo".

Já o deputado do PAN, André Silva, admitiu que Centeno tem as competências técnicas necessárias para ocupar o cargo, mas devido aos conflitos de interesse. Defendeu que o próximo governador deve ser alguém "livre de pressões do poder político" e que reunisse o consenso alargado. Mário Centeno salientou, na resposta, que "não existe nenhuma legislação no mundo inteiro que identifique conflitos de interesse nestas circunstâncias". "Os interesses estão alinhados", acrescentou o ex-ministro. IL avança com providência cautelar

João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, considerou que a audição de Centeno é "das coisas mais bizarras da política portuguesa", uma vez que nenhum partido para além do PS concorda com a indigitação do ex-ministro das Finanças.

O deputado - que anunciou nesta audição que vai lançar uma providência cautelar contra a nomeação - questionou ainda a independência do candidato, tendo em conta que irá ser supervisionado por responsáveis que escolheu e que antes supervisionava enquanto detentor da pasta das Finanças.

Centeno defendeu-se, considerando que "só consegue ser independente quem tem mérito para ocupar os lugares".

O Chega, pela voz do deputado André Ventura, também considera que existem conflitos de interesses na mudança entre o Ministério das Finanças e o Banco de Portugal, apontando sobretudo para os dossiers do Banif, Novo Banco e Montepio.

Questionou ainda se Centeno se sentiria confortável no cargo mesmo sabendo que não conta com o apoio da maioria dos deputados. Na resposta, Mário Centeno voltou a negar qualquer tipo de conflito de interesses.

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