Embargo de cereais. Kiev apresenta queixa na OMC contra três países da UE

por Graça Andrade Ramos - RTP
Ceifa na Ucrânia Arquivo Reuters

O governo da Ucrânia avançou com uma queixa junto da Organização Mundial do Comércio, contra a Polónia, a Eslováquia e a Hungria, devido aos embargos destes três países à importação de cereais ucranianos.

"É crucialmete importante para nós provar que estados-membros individuais não podem banir importações de bens ucranianos", justificou a ministra da Economia da Ucrânia, em comunicado. "É por isso que estamos a apresentar queixas contra eles".

Os três países, vizinhos da Ucrânia e alguns dos seus mais importantes aliados contra a Rússia, anunciaram sexta-feira um embargo à entrada no seu território dos cereais que Kiev está impedido de escoar devido ao bloqueio imposto por Moscovo.

Justificam o embargo com a quebra das vendas da sua própria produção e as dificuldades enfrentadas pelos seus agricultores devido à inundação do mercado.

Em maio, a Comissão Europeia tinha autorizado o transporte de cereais ucranianos através destes países, mais a Bulgária e a Roménia, enquanto permitia as restrições locais à venda de milho, de trigo, de sementes de girassol e de canola oriundos da Ucrânia.

Decisão que não foi prolongada em setembro, levando Varsóvia, Bratislava e Budapeste a avançar com o embargo, para defender os interessses das suas próprias economias.

Desde o bloqueio russo às rotas do Mar Negro, na senda da guerra iniciada em fevereiro de 2022, cerca de 60 por cento da produção de cerais ucranianos foi encaminhada por rotas fluviais e terrestres, via estrada e comboio, dos cinco vizinhos ucranianos no leste da UE.

Os agricultores destes países protestaram vigorosamente junto de Bruxelas contra a distorção dos mercados locais e as perdas sofridas.
Desacordo na Europa

O Governo polaco já reiterou que irá manter a sua decisão apesar da queixa de Kiev à OMC. "Consideramos que é justo", declarou o porta-voz do executivo de Varsóvia, Piotr Müller, na televisão Polsat News. "Uma queixas destas à OMC não nos impressiona", acrescentou.

Com eleições legislativas à porta, em outubro, a Polónia distanciou-se e retirou-se de uma plataforma de coordenação que tem procurado soluções para o trânsito dos cereais da Ucrânia no leste da UE, para os mercados globais.

"Temos de olhar de forma mais abrangente, desde que a Ucrânia afirmou que pretende processar a Polónia", afirmou aos jornalistas em Bruxelas o ministro polaco da Agricultura, Robert Telus. "Qualquer comentário que fizessemos neste plataforma iria visirar-se contra nós", argumentou.

O seu homólogo espanhol, Luis Planas Puchades  considerou segunda-feira que o embargo lhe parece ilegal enquanto o ministro fancês da mesma pasta, Marc Fesneau, disse que a solidariedade europeia estava a ser posta em causa colocando em risco os próprios fundamentos da UE.

O primeiro-ministro romeno, Marcel Ciolau, afirmou esta segunda-feira que o seu país iria avaliar por 30 dias a possibilidade de prolongar o embargo aos cereais ucranianos caso os pedidos de importações aumentassem e "até a situação se esclarecer".

Ciolau reconheceu que desde sexta-feira não houve incremento destes pedidos e disse estar à espera dos planos de garantias prometido por Kiev de que os controlos serão mais apertados.
Retaliação da Ucrânia
A notícia da queixa de Kiev já tinha sido antecipada pelo jornal Politico, que citou o representante do Comércio da Ucrânia, Taras Kachka, este domingo.

"É importante provar que estas ações [de embargo] são legalmente erradas. E é por isso que iremos iniciar processos legais amanhã", defendeu Kaschka.

A Polónia admitiu alargar o embargo a outros produtos, o que levou o representante ucraniano a ameçar com medidas recíprocas, em "retaliação". "Iríamos proibir a importação de fruta e de vegetais da Polónia", garantiu ao Politico.

A decisão da Comissão Europeia em deixar expirar sexta-feira o prazo das restrições, antes autorizadas, deveu-se a garantias dadas por Kiev de que iria apertar o controlo das suas exportações para os países vizinhos, para estas não se transformarem "num tsunami".

Kachka garantiu ao Politico que Kiev iria impor um sistema de licenças de exportação de cereais "em tempo real".

A Ucrânia tem procurado rotas alternativas para escoar a sua produção agrícola, uma das mais significativas do mundo, após a Rússia ter denunciado o acordo que permitia exportar os cereais através do Mar Negro, apesar do bloqueio imposto por Moscovo.

O auxílio europeu agrícola à Ucrânia acabou contudo por causar uma verdadeira crise no seio da União Europeia, com os produtores dos cinco países mais afetados a protestarem contra a comercialização dos cereais ucranianos em detrimento da sua própria, que ficava retida nos armazéns.
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