Fitch desconfia do esboço do Orçamento e ameaça Centeno com redução do rating

por Christopher Marques - RTP
Rafael Marchante - Reuters

As contas de Mário Centeno continuam a merecer desconfiança. Depois do PSD e do Conselho de Finanças Públicas, também a Fitch se juntou às críticas ao esboço do Orçamento. A agência considera que o plano se baseia em previsões que podem revelar-se irrealistas e ameaça com uma redução do rating em caso de trajetória "menos favorável" da dívida pública. Entretanto, o Governo vai esperando pela avaliação da Comissão Europeia.

O esboço de Mário Centeno não convence. Depois do PSD e do Conselho de Finanças Públicas terem criticado o documento, é agora a vez de a Fitch apresentar as suas dúvidas.

A agência de notação financeira aponta que o esboço do plano orçamental português se baseia em estimativas de crescimento económico que podem revelar-se irrealistas.O Governo de António Costa prevê que Portugal cresça 2,1 por cento em 2016, um valor bastante superior aos 1,7 por cento apontados pela Fitch.

O Governo de António Costa prevê que Portugal cresça 2,1 por cento em 2016, um valor bastante superior aos 1,7 por cento apontados pela Fitch.

“Os dados recentes não demonstram nenhuma melhoria notável nas taxas de crescimento e a expectativa de que o aumento da procura externa vai impulsionar as exportações pode vir a revelar-se otimista, dado o abrandamento das economias emergentes e o fraco crescimento da zona euro”, refletem os analistas da Fitch.

Também as previsões de redução da despesa e aumento da receita não satisfazem a agência de notação financeira. Apesar das dúvidas, a Fitch acredita que não existem “dissidências significativas” do Bloco de Esquerda e do PCP e que “há espaço político para a consolidação” orçamental.
Fitch ameaça descer rating
Não deixa, no entanto, de notar que, com a mudança de Governo, mudou também o ritmo da diminuição do défice.

O esboço “prevê um défice orçamental de 2,6 por cento do PIB, inferior aos 2,8 por cento que o novo Governo tinha indicado anteriormente, mas superior aos 1,8 por cento que a coligação de centro-direita pretendia alcançar até ao fim de 2016”, nota a Fitch. "Um relaxamento orçamental que resulte numa trajetória menos favorável na dívida pública poderá levar a uma ação negativa sobre o rating", aponta a Fitch.

A agência repara ainda que faltam detalhes na proposta apresentada por Mário Centeno e especifica mesmo que não é clara a forma como o Executivo vai conciliar o objetivo de moderar a consolidação fiscal com a promessa eleitoral de reverter as medidas de austeridade.

Traçado o quadro geral, a Fitch termina a sua breve nota com uma ameaça ao Executivo.

“Um relaxamento orçamental que resulte numa trajetória menos favorável na dívida pública poderá levar a uma ação negativa sobre o rating, do mesmo modo que um crescimento enfraquecido pode ter um impacto negativo nas finanças públicas”, conclui a Fitch.

Conhecida a nota da agência de notação financeira, o PS não demorou muito a responder. Pela voz de João Galamba, os socialistas defendem que a Fitch ignorou o impacto de medidas de estímulo à economia incluídas no Orçamento para 2016.

O porta-voz do PS acusa a agência de ter comparado "alhos com bugalhos" para concluir sobre o optimismo das previsões de crescimento do Governo.

A agência de notação deverá analisar a situação de Portugal a 4 de março e 19 de agosto. Atualmente, a Fitch classifica a dívida portuguesa de BB+ com perspetiva positiva. Ou seja, lixo.
As dúvidas de Teodora
As reticências quanto ao esboço orçamental enviado por Mário Centeno à Comissão Europeia não são novas.

O Conselho de Finanças Públicas apontou que as previsões do plano “dependem crucialmente de hipóteses cuja concretização não está assegurada, em particular no que respeita ao crescimento da procura externa e à evolução dos preços”.

A entidade liderada por Teodora Cardoso defende haver riscos no comportamentos dos preços e consequente competitividade e crescimento da economia e do emprego em Portugal. Também a previsão de crescimento da procura externa falhou em convencer o Conselho de Finanças Públicas.

“O Ministério das Finanças assume a aceleração da procura externa em 2016 de 3,9 por cento para 4,9 por cento, o que não parece ter em conta os mais recentes sinais de abrandamento de parceiros económicos relevantes”, escreveu o CFP no parecer.

A entidade aponta que as estimativas para o comportamento dos preços não são “implausíveis estatisticamente no curto prazo”, mas apelida-as de “pouco prudentes”.
PSD e CDS-PP atacam esboço
Críticas mais ferozes chegaram do CDS-PP e do PSD, partidos que deram suporte parlamentar ao anterior Governo. Os sociais-democratas apontam que o esboço orçamental tem “pressupostos irrealistas” e representa uma estratégia “imprudente”, que agrava a “incerteza” e a “desconfiança”.

“É tudo o que Portugal não precisa”, defendeu o deputado António Leitão Amaro.

"Os valores da inflação, do crescimento e da procura externa não batem com as várias previsões internacionais. Nem sequer os anexos do documento batem com o sumário executivo", apontou.

Pelo CDS-PP, foi Cecília Meireles a focar-se nas críticas ao documento. A vice-presidente da bancada parlamentar defendeu esta terça-feira à tarde que o esboço mostra um exercício orçamental “preso por arames” e que parte de previsões de crescimento sem paralelo em organizações nacionais e internacionais.

Os centristas avançaram ainda com dez perguntas que pretendem fazer a Mário Centeno sobre o documento.
 
Indiferente às críticas, o ministro das Finanças renovou na manhã de terça-feira o compromisso de procurar o equilíbrio entre uma “gestão orçamental responsável”, “a maior contenção da despesa pública dos últimos anos” e a “redução da carga fiscal”.

Em relação às dúvidas quanto ao crescimento da procura externa, Centeno não desarmou e mostrou-se convicto de que haverá um contributo de monta da procura externa. Isto, apesar das diferentes velocidades dos mercados mais relevantes para as trocas portuguesas.

Feitos os avisos da Fitch e da oposição, Mário Centeno fica à espera da opinião que realmente interessa. A Comissão Europeia já começou a analisar o documento e deverá pronunciar-se nos próximos dias.
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