Economia
Jorge Tomé critica Bruxelas, Banco de Portugal e TVI em intervenção de duas horas
Deveriam ter sido 15 minutos, mas Jorge Tomé avisou logo que o quarto de hora não seria suficiente. Ao todo foram 117 minutos de declaração inicial. Durante essas quase duas horas, o último presidente do Banif descreveu as diferentes fases pelas quais o banco passou, apontando que houve um volte-face na atitude do Banco de Portugal em 2015. Multiplicaram-se as críticas a Bruxelas e ao “fenómeno TVI”, na referência à notícia lançada pela televisão de Queluz de Baixo em dezembro de 2015 e que, sublinhou, "dita em definitivo" o fim do Banif.
O último Presidente do Banif começou por explicar as várias fases pela qual passou o Banif e deixou logo claro qual era a sua versão dos factos e a tónica do discurso.
Ao falar em “contradições, avanços e recuos” da Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia (DG Comp) e em “volte-face” do Banco de Portugal, ficava a conhecer-se a direção das críticas do gestor.
O ex-presidente do banco afirma que, em 2012, a troika não queria recapitalizar o banco. Segundo Jorge Tomé, a recapitalização aconteceu por “mérito” do Banco de Portugal e do Estado Português. Tudo porque, segundo Jorge Tomé, a troika defendia “não haver dinheiro para recapitalizar o Banif”.
O banco acabou por ser financiado em 1,1 mil milhões de euros em janeiro de 2013. Esta é a primeira das fases apresentadas por Jorge Tomé na Comissão Parlamentar de Inquérito à resolução do Banco Internacional do Funchal.
Bruxelas queria "banco das ilhas"
A segunda fase é, para Jorge Tomé, a negociação com a Direção-Geral da Concorrência. Tomé revela que a Comissão Europeia propunha que o Banif fosse reduzido a “um banco das ilhas”. “Seria um banco com um balanço de três mil milhões de euros”, o que dificultaria o reembolso dos 1,1 milhões de euros ao Estado.
Excluída a proposta para que o Banif se limitasse a operar nos Açores e na Madeira, o ex-administrador explicou que a decisão foi procurar negociar com Bruxelas a criação de um catálogo de compromissos. Lamentaria, contudo, que “com a DG Comp nunca é bem uma negociação”.
Estas negociações foram “muito duras” e “criaram alguns problemas entre a comissão executiva do Banif e a Direção-Geral de Concorrência”. O último presidente do Banif diz que o documento foi aprovado por Bruxelas e que só por “má fé” e para “justificar o desfecho desastroso que teve o Banif” é que a DG Comp poderá dizer que nunca aprovou o catálogo de compromissos.
O ex-administrador classifica ainda de “mito” a ideia de que houve “oito planos de reestruturação”, defendendo que a apresentação de vários planos “é normalíssima”. Tomé considera esta uma “não questão” e afirma que dois dos três bancos recapitalizados tiveram igualmente várias versões do plano. “O Banco de Portugal não dava uns conselhozinhos. Fazia muitas alterações, sugestões e recomendações”
“Em abono da verdade e do rigor não houve oito planos. Houve verdadeiramente quatro planos”, afirma. O último foi apresentado a 18 de setembro de 2015, que Tomé classifica, “esse sim, de novo plano”, já que continha “uma estrutura bem diferenciada e disruptiva em relação ao de agosto de 2013” e não uma outra versão de um desenho anterior.
Jorge Tomé garante ainda que os planos só eram enviados para Bruxelas depois de serem aprovados pelo Banco de Portugal e pelo Ministério das Finanças: “O Banco de Portugal não dava uns conselhozinhos. Fazia muitas alterações, sugestões e recomendações”. O ex-administrador esclareceu ainda que o Estado tinha “dois representantes no Banif”.
Um deles tinha assento na comissão executiva e “assistia a todas as reuniões (...) Não houve nem poderia haver nenhum assunto aprovado pela comissão executiva que o Administrador do Estado não tivesse de acordo”.
Tomé aponta, por isso, que o administrador público tinha na prática direito de veto e “exerceu-o algumas vezes”. “Certamente muitas vezes exerceu-o e exerceu-o bem”, admite.
Ano de 2014 "nada positivo"
É com este quadro que o Banif chega a 2014. A “terceira fase” é recheada de “acontecimentos nada positivos” para o Banif, nomeadamente o colapso do BES, que teve um “impacto muito negativo” no banco de origem madeirense.
Jorge Tomé critica ainda a reestruturação do sistema financeiro português, sustentando que esta “não foi conseguida”: “Não se reestruturam bancos nem nenhuma empresa esquecendo-se da qualidade dos ativos e olhando apenas para os passivos”.
Jorge Tomé referiu ainda que, depois da tomada de posse da Comissão Juncker, Bruxelas fez tábua rasa nos compromissos e voltou a insistir na criação de um “banco das ilhas”. O ex-presidente informou ainda que o Banif já tinha “resultados positivos e consistentes” em 2015 e que estava a “crescer de mês para mês”.
O ex-administrador avança que houve no segundo trimestre uma tentativa de venda da posição do Estado que não teve sucesso, tendo então sido dado início à preparação do último plano de reestruturação.
Este previa a criação de um banco limpo e de uma instituição para os ativos de fraca qualidade. Seria ainda feito um aumento de capital de 250 milhões de euros para reembolsar a última tranche da ajuda estatal. Tomé garante que este plano foi defendido com “grande entusiasmo” pelo Banco de Portugal.
"Volte-face" e o "fenómeno TVI"
Mas deu-se então o que Tomé denomina de volte-face. O gestor afirma que o Banco de Portugal fez novas exigências ao Banif depois de uma reunião do Banco de Portugal com a Comissão Europeia em novembro de 2015.
Acabou por ser aberto um novo processo de venda da posição do Estado na instituição. Em dezembro de 2015, quando “parecia que estava a correr tudo normalmente”, a notícia da TVI “origina uma corrida aos depósitos no Banif”. Os dados do gestor revelam que o banco perdeu 960 milhões de euros em depósitos de 14 a 18 dezembro, o equivalente a 16 por cento da carteira. “Este episódio da notícia da TVI dita, em definitivo, a resolução do Banif por parte do Banco de Portugal”.
“Este fenómeno TVI deixa o banco numa situação muito precária de liquidez, obrigando o banco a recorrer às linhas de emergência de liquidez”, especifica. Tomé sublinha que é a primeira vez que o Banif recorre ao ELA.
“Este episódio da notícia da TVI dita, em definitivo, a resolução do Banif por parte do Banco de Portugal”, garante.
Jorge Tomé afirma que, mesmo com o episódio da TVI, foram feitas seis propostas de compra do banco, duas das quais imediatamente excluídas. Apenas continuaram em cima da mesa as ofertas da Apollo, JC Flower, Santander e Banco Popular.
Jorge Tomé clarifica que as propostas “não foram boas” e que não o poderiam ser em virtude do episódio TVI, do período do lançamento do concurso e do facto de o plano de reestruturação não estar aprovado pela DG Comp.
Na intervenção inicial, Jorge Tomé classificou ainda o caso do Banif Brasil de “filme de terror” e criticou o papel do Banco de Portugal no fim de 2015 neste dossier, tecendo elogios ao apoio “inexcedível” do banco central brasileiro.
Comissão de inquérito
Jorge Tomé foi ouvido depois de Marques dos Santos, o homem que assumiu as rédeas do banco depois do falecimento de Horácio Roque. Estas foram as duas primeiras audições da comissão de inquérito à resolução do Banif, pela qual deverão passar cerca de 60 personalidades.Tal como aconteceu no caso BES, os parlamentares tentam perceber os acontecimentos que levaram à queda do Banco Internacional do Funchal.
Entretanto, o presidente da comissão de inquérito fez saber que Vítor Gaspar não prevê vir a Portugal “nos próximos meses”. O ex-ministro das Finanças vive em Washington e manifestou disponibilidade em colaborar com os trabalhos, mas lembrou a “limitação” que tem face ao facto de residir no estrangeiro.
A Comissão Europeia mostrou-se disponível para enviar nos próximos dias os documentos solicitados pela Comissão.
Tal como aconteceu no caso BES, os parlamentares tentam perceber os acontecimentos que levaram à queda do Banco Internacional do Funchal.
A medida de resolução aplicada ao banco foi anunciada a 20 de dezembro, já pelo Executivo de António Costa, depois de anos de dificuldades amplamente noticiadas. Quando foi aplicada a medida de resolução, a maioria do capital do banco estava já nas mãos do Estado.
A medida de resolução passou pela venda de parte da atividade bancária ao Santander Totta por 150 milhões de euros. Os restantes ativos, incluindo os tóxicos, foram transferidos para a sociedade veículo Oitante. Uma medida que implicou uma injeção do Estado superior a 2,4 mil milhões de euros.
Ao falar em “contradições, avanços e recuos” da Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia (DG Comp) e em “volte-face” do Banco de Portugal, ficava a conhecer-se a direção das críticas do gestor.
O ex-presidente do banco afirma que, em 2012, a troika não queria recapitalizar o banco. Segundo Jorge Tomé, a recapitalização aconteceu por “mérito” do Banco de Portugal e do Estado Português. Tudo porque, segundo Jorge Tomé, a troika defendia “não haver dinheiro para recapitalizar o Banif”.
O banco acabou por ser financiado em 1,1 mil milhões de euros em janeiro de 2013. Esta é a primeira das fases apresentadas por Jorge Tomé na Comissão Parlamentar de Inquérito à resolução do Banco Internacional do Funchal.
Bruxelas queria "banco das ilhas"
A segunda fase é, para Jorge Tomé, a negociação com a Direção-Geral da Concorrência. Tomé revela que a Comissão Europeia propunha que o Banif fosse reduzido a “um banco das ilhas”. “Seria um banco com um balanço de três mil milhões de euros”, o que dificultaria o reembolso dos 1,1 milhões de euros ao Estado.
Excluída a proposta para que o Banif se limitasse a operar nos Açores e na Madeira, o ex-administrador explicou que a decisão foi procurar negociar com Bruxelas a criação de um catálogo de compromissos. Lamentaria, contudo, que “com a DG Comp nunca é bem uma negociação”.
Estas negociações foram “muito duras” e “criaram alguns problemas entre a comissão executiva do Banif e a Direção-Geral de Concorrência”. O último presidente do Banif diz que o documento foi aprovado por Bruxelas e que só por “má fé” e para “justificar o desfecho desastroso que teve o Banif” é que a DG Comp poderá dizer que nunca aprovou o catálogo de compromissos.
O ex-administrador classifica ainda de “mito” a ideia de que houve “oito planos de reestruturação”, defendendo que a apresentação de vários planos “é normalíssima”. Tomé considera esta uma “não questão” e afirma que dois dos três bancos recapitalizados tiveram igualmente várias versões do plano. “O Banco de Portugal não dava uns conselhozinhos. Fazia muitas alterações, sugestões e recomendações”
“Em abono da verdade e do rigor não houve oito planos. Houve verdadeiramente quatro planos”, afirma. O último foi apresentado a 18 de setembro de 2015, que Tomé classifica, “esse sim, de novo plano”, já que continha “uma estrutura bem diferenciada e disruptiva em relação ao de agosto de 2013” e não uma outra versão de um desenho anterior.
Jorge Tomé garante ainda que os planos só eram enviados para Bruxelas depois de serem aprovados pelo Banco de Portugal e pelo Ministério das Finanças: “O Banco de Portugal não dava uns conselhozinhos. Fazia muitas alterações, sugestões e recomendações”. O ex-administrador esclareceu ainda que o Estado tinha “dois representantes no Banif”.
Um deles tinha assento na comissão executiva e “assistia a todas as reuniões (...) Não houve nem poderia haver nenhum assunto aprovado pela comissão executiva que o Administrador do Estado não tivesse de acordo”.
Tomé aponta, por isso, que o administrador público tinha na prática direito de veto e “exerceu-o algumas vezes”. “Certamente muitas vezes exerceu-o e exerceu-o bem”, admite.
Ano de 2014 "nada positivo"
É com este quadro que o Banif chega a 2014. A “terceira fase” é recheada de “acontecimentos nada positivos” para o Banif, nomeadamente o colapso do BES, que teve um “impacto muito negativo” no banco de origem madeirense.
Jorge Tomé critica ainda a reestruturação do sistema financeiro português, sustentando que esta “não foi conseguida”: “Não se reestruturam bancos nem nenhuma empresa esquecendo-se da qualidade dos ativos e olhando apenas para os passivos”.
Jorge Tomé referiu ainda que, depois da tomada de posse da Comissão Juncker, Bruxelas fez tábua rasa nos compromissos e voltou a insistir na criação de um “banco das ilhas”. O ex-presidente informou ainda que o Banif já tinha “resultados positivos e consistentes” em 2015 e que estava a “crescer de mês para mês”.
O ex-administrador avança que houve no segundo trimestre uma tentativa de venda da posição do Estado que não teve sucesso, tendo então sido dado início à preparação do último plano de reestruturação.
Este previa a criação de um banco limpo e de uma instituição para os ativos de fraca qualidade. Seria ainda feito um aumento de capital de 250 milhões de euros para reembolsar a última tranche da ajuda estatal. Tomé garante que este plano foi defendido com “grande entusiasmo” pelo Banco de Portugal.
"Volte-face" e o "fenómeno TVI"
Mas deu-se então o que Tomé denomina de volte-face. O gestor afirma que o Banco de Portugal fez novas exigências ao Banif depois de uma reunião do Banco de Portugal com a Comissão Europeia em novembro de 2015.
Acabou por ser aberto um novo processo de venda da posição do Estado na instituição. Em dezembro de 2015, quando “parecia que estava a correr tudo normalmente”, a notícia da TVI “origina uma corrida aos depósitos no Banif”. Os dados do gestor revelam que o banco perdeu 960 milhões de euros em depósitos de 14 a 18 dezembro, o equivalente a 16 por cento da carteira. “Este episódio da notícia da TVI dita, em definitivo, a resolução do Banif por parte do Banco de Portugal”.
“Este fenómeno TVI deixa o banco numa situação muito precária de liquidez, obrigando o banco a recorrer às linhas de emergência de liquidez”, especifica. Tomé sublinha que é a primeira vez que o Banif recorre ao ELA.
“Este episódio da notícia da TVI dita, em definitivo, a resolução do Banif por parte do Banco de Portugal”, garante.
Jorge Tomé afirma que, mesmo com o episódio da TVI, foram feitas seis propostas de compra do banco, duas das quais imediatamente excluídas. Apenas continuaram em cima da mesa as ofertas da Apollo, JC Flower, Santander e Banco Popular.
Jorge Tomé clarifica que as propostas “não foram boas” e que não o poderiam ser em virtude do episódio TVI, do período do lançamento do concurso e do facto de o plano de reestruturação não estar aprovado pela DG Comp.
Na intervenção inicial, Jorge Tomé classificou ainda o caso do Banif Brasil de “filme de terror” e criticou o papel do Banco de Portugal no fim de 2015 neste dossier, tecendo elogios ao apoio “inexcedível” do banco central brasileiro.
Comissão de inquérito
Jorge Tomé foi ouvido depois de Marques dos Santos, o homem que assumiu as rédeas do banco depois do falecimento de Horácio Roque. Estas foram as duas primeiras audições da comissão de inquérito à resolução do Banif, pela qual deverão passar cerca de 60 personalidades.Tal como aconteceu no caso BES, os parlamentares tentam perceber os acontecimentos que levaram à queda do Banco Internacional do Funchal.
Entretanto, o presidente da comissão de inquérito fez saber que Vítor Gaspar não prevê vir a Portugal “nos próximos meses”. O ex-ministro das Finanças vive em Washington e manifestou disponibilidade em colaborar com os trabalhos, mas lembrou a “limitação” que tem face ao facto de residir no estrangeiro.
A Comissão Europeia mostrou-se disponível para enviar nos próximos dias os documentos solicitados pela Comissão.
Tal como aconteceu no caso BES, os parlamentares tentam perceber os acontecimentos que levaram à queda do Banco Internacional do Funchal.
A medida de resolução aplicada ao banco foi anunciada a 20 de dezembro, já pelo Executivo de António Costa, depois de anos de dificuldades amplamente noticiadas. Quando foi aplicada a medida de resolução, a maioria do capital do banco estava já nas mãos do Estado.
A medida de resolução passou pela venda de parte da atividade bancária ao Santander Totta por 150 milhões de euros. Os restantes ativos, incluindo os tóxicos, foram transferidos para a sociedade veículo Oitante. Uma medida que implicou uma injeção do Estado superior a 2,4 mil milhões de euros.