Mobilidade geográfica forçada inquieta sindicatos da Função Pública

O Governo está a preparar uma reformulação do enquadramento dos vínculos à Função Pública que passa, entre outras medidas, pela redução definitiva das remunerações por horas extraordinárias, pela introdução do banco de horas e por um novo regime de mobilidade geográfica que permita a transferência de trabalhadores, mesmo sem o seu acordo, para concelhos fora das áreas de residência. O objetivo é aproximar o Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas ao Código do Trabalho. Entre os sindicatos teme-se a perda de direitos.

RTP /
O Governo de Passos Coelho quer harmonizar as legislações laborais da Função Pública e do setor privado em matéria de remuneração de trabalho extraordinário e descanso compensatório Tiago Petinga, Lusa

As alterações que o Governo pretende introduzir ao Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas constam de um documento enviado nas últimas horas aos sindicatos. É o ponto de partida para conversações com as estruturas representativas dos trabalhadores da Administração Pública que têm início na sexta-feira. Em cima da mesa está um conjunto de medidas que visam harmonizar o enquadramento contratual da Função Pública com o que acontece no domínio privado.Em números

O mecanismo do banco de horas individual e grupal, consagrado no novo Código do Trabalho, prevê que um trabalhador ou um conjunto de profissionais possam acumular horas extraordinárias a compensar com extensão de férias, descanso ou remuneração.

Com o eventual alargamento do banco de horas à Administração Pública, um funcionário do Estado pode ver o seu período de trabalho diário acrescido em duas horas.

Quanto à remuneração de horas extraordinárias, prevê-se que o corte que entrou em vigor com o Orçamento do Estado para 2012 se torne definitivo - na primeira hora a remuneração é de 25 por cento e, nas horas subsequentes, de 37,5 por cento; aos fins de semana e feriados o acréscimo é de 50 por cento, contra os anteriores 100, e o trabalho extraordinário deixa de ditar descanso compensatório.

A eliminação do descanso compensatório e o corte para metade do pagamento do trabalho extraordinário estão vertidos no acordo tripartido assinado em sede de concertação social.



Nos planos do Executivo, que vão ser expostos aos sindicatos pelo secretário de Estado da Administração Pública, Hélder Rosalino, estão a introdução do banco de horas individual e grupal e o corte definitivo, para metade, do valor pago por horas extraordinárias, uma medida de austeridade que deveria vigorar apenas até 2013, na vigência do programa de resgate financeiro negociado com a troika. Mas também a supressão de quatro feriados já definida para o setor privado – Corpo de Deus, 15 de Agosto, 5 de Outubro e 1.º de Dezembro – e a introdução de um regime de mobilidade geográfica para “redistribuir recursos humanos” entre serviços de diferentes regiões.

“O Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) a Portugal determinou a implementação de um conjunto de medidas com impacto sobre a legislação referente ao emprego. Tais medidas não têm apenas impacto no setor privado da economia, tendo também naturalmente reflexos no âmbito do setor público administrativo, área relevante no total do emprego em Portugal”, sublinha o documento da Secretaria de Estado da Administração Pública, citado pela agência Lusa.

O setor público, assinala ainda o texto remetido aos sindicatos, “não se pode dissociar do funcionamento do setor privado”.

Para já, o Governo exclui alterações ao horário de trabalho da Função Pública, atualmente estabelecido em 35 horas semanais, contra as 40 horas do setor privado. Propõe, por outro lado, o alargamento do período de gozo de férias vencidas do ano anterior para 30 de abril e a aproximação dos regimes público e privado do direito a férias em caso de doença.

Outras propostas a discutir com os sindicatos passam pela extinção de 23 carreiras e categorias, entre as quais a carreira de regime especial de “especialista de informática” e a categoria de “consultor de informática”. Desaparecem ainda as categorias de “fiscal de mercados e feiras” e de “fiscal técnico de eletricidade”, passando os trabalhadores nestas condições para a carreira geral de assistente técnico.
“Uma forma de afastar os trabalhadores”
Com a introdução de um novo regime de mobilidade geográfica, o Governo propõe-se “criar uma figura que permita oferecer algum estímulo” à redistribuição de trabalhadores da Função Pública “entre um serviço com excesso de recursos e outro com escassez”. Com ou sem o consentimento dos profissionais e, eventualmente, para regiões fora dos atuais concelhos de residência.

A atual Lei de Vínculos Carreiras e Remunerações, nota o documento da Secretaria de Estado da Administração Pública, enquadra já o mecanismo da mobilidade interna, que “permite alguma mobilidade geográfica sem que se verifique o acordo do trabalhador, mas impõe limites que podem dificultar uma distribuição de recursos humanos mais ajustada às necessidades da Administração Pública”.

Para a coordenadora da Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública, “é muito grave” o que o Governo está a planear. A mobilidade geográfica, afirmou Ana Avoila à Antena 1, “é perigosíssima, tendo em conta que um trabalhador da Administração Pública que esteja em situação de mobilidade pode ir parar a outro sítio qualquer”.

“Nós temos o projeto, amanhã vamos ver o que é que o Governo pretende com isto, mas é muito grave. Porque as pessoas têm uma média etária alta, têm a sua vida feita nos sítios onde têm família e isso vai levar a situações muito, muito graves. É uma forma de afastar os trabalhadores da Função Pública, neste momento”, concluiu a sindicalista.
“Não podem querer que façam como o caracol”

Igualmente ouvido pela rádio pública, o presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), Bettencourt Picanço, apelou ao Governo para que “as normas” a introduzir “sejam razoáveis, responsáveis e motivadoras para os trabalhadores”.

“Não queremos que os trabalhadores sejam usados como qualquer outro utensílio e deitados fora quando não prestam”, advertiu.

“O que esperamos é que a mobilidade seja uma medida fundamental e necessária para construir a motivação dos trabalhadores e a satisfação das necessidades dos serviços em qualquer sítio. Mas não podem é querer que os trabalhadores façam como o caracol, que andem com a casa às costas por todo o país só porque o Governo entende que eles são necessários a norte e eles estão a sul”, acrescentou Bettencourt Picanço.

A Frente Sindical da Administração Pública (FESAP) remeteu para mais tarde uma reação às propostas do Executivo.
PUB