O euro, o dracma e o futuro: que cenários para a Grécia?

por Christopher Marques - RTP
Em caso de bancarrota, o cenário de saída do euro apresenta-se como o mais provável, mas há outras soluções que se apresentam como possíveis. Yannis Behrakis - Reuters

Quase seis meses depois do advento do Syriza ao poder, a Grécia enfrenta o sério risco de entrar em incumprimento. Sem acordo à vista e, consequentemente, sem liquidez, Atenas poderá declarar bancarrota. A partir daqui, é a incógnita. A via de saída do euro parece ganhar consistência, mas não é inevitável. Afinal, o cenário é de tal forma imprevisível que se multiplicam as hipóteses e a especulação sobre as consequências. Sem se saber, efetivamente, onde o caso irá parar.

Regressar ao dracma. Apesar de não ser a única solução, a hipótese de saída do euro ganha força em caso de bancarrota do Estado helénico. Não estando previsto nenhum procedimento para o abandono da moeda única - e não sendo inteiramente expectável que o Governo de Alexis Tsipras bata com a porta por vontade própria -, uma decisão deste tipo, prevê La Tribune, sairia das próprias instituições europeias. Teria de ser ponderada tendo em conta as consequências para a construção europeia, nomeadamente para Portugal.

"A incapacidade de alcançar um acordo marcaria o início de um percurso doloroso que conduziria inicialmente a um default grego, à saída do país da Zona Euro e, muito provavelmente, da União Europeia", aponta o Banco da Grécia, liderado pelo ex-ministro das Finanças no Governo de Antonis Samaras.

A saída do euro estaria em curso caso o Banco Central Europeu acabasse com as sucessivas extensões do ELA, o mecanismo de emergência do Banco Central Europeu, que tem assegurado a liquidez aos bancos gregos.

Fechada a torneira, os bancos helénicos ficariam sem dinheiro, o que poderia conduzir ao colapso do sistema bancário. O Governo grego instauraria então um controlo de capitais para evitar novas fugas de dinheiro e acabaria por recorrer à impressão de moeda para retomar o controlo da economia.



Fotografia: Yiorgos Karahalis - Reuters


Acabariam as únicas moedas de euro com letras em alfabeto não latino e com elas as moedas de dois euros helénicas, com a representação do rapto da princesa Europa pelo deus grego Zeus.
A vida pós-euro
No pós-euro, avizinhar-se-iam tempos conturbados. Perda de poder de compra, perda de investimento e dificuldades financeiras são hipóteses prováveis nos primeiros tempos. A longo prazo, o efeito até poderia ser positivo para as contas e exportações helénicas.
Forçado a restringir os movimentos de capitais após uma situação de incumprimento, o Governo helénico afastaria potenciais investidores estrangeiros, que teriam de voltar a ganhar confiança para investir por terras helénicas.
A população grega seria diretamente afetada. Inicialmente por uma redução dos seus próprios depósitos e poupanças, uma vez que o novo dracma teria um valor inferior ao que tinha a anterior moeda e à taxa de conversão então realizada para o euro.

Os depósitos seriam cortados, o que por sua vez reduziria o rendimento disponível, o consumo e as receitas fiscais. Com menos dinheiro a entrar nos cofres públicos, também o Governo de Atenas veria as suas contas piorarem fortemente.

O cenário apresenta-se como especulativo e, em economia, nunca nada é certo, com as projeções, extrapolações e folhas de Excel a mostrarem-se frequentemente incorretas. Mas é ainda provável que os preços aumentassem fortemente, face à necessidade do Governo helénico imprimir moeda para financiar os seus défices públicos, o que levaria a uma desvalorização ainda mais forte do dracma.

Situações de hiperinflação, como as que afetaram a Alemanha depois da I Guerra Mundial, poderiam verificar-se. A desvalorização da moeda complicaria ainda o acesso a produtos importados.Um futuro melhor
Caso o Governo helénico conseguisse resistir à impressão de moeda, poderia evitar um aumento de preços, mas teria de encontrar outra forma de financiar os seus défices públicos. Uma reforma da administração pública ou um aumento de impostos são hipóteses alternativas.

Mantém-se ainda em aberto um pedido de ajuda externa virado para oriente. China e Rússia poderão ser alternativas, numa atitude que mereceria o desagrado dos parceiros europeus.

Com um apoio financeiro da Rússia, Moscovo conseguiria um importante aliado num momento em que proliferam as sanções e que permanece presente o conflito no leste da Ucrânia.Além de um eventual financiamento externo, Atenas poderia contar com o seu turismo. A desvalorização da moeda tornaria o país mais atrativo para viagens, num país que já atualmente depende fortemente desta atividade.

Em 2013, o turismo representou quase nove por cento de todo o emprego na Grécia e contribuiu para mais de 16 por cento do seu PIB, revelam os dados do World Travel & Tourism Council.Maior liberdade, maior competitividade
A desvalorização monetária seria também uma forma de melhorar a competitividade externa de Atenas e aumentar as exportações, para além de o Governo grego voltar a ter o controlo da política monetária e o controlo incondicional da sua política orçamental. O Governo de Atenas poderia assim adequar estas políticas às suas necessidades, sem estar dependente, por exemplo, da política do Banco Central Europeu.

Vários economistas defendem que, apesar de poder apresentar um difícil período inicial, a saída da Grécia do euro acabaria por compensar. Num artigo publicado na edição de segunda-feira do Diário de Notícias, Wolfgang Munchau aposta que esta trará melhores resultados do que a mera cedência às exigências dos credores.

Atenas ficaria livre de “ajustamentos orçamentais lunáticos”, e entraria em incumprimento essencialmente com entidades públicas, de forma a recuperar mais rapidamente a confiança dos investidores privados, aponta. O editor do Financial Times admite que no primeiro ano as perdas seriam “substanciais”, mas mostra-se confiante que a economia recuperaria rapidamente.

A previsão de Munchau aponta para um cenário semelhante ao que ocorreu na Argentina. Em 2002, o abandono da fixação ao dólar por parte de Buenos Aires conduziu a uma forte desvalorização do peso.

O PIB argentino caiu mais de dez por cento e o desemprego ultrapassou os 22 por cento em 2002.

Um ano difícil mas que gerou posteriormente uma rápida recuperação. As exportações e o PIB cresceram, em média, mais de oito por cento ao ano entre 2003 e 2008, tendo o desemprego descido também rapidamente. Em 2008, a taxa de desemprego já estava abaixo dos oito por cento.

“Uma ressaca seguida por uma sobriedade certa”, usando a expressão deixada por Wolfgang Munchau no tribuna publicada no Diário de Notícias. Incumprir mas permanecer no euro
O cenário parece mais irrealista mas não deixa de ser possível. Vários economistas avançam com a possibilidade de Atenas entrar em incumprimento e permanecer mesmo assim na moeda única.

Os credores internacionais poderiam chegar a acordo para que Atenas se mantivesse no euro, apontam economistas ouvidos pela BBC. Consideram que um “default assistido” seria a melhor opção, com um eventual prolongar dos prazos de pagamento da dívida na calha. A permanência da Grécia no euro poderia mesmo coexistir com restrições nos movimentos de capitais, de forma a evitar a saída destes da península helénica. O Chipre, país da Zona Euro, restringiu estes movimentos em 2013.

Mesmo saindo da Zona Euro, nada impediria Atenas de continuar a usar o euro. Como sublinha The Guardian, o Vaticano, Andorra e o Kosovo usam a moeda única europeia sem fazer parte da Zona Euro ou da União Europeia, tão-pouco dispor de qualquer poder de decisão nesta.

A BBC relembra também que o português Vítor Constâncio, atual vice de Mario Draghi, sublinhou não haver legislação que obrigue à saída do euro no seguimento de uma bancarrota.

A saída do euro é, assim, uma possibilidade sem enquadramento no edifício legal da Zona Euro. Embora apontada como cada vez mais possível, é nesta fase largamente especulativa. Uma circunstância que não se alterou até ao derradeiro instante na antecâmara da reunião desta quinta-feira do Eurogrupo - o órgão que junta os ministros das Finanças dos países da moeda única.
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