Primeira sessão do parlamento polaco com rejeição de novo governo à vista

O parlamento polaco reúne a sua primeira sessão na segunda-feira, após as eleições legislativas de 15 outubro, mas o novo governo a ser proposto pelo partido vencedor, Lei e Justiça (PiS), deverá ser rejeitado por uma maioria da oposição.

Lusa /

A reunião do parlamento acontecerá depois de o Presidente polaco, Andrzej Duda, ter designado os conservadores populistas do PiS e o primeiro-ministro em funções, Mateusz Morawiecki, para formar governo na qualidade de partido mais votado.

O novo executivo não deverá porém resistir aos votos contra de uma aliança de forças de oposição, liderada pela Plataforma Cívica (PO), do antigo primeiro-ministro e ex-presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e que, juntas, têm 248 lugares do total dos 460 na câmara baixa do parlamento (Sejm) e um entendimento para uma alternativa de governação.

Eis alguns pontos essenciais sobre o provável fim de linha do PiS após oito anos no poder e virar de página na Polónia e dos seus 38 milhões de habitantes:

O PiS, liderado pelo dirigente histórico e vice-primeiro-ministro, Jaroslaw Kaczynski, confirmou o favoritismo e obteve 35,4% dos votos, mas não a maioria suficiente para um terceiro inédito mandato, face aos resultados combinados dos liberais do PO (30,7%), dos centristas católicos da Terceira Via (14,4%), e da Nova Esquerda (8,6%). Os ultrarradicais da Confederação ficaram-se pelos 7,2%, muito abaixo para um acordo de governo à direita.

O resultado esteve, no entanto, em aberto até ao último momento, tendo sido decisiva uma participação de 74,4% - um recorde no país, face aos 61,7% em 2019 - e a mobilização do eleitorado jovem e das mulheres.

Logo após o fecho das urnas e das primeiras projeções dos resultados, Donald Tusk declarou vitória, afirmando: "A Polónia venceu. A democracia venceu. Nós expulsámo-los do poder".

Analistas consideraram que foram as eleições mais importantes desde a queda do comunismo, em 1989, estando em jogo duas visões antagónicas, entre um programa europeísta, liberal e progressista do PO, ou a manutenção do PiS, acusado de controlo autocrático do poder judicial, do aparelho do Estado e do setor público da comunicação social, numa ideia de uma Polónia conservadora, patriótica e protecionista contra os "burocratas da União Europeia".

Na segunda-feira, o Governo em exercício apresentará a sua demissão e Morawiecki será proposto como candidato à chefia do novo executivo. Caso não seja eleito por maioria absoluta, o Presidente polaco terá duas semanas para designar outro responsável, que deverá ser Donald Tusk.

"Se o que [o Presidente] precisa saber é se há maioria, gostaríamos de informá-lo que sim, há", declarou na semana passada o líder do PO.

Até à aprovação do novo executivo, o atual governo permanecerá num papel interino.

O Presidente polaco, eleito pelo PiS, disse que as duas fações lhe manifestaram a convicção de formar governo, mas acabou por convidar o seu partido, o que foi criticado pela oposição como uma perda de tempo.

Esta terá sido a primeira de várias discórdias que se perspetivam entre a aliança de Tusk e Duda até às presidenciais em 2025, uma vez que as três formações de oposição não conseguiram um mínimo de 60% para reverter vetos presidenciais.

Antes das presidenciais, os polacos são chamados, já no próximo ano, a votar para eleições locais e europeias, o que será um teste de `stress` à coesão do futuro governo.

Os líderes dos partidos da oposição assinaram na sexta-feira um acordo de coligação que estabelece um roteiro para governar o país e existe um consenso de que Donald Tusk deve ser primeiro---ministro.

Mas do mesmo modo que a perspetiva de poder moldou o entendimento, também desencadeou rivalidades no futuro governo, sendo já conhecidas disputas pelas pastas da Economia, Agricultura, Ambiente e Energia, além do prestigiante cargo de presidente do parlamento.

O democrata-cristão Partido dos Agricultores da Polónia, que concorreu dentro da Terceira Via, será o mais conservador do grupo e o seu líder, Wladyslaw Kosiniak-Kamysz, chegou a ser sondado pelo atual primeiro-ministro para lhe suceder no cargo desde que o PiS continuasse a liderar o governo: "Não ligue mais, Mateusz [Morawiecki]. Temos um conjunto completo de ministros", respondeu nas redes sociais.

Apesar dos sinais de unidade, existem muitas diferenças entre os parceiros da "geringonça" polaca, numa aliança de coligações que envolve uma dúzia de partidos, também chamada "Frankenstein" político, e um dos temas que mais os divide é a despenalização do aborto, que está no programa do PO.

Um governo pró-europeu abrirá caminho para a Polónia melhorar os laços com o bloco - após Varsóvia ter desobedecido a Bruxelas sobre o bloqueio de cereais da Ucrânia e da rejeição do pacto migratório - e com vizinhos como a Alemanha, que se tornou num `saco de pancada` do nacionalista PiS.

Um dos maiores desafios será, porém, desbloquear acima de 35 mil milhões de euros que a UE congelou devido às mudanças do partido no poder no sistema judicial, que enfraqueceram a independência do poder judicial.

Logo a seguir às eleições, Donald Tusk apressou-se a viajar para Bruxelas para expressar à presidente da Comissão Europeia, Úrsula von de Leyen, que "a democracia, o Estado de direito, a liberdade de expressão e a unidade europeia continuam a ser muito importantes para os cidadãos polacos".

Apesar da convicção de Tusk de que as primeiras transferências poderão ser executadas já em dezembro, a totalidade daqueles fundos não começarão a fluir simplesmente porque haverá um governo diferente. Em primeiro lugar, precisa reverter as regras para o sistema judiciário e ultrapassar a oposição do PiS e de Andrzej Duda, que validou as mudanças.

A Polónia, membro da UE desde 2004, é frequentemente criticada, desde que a direita nacionalista chegou ao poder, por manter posições consideradas contrárias aos valores europeus, em matéria de imigração, igualdade de género, direitos LGBT e aborto.

As principais instituições polacas estão na mira da oposição, que já anunciou a substituição de altos funcionários e a liquidação de entidades ligadas ao governo cessante.

O Instituto da Memória Histórica, a televisão pública, o banco nacional ou o próprio Tribunal Constitucional são algumas das "casas que devem ser cuidadosamente limpas", nas palavras de Tusk.

Numa entrevista à televisão estatal, o líder do PO instou o seu interlocutor a procurar emprego porque os tempos da estação "estavam contados", e um líder da Nova Esquerda disse que os partidários do PiS que prosperaram como "gatos gordos" em cargos públicos deveriam começar a "arrumar as suas caixas de areia".

Um dos alvos mais claros é o Conselho Nacional de Radiodifusão, que durante os mandatos do PiS aplicou as multas mais elevadas da sua história à televisão privada TVN, muito crítica do PiS, e esteve quase a provocar o seu encerramento.

A Agência Anticorrupção é outro órgão que poderá desaparecer, depois de ter sido repetidamente acusada de atuar como polícia política, investigando ONG, associações feministas, inimigos políticos do PiS e, ocasionalmente, figuras caídas em desgraça dentro do governo.

Apesar dos temas económicos terem estado quase ausentes numa campanha centrada em questões ideológicas, o Ministério das Finanças polaco prevê um défice público de 6% do PIB em 2024, o dobro dos regulamentos europeus, o que poderá levar a um procedimento de défice excessivo e um período de ajustamentos sob o escrutínio de Bruxelas.

Esta circunstância complicaria os planos de despesa do novo governo de Donald Tusk, que na sua campanha eleitoral prometeu manter os subsídios sociais e aumentar os subsídios estatais.

O Estado ainda tem tempo e capacidade de manobra para reduzir o défice do próximo ano para 5%, mas o objetivo de 3% é quase inatingível.

Como atenuante, a dívida pública polaca, que ronda os 50%, destaca-se como um valor positivo, mas parece claro que o próximo governo terá de impor uma disciplina orçamental severa para limpar os cofres do estado, mesmo com a libertação dos fundos congelados por Bruxelas.

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