"Quase tudo falhou" no Banif, conclui relator da comissão de inquérito

por RTP
Lusa

O deputado do PS Eurico Brilhante Dias apresentou esta sexta-feira à comunicação social um rascunho para o projeto de relatório preliminar da comissão de inquérito parlamentar ao Banif. O relator diz que "os primeiros responsáveis" pelo que aconteceu ao banco foram os próprios administradores e acionistas, mas não isenta de responsabilidades o regulador, instituições europeias ou o Estado, enquanto acionista.

O deputado responsável pelo relatório final da comissão esteve esta sexta-feira mais de 30 minutos a apresentar aos jornalistas a versão provisória do texto, em conferência de imprensa na Assembleia da República.

"Eu diria que quando temos quatro mil milhões de euros de ajuda pública quase tudo falhou", advogou o deputado.

“A estratégia errada, uma supervisão que não pode antecipar, planos de reestruturação sistematicamente não aprovados, com erros”, são pontos que o relator destaca no evoluir da situação do banco e que conduziram à sua resolução.

Eurico Brilhante Dias foi questionado sobre a ação específica de Maria Luís Albuquerque enquanto ministra das Finanças, mas não quis colocar-se no “perímetro” conflituante do ponto de vista político e partidário. No entanto, realça que o Estado era acionista maioritário desde 2013. E sublinha que o “Estado não pode, como acionista, não assumir aquelas que são as suas responsabilidades que conduziram de facto o banco a uma circunstância em que tivemos de ter mais três mil milhões de euros de ajuda pública. E essa responsabilidade é do acionista e a tutela era do Ministério das Finanças”.

Eurico Brilhante Dias apresentou as conclusões que endereçou na noite de quinta-feira aos demais partidos com assento na comissão de inquérito e disse falar em nome próprio, apenas enquanto relator do texto, não enquanto dirigente e deputado do PS. Na segunda-feira a comissão de inquérito deverá apreciar o documento. A votação final, depois de eventuais alterações sugeridas, deve ocorrer dia 28 de julho.

Ao cabo de mais de uma centena de horas de audições, este primeiro rascunho faz a análise à sucessão de acontecimentos no Banif, divididos em três questões a que quis responder:
  • Como o Estado injetou 1.100 milhões de euros no banco em 2013;
  • Como foi possível que Portugal não tenha conseguido entregar em Bruxelas um plano de reestruturação aprovado entre 2013 e 2015;
  • O que conduziu à solução de resolução do banco em dezembro de 2015.
O relator destaca que os primeiros responsáveis pelo que aconteceu são os administradores do banco. Mas não se fica por aí. Analisa o papel do Banco de Portugal e do Estado. Conclui que a resolução do banco foi "uma solução má, porque pagámos todos, mas foi para evitar uma solução péssima em 2016, em que poderíamos pagar muito mais".
Parlamento europeu deve escrutinar
As instituições europeias são também visadas e motivo de uma recomendação para que o relatório da comissão de inquérito chegue ao Parlamento europeu.

O objetivo é que "as instituições europeias sejam escrutinadas quanto ao grau às vezes de arbitrariedade que parece transparecer de algumas decisões".

"A verdade é que temos muitas decisões nacionais absolutamente condicionadas, para não dizer, em algumas circunstâncias, impostas pelas instituições europeias. Depois não se pode dizer que a decisão cabe às instâncias nacionais quando se sabe que foi absolutamente condicionada pelas instituições europeias. Isso não é transparente", sublinhou Brilhante Dias, lembrando que a ação do Banco Central Europeu não pode ser escrutinada nesta comissão.

“Os primeiros responsáveis”
O relator elaborou o rascunho de relatório para responder a três perguntas: Como o Estado injetou 1.100 milhões de euros no banco em 2013; Como foi possível que Portugal não tenha conseguido entregar em Bruxelas um plano de reestruturação aprovado entre 2013 e 2015; O que conduziu à solução de resolução do banco em dezembro de 2015.

À primeira fase de análise sobre a razão porque o Estado teve de injetar 1.100 milhões de euros no banco em 2013, o deputado foi duro com os administradores e acionistas do Banco.

Falou de um “modelo de negócio insustentável com exposição setorial ao setor imobiliário”, diferente do resto do setor bancário, de um “sistema de controlo de risco, um sistema de informação e organização precários” e uma ausência de estrutura acionista que permitisse o reforço de capital que respondesse ao aumento das imparidades e novas necessidades regulatórias. Entre fevereiro de 2012 e novembro de 2012 as necessidades de capital passaram de cerca de 400 milhões de euros para 1.100 milhões de euros, argumenta.

"Os primeiros responsáveis pela circunstância a que chegou o Banif são aqueles responsáveis pela sua administração, os acionistas e responsáveis da administração que conduziram o banco até 2012. Um negócio insustentável com graves problemas procedimentais e sem uma estrutura acionista em 2012 capaz de suportar este embate", sublinhou, referindo-se ao programa de ajustamento português e ao cenário macroeconómico europeu.

“O que poderia ter feito o Estado?”, perguntou o relator.

A resposta: “A supervisão prudencial, sobretudo até 2010 foi ineficaz”.

“O que o senhor governador chamou de ‘light supervision’ não teve eficácia e, mais tarde, o Banco de Portugal considera que o Banif, ao nível do conjunto de procedimentos, Quando questionado o relator diz que não identificou falhas graves do governador do Banco de Portugal.está ao nível intermédio das melhores práticas. Se o Banif estava ao nível intermédio das melhores práticas, não sei o que diga das piores práticas”, realça.

"O supervisor foi construindo as soluções, mas não podemos deixar de concluir que a maioria foram soluções de emergência", considerou Eurico Brilhante Dias,

Críticas ainda à DG-Comp, o organismo que tutela a concorrência na Comissão Europeia e das imposições de restrição feita, aquilo que Eurico Brilhante Dias chama de “pecado original”. O relator diz que, quanto à necessidade de redução de ativos a DG-Comp na ordem dos 60 a 70 por cento, quando o Banco de Portugal falava de cerca de 23 por cento de redução de ativos. "Esta divergência nunca foi analisada", diz o relator garantindo que as autoridades portuguesas estavam perante um cenário difícil.

O risco de perder o estatuto de contra-parte no conselho de governadores levou à injeção de capital público, perante a ameaça de eventual ou provável liquidação do banco se não houvesse decisão do governo neste sentido.
Consecutivos planos de reestruturação com erros
Oito versões de planos de reestruturação apresentados em Bruxelas. Todos não aprovados.
O relator não tem dúvidas: “tinha erros, faltas de fiabilidade nos dados, estavam constantemente a mudar projeções. A DG-Comp teve sempre oportunidade de dizer que plano não era fiável, não era definitivo, que era de fraca qualidade”. Tempo em que Portugal enfrentou duas ameaças de abertura de procedimento de investigação aprofundada.

O relator falou da troca de administração decidida por Maria Luís Albuquerque foi uma perda de tempo. “Um atraso que a mesma sublinhou em audição”, diz Brilhante Dias.

O relator que considera que quando Portugal não respondeu a tempo abriu possibilidade de abertura de um procedimento de investigação aprofundada. A DG-Comp vem considerar que, mesmo com proteção de ativos, o banco teria valor líquido negativo. Em 17 de novembro de 2015, a DG-Comp dá “empurrão definitivo” no processo, como o relator lhe chama, quando numa reunião definiu os parâmetros claros para o banco, dizendo que o processo era "para fechar até final de 2015". O banco de Portugal chama a administração do banco nesse sentido.
Solução má, para não ser péssima em 2016
Eurico Brilhante Dias passou à análise do que levou à resolução do banco, a 20 de dezembro de 2015, já com o novo executivo PS em funções.

“Quando o novo governo toma posse, a 26 de novembro, o calendário estava fechado”, realçou o relator.

"Em 26 de novembro [de 2015] a situação era de urgência. Urgência é a única coisa concordante que consigo encontrar nas declarações de Maria Luís Albuquerque, Mário Centeno e Ricardo Mourinho Félix", disse o deputado relator, realçando as diferentes versões apresentadas.

“A situação precipita-se”, lembrando a notícia da TVI, a comunicação de não cumprimento de rácios de solvabilidade e a pressão do Banco Central Europeu, propostas sem valor líquido positivo para o banco entre outros fatores.

A solução de resolução do banco foi, para o relator, “uma solução má, porque pagámos todos, mas foi para evitar uma situação péssima em 2016, onde poderíamos pagar muito mais, com risco de termos depósitos acima de 100 mil euros a participar no processo".

“Portugal arriscava-se a ser o primeiro país da zona euro a ver um banco liquidado pelo mecanismo único de resolução”, sublinhou na conferência de imprensa.
“Só uma antecipação deste fenómeno teríamos evitado um calendário tão, tão apertado no final do ano”, sublinhou o relator.
O relator argumenta que o Banco de Portugal, diz o deputado responsável pelo relatório, "podia ter antecipado coisas que começou a dizer em abril de 2015", nomeadamente que o banco "tinha lacunas nos sistemas de informação e na forma como classificava os imóveis, que tinha lacunas com impactos materiais nas demonstrações financeiras".

"O supervisor foi construindo as soluções, mas não podemos deixar de concluir que a maioria foram soluções de emergência", disse.

Quanto ao Estado e ao Governo, considerou que eles funcionam como acionistas do banco desde a injeção pública de janeiro de 2013, e nesse sentido tinha a "responsabilidades de zelar pelo seu património", uma "dupla responsabilidade" porque é património de todos os portugueses. Criticou a falta de apresentação de uma nova versão de um plano de reestruturação em Bruxelas durante um ano, quando os dados económicos do banco pioravam em 2015.

Analisando as decisões do anterior governo, dados económicos, supervisão , Brilhante Dias vem concluir que “todos os elementos conduziram para que tivéssemos de tomar uma solução de resolução no limite, para não ter uma solução ainda pior em 2016. E essa é uma responsabilidade evidente do XIX Governo Constitucional. É uma responsabilidade acima de tudo pelas opções de gestão a partir do momento em que são confrontados em 2014, com a probabilidade de abertura de um procedimento de investigação aprofundado”. “Não significa que, necessariamente, o resultado fosse diferente, porque o banco estava numa situação muito difícil”.

"O decisor público, em 2012 e 2013, assim como em 2015, foi posto perante circunstâncias de emergência. E quando assim é, é porque não fomos capazes de antecipar grande parte dos efeitos", vincou Eurico Brilhante Dias.

“A maioria das soluções são de emergência, quando a casa está a arder (...) e aí temos de consumir mais recursos”, sublinhou, já em resposta às perguntas aos jornalistas. Eurico Brilhante Dias critica uma ação governativa sempre “no limite das circunstâncias” e o não ter conseguido, no período em que poderia ter uma ação mais preventiva, “foi a fase em que nenhum plano foi aprovado” e, entre novembro de 2014 e novembro de 2015, quando a situação do banco se degrada sem conseguir antecipar uma “solução que não nos encoste às últimas quatro semanas do ano”, conclui.

Na segunda-feira haverá uma reunião da comissão para a apresentação do relatório e depois haverá um dia para serem apresentadas as propostas de alteração antes da reunião de 28 de julho para a votação final do texto.

As audições da comissão de inquérito terminaram a 21 de junho com a presença no parlamento do ministro das Finanças, Mário Centeno.

Em 20 de dezembro, domingo ao final da noite, Banco de Portugal e Governo anunciaram a resolução do Banif, a venda de alguns ativos ao Santander Totta e a transferência de outros (muitos deles tóxicos) para a sociedade-veículo Oitante.

A operação surpreendeu pela dimensão do dinheiro estatal envolvido, que no imediato foi de 2.255 milhões de euros, o que obrigou a um orçamento retificativo.

A este valor há ainda que somar a prestação de garantias de 746 milhões de euros e a perda dos cerca de 800 milhões de euros que o Estado tinha emprestado em 2012 e que não tinham sido devolvidos.


Veja aqui, na íntegra, a conferência de imprensa de Eurico Brilhante Dias.
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