Quercus quer centrais fotovoltaicas fora das florestas e áreas sensíveis

por Nuno Patrício - RTP
Reuters

Portugal é por excelência um país com forte presença de luz solar praticamente durante todo o ano. Uma fonte energética natural cada vez mais aproveitada, através da instalação de grandes centrais fotovoltaicas um pouco por todo o território. Mas estas estruturas ocupam grandes áreas e colocam em causa ecossistemas, ameaçando destruir habitats naturais, alerta a Quercus.

Se por um lado estas centrais ajudam a eliminar outras fontes de produção energética mais poluentes, por outro a instalação no solo pode eliminar a criação de uma vasta área natural, sendo esta última uma forte potenciadora de armazenamento de carbono.

Para a Quercus, a promoção das energias renováveis faz todo o sentido, mas sempre que estejam associadas a critérios rigorosos de sustentabilidade, contribuindo para a descarbonização da produção da energia elétrica.

O problema é que esta associação ambientalista tem recebido diversas queixas de pessoas que se sentem lesadas pelo desenvolvimento de novas centrais fotovoltaicas de grandes dimensões, junto de localidades, em espaços florestais de conservação e produção, afetando os ecossistemas, a paisagem e a qualidade de vida das populações.

Domingos Patacho da Quercus diz que os potenciais licitadores dos leilões para a construção e instalação deste tipo de centrais procuram os lotes mais baratos e disponíveis, sendo que muitos estão inseridos em espaços florestais condicionados, como reservas ecológicas ou com outras vocações sem ser para aproveitamento de energia solar.

“A Quercus é claramente favorável á produção de energia renovável fotovoltaica, mas não pode ser instalada em qualquer local. Tanto que as áreas florestais no fundo servem como um grande sumidor do dióxido de carbono que existe na atmosfera. Acaba por ser um contrassenso estar a destruir áreas florestais para instalar painéis foto voltaicos”, explica Domingos Patacho.

Segundo a Direção Geral da Energia e Geologia (DGEG), de dezembro 2019 a novembro de 2020, a produção global de eletricidade a partir de fontes renováveis foi de 32.732 GWh, correspondendo apenas cinco por cento à energia fotovoltaica.

O relatório da proposta de Orçamento do Estado para este ano aponta para a entrada em funcionamento de mais de 700 MegaWatts proveniente de energia solar fotovoltaica, fruto de licenças atribuídas desde 2016, com o objetivo de atingir um total de 1,5 GigaWatts [1500 MW] com este tipo de energia em funcionamento no Sistema Elétrico Nacional (SEN) até final de 2021.

Mas a aposta nas energias renováveis não vão parar e, no Roteiro para a Neutralidade Carbónica até 2050, são apresentadas metas ambiciosas para o período de 2021 a 2030.

Neste documento, a intenção determina que dentro de nove anos (2030) pelo menos 47 por cento de energia consumida em Portugal seja proveniente de produção a partir de fontes renováveis.

Domingos Patacho refere que até existem regras que definem os parâmetros de instalação deste tipo de equipamento, mas, além de serem poucas, muitos dos candidatos à construção destes parques recorrem ao “mecanismo de exceção”, que salvaguarda este tipo de energia como sendo “compatível” com o espaço ocupado versus uso.

A questão, segundo a Quercus, é que, para atingir estas metas, não se pode destruir o território e a paisagem pulverizando gigantescos parques fotovoltaicos sem que tivessem sido devidamente acautelados os impactos, quando existem alternativas de localização com menores reflexos ambientais e que permitem o armazenamento do carbono na floresta e no solo.

Os pré-registos existentes à data de hoje apontam para os 15GW de potência nominal instalada, numa ocupação de solo de cerca de dez mil hectares até 2030. A questão essencial é que a área a ocupar deveria ser em zonas artificializadas ou degradadas e não inutilizando solos com capacidade agrícola ou florestal, que também contribuem para o sequestro do carbono.Quercus defende exclusão em áreas condicionadas e espaços florestais
Para o ambientalista Domingos Patacho, da Quercus, as centrais fotovoltaicas devem ser mesmo excluídas das áreas de Reserva Agrícola Nacional (RAN) e das Reserva Ecológica Nacional (REN), mas também das zonas de Regime Florestal, em Zonas de Proteção Especial para as aves selvagens e Zonas Especiais de Conservação da Rede Natura 2000, áreas de montado de sobreiro, azinheira, assim como em carvalhais e outros espaços florestais de conservação e de produção de serviços do ecossistema.

Acrescem a este pedido os impactos de novas linhas de transporte de energia, que vão obrigar ao corte de vegetação nos corredores de proteção com cerca de 50 metros de largura ao longo de quilómetros desde cada central licenciada até ao ponto de ligação à rede, para além da afetação sobre espécies de aves protegidas e da industrialização da paisagem rural.
Nova Central da Lupina no perímetro florestal de São Salvador
Esta questão da instalação de novas centrais fotovoltaicas está a preocupar a Quercus, porque a associação sente que não estão a ser salvaguardadas todas as directrizes ambientais e preservação do meio ambiente.

A Quercus aponta como “mau exemplo” o projeto da Central Fotovoltaica de Lupina, que está previsto para os terrenos baldios das freguesias de Mundão, Abraveses e Lordosa e da união de freguesias de Barreiros e Cepões, no concelho de Viseu.

Apesar de serem “terrenos baldios”, estas áreas estão submetidas ao regime florestal e integram o Perímetro Florestal de São Salvador, que está em cogestão com o ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e Florestas.

No estudo de Impacto Ambiental feito para este projecto fotovoltaico, com uma potência de 220 MW de potência instalada, numa área mais de 300 hectares, o promotor pretende a desflorestação, ocupada por pinheiro-bravo (cerca de 79 por cento), mas também ocupada por outras espécies da vegetação potencial como o carvalho-alvarinho numa zona com solos profundos, os quais são muito produtivos para o crescimento da floresta e consequente armazenamento do carbono a longo prazo.

Questionado pela RTP sobre se não é um contrassenso o Ministério do Ambiente e da Ação Climática estar a dar aval a novas centrais fotovoltaicas em locais protegidos por lei, Domingos Patacho refere que “o Ministério do Ambiente tem várias entidades diferentes. Tem a Direção Geral de Energia e Geologia, tem outras entidades mais ligadas ao ambiente e muitas vezes não é fácil a compatibilização. Mas Tem de haver essa coerência e por isso é que é importante que a sociedade discuta um pouco estes assuntos”.

A Quercus teve conhecimento de que o ICNF deu parecer desfavorável a este projeto e já solicitou informação para esclarecimento do processo, esperando que o Ministério do Ambiente e da Ação Climática não aprove a destruição da floresta, para um projeto de execução que nem sequer contemplou avaliação de alternativas de localização fora de áreas florestais.

Imagem do perímetro florestal de S. Salvador onde está previsto ser instalada a Central Fotovoltaica de Lupina (créditos Quercus)
Critérios de sustentabilidade para centrais fotovoltaicas
Do ponto de vista da Quercus, o Governo tem de melhorar a regulamentação da atividade de instalação de centrais fotovoltaicas e infraestruturas associadas a este tipo de produção, sob risco de estar a forçar alterações e compatibilizações com o ordenamento do território, gerando contestação social, como se regista no caso da Central Fotovoltaica de Lupina.

Para a Quercus, a necessidade do desenvolvimento das energias renováveis, como a solar fotovoltaica, faz todo o sentido, mas as políticas nesta área devem apostar no fomento da produção de energia elétrica renovável em autoconsumo no setor residencial, industrial e serviços.

Segundo Domingos Patacho, há alternativas às grandes centrais fotovoltaicas, que são menos impactantes sobre o território e sobre as pessoas, como por exemplo promover as novas centrais em zonas industriais devidamente planeadas nos Instrumentos de Gestão do Território, assim como a instalação de módulos fotovoltaicos nas coberturas de edifícios públicos, de fábricas existentes e a substituição de coberturas com fibrocimento de fábricas e armazéns antigos.

Também a ocupação de terrenos degradados, como antigas explorações de inertes ou áreas com solos esqueléticos improdutivos, são preferíveis à proliferação desregrada de grandes centrais que afetam a paisagem e os solos, inviabilizando terrenos férteis para agricultura e floresta.

Para a associação ambientalista, o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, através da DGEG, no lançamento dos próximos leilões solares, deve integrar no processo de licenciamento, critérios de sustentabilidade que salvaguardem as condicionantes de ordenamento do território, de conservação da natureza e a paisagem.

A Quercus destaca que nos últimos leilões solares os lotes adjudicados foram privilegiadas regiões ou áreas onde já existem Subestações da Rede Nacional de Transporte ou Rede Nacional de Distribuição de energia eléctrica, em detrimento do local ou área a desocupar.

"Esta questão e outras questões associadas ao regime de remuneração garantida aplicável à energia elétrica produzida nos centros electroprodutores fotovoltaicos decorrentes dos leilões solares, atraem grandes grupos de energia e financeiros, que desvirtuam a bondade das intenções e pressionam o território agroflorestal a deixar de produzir, para desenvolverem o seu negócio", defende a Quercus.
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