Rendas excessivas. Comissão conclui que houve favorecimentos

A versão preliminar do relatório da Comissão de Inquérito às Rendas Excessivas, a que a RTP teve acesso, conclui que há rendas excessivas e que estas advieram do favorecimento aos produtores de eletricidade entre 2002 e 2008 por parte de três diferentes governos. Durante esse período, elementos dos gabinetes ministeriais de Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates trabalharam em conivência com a EDP, conclui o relator.

RTP /
Eloy Alonso - Reuters

O relatório preliminar da Comissão de Inquérito às Rendas Excessivas da EDP, elaborado pelo deputado do Bloco de Esquerda, Jorge Costa, ainda não é definitivo, uma vez que terá de ser discutido com os partidos e votado, mas aponta culpas a três diferentes governos pelas rendas excessivas existentes.

O documento de 199 páginas conclui, por exemplo, que o antigo ministro da Economia, Manuel Pinho, e o seu assessor, Rui Cartaxo, trabalharam em claro favorecimento e conivência com a EDP.

A comissão de inquérito refere ainda que "foram apurados factos sobre a atuação de Manuel Pinho e João Conceição" remetidos à Procuradoria-Geral da República. 

O documento conclui inclusive que os sucessivos governos permitiram a não realização de concursos para a “extensão e conservação pela EDP de uma vantagem estratégica”, nomeadamente ao manter o “monopólio da produção hídrica em Portugal”.

Na intervenção do Governo tiveram um papel decisivo os assessores do ministro da Economia, Carlos Tavares, e do secretário de Estado, Franquelim Alves, Ricardo Ferreira e João Conceição.

Também Rui Cartaxo, adjunto de Manuel Pinho, teve “grande influência no processo de avaliação da extensão do domínio hídrico”.

Sobre o adjunto, o relatório assinala que este “manteve um fluxo permanente de informação com a EDP”.

“Rui Cartaxo preparou diretamente com a cúpula da EDP os termos do aconselhamento desta empresa ao ministro Manuel Pinho, que Cartaxo assessorava, e que informou a EDP do andamento das diligências para a contratação das entidades bancárias a quem foram encomendadas pelo Estado avaliações do valor da extensão da utilização do domínio hídrico”, pode ler-se no relatório preliminar.

Num capítulo concreto sobre a REN, o relatório conclui que os consumidores de eletricidade “pagaram cerca de 330 milhões de euros à REN, a título de custo de interesse económico geral, para remunerar a posse pela empresa de terrenos do domínio público”. Ora, de acordo com o mesmo documento, “não haveria justificação para a remuneração da REN - empresa 100% estatal - pela detenção deste ativo público”.

“A introdução desta remuneração teve como única justificação a valorização da REN na perspetiva da privatização parcial da empresa, que teve lugar em 2007”, assinala o relator.

Sobre a produção de energia em regime especial, o relator conclui que “após quase duas décadas do início da produção renovável em Portugal, pode concluir-se que os consumidores de eletricidade estão a pagar na fatura um sobrecusto muito significativo”.

O sobrecusto excessivo resulta, segundo o relatório, de “decisões políticas tomadas por vários governos”.

“As altas taxas de rentabilidade no setor tiveram um forte impacto na fatura dos consumidores domésticos, sobre quem recai o sobrecusto da Produção em Regime Especial”, pode ler-se no documento.
"Porta giratória"

Ainda sobre o papel de vários intervenientes no caso das rendas excessivas, o relator conclui que houve “uma equipa de quadros altamente qualificados e com experiência partilhada numa consultora que apoiava em permanência a EDP” a migrar entre 2002 e 2004 “para posições de importância crítica no momento da elaboração do novo quadro legal do setor elétrico”.

É dado o exemplo dos assessores Ricardo Ferreira e João Conceição, envolvidos na preparação de legislação, negociação com as partes interessadas e com as instituições europeias, no aconselhamento de responsáveis de Governo, de Miguel Barreto, na liderança do órgão administrativo que tutela a Energia, a DGEG, e ainda Pedro Rezende, no Conselho de Administração da EDP.

“O trânsito de Ricardo Ferreira do gabinete do ministro Carlos Tavares para um lugar de direção na EDP foi abordado (…) como um exemplo da ‘porta giratória’ entre lugares de grande influência/decisão política sobre determinado setor e cargos de responsabilidade em grandes empresas desse mesmo setor”, sublinha o relator.

O caso de Rui Cartaxo, assessor de Manuel Pinho no governo PS e que viria a ocupar lugares de topo na REN, apresenta características semelhantes, refere ainda o documento.

“O caso de João Conceição tem contornos especialmente graves, sublinhados pela sua entrega à REN de informação errada, nomeadamente um currículum vitae que omite a sobreposição da presença nos quadros da BCG com a assessoria no Ministério da Economia, bem como a passagem pelo Millennium BCP. A omissão destas informações revela a consciência da situação de incompatibilidade em que João Conceição se encontrou ao longo dos dois anos em que desempenhou funções de assessor do ministro Manuel Pinho”, lê-se no documento.

O relator aponta que esta incompatibilidade “não podia ser do desconhecimento de João Manso Neto e António Mexia, porquanto a EDP participou em reuniões regulares” em que “a representação do Ministério da Economia estava a cargo de João Conceição, então remunerado pelo Millennium BCP”.
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