Com Mortágua na liderança. BE procura voltar a integrar maioria de esquerda

O Bloco de Esquerda apresenta-se nestas eleições legislativas com um novo rosto na liderança. Esta será a primeira verdadeira prova de fogo para Mariana Mortágua, que procura arrecadar mais votos para o partido, que nas últimas eleições não só falhou o objetivo de se manter como terceira força política, como viu perder 14 assentos parlamentares. A líder bloquista abriu a porta a uma nova "Geringonça", defendendo que "o único cenário de uma maioria estável é de uma maioria à esquerda".

As eleições legislativas de 10 de março são uma estreia para Mariana Mortágua enquanto líder de um partido. A economista sucedeu a Catarina Martins na liderança do Bloco de Esquerda em maio do ano passado, depois de a ex-líder ter anunciado que não iria renovar a sua candidatura.

Mortágua herdou um BE em queda e tem nestas eleições a sua primeira prova de fogo, já que o partido, nas últimas legislativas, sofreu uma dura derrota e caiu para sexta força política, depois de ter passado de 19 deputados na Assembleia da República para apenas cinco.


Na altura da tomada de posse para a liderança do partido, Mariana Mortágua criticou o “vexame” e a “maldição” da maioria absoluta de António Costa. Hoje, as críticas à maioria absoluta mantêm-se, com a líder bloquista a afirmar que as maiorias absolutas degradam o país.

A líder do BE criticou recentemente o PS por andar “entretido a discutir as condições para viabilizar um governo de direita” e deixou um aviso: “Se o PS se entretém a discutir as condições para viabilizar um governo de direita, o Bloco de Esquerda cá está para impedir esse governo, pois só uma maioria com a esquerda pode resolver o salário, a saúde e a habitação”.

Apesar de as sondagens apontarem para um cenário oposto, a bloquista mantém-se confiante de que será a esquerda a formar Governo na próxima legislatura. E relembrando os tempos da ‘Geringonça’ como uma “governação que cumpriu aquilo que prometeu”, a economista mostra vontade de governar com o PS e não dar espaço à direita para o comando do país.

Durante o debate com Pedro Nuno Santos, os dois líderes de partidos que fizeram parte desta solução governativa criada em 2015 não disseram que não a um futuro entendimento para a governação caso o PS fique em primeiro lugar no próximo dia 10 de março, mas sem maioria absoluta.

Mariana Mortágua sublinhou que o PS e o BE têm “uma responsabilidade que é virar a página das políticas da maioria absoluta na habitação, na saúde e no salário”.

Estes são, aliás, três dos pilares no programa eleitoral do BE, intitulado “Fazer o que nunca foi feito”.
O que propõe o BE para os vários setores?Habitação
A líder dos bloquistas culpa o PSD por ser responsável pela crise neste setor após ter aprovado a lei ‘Cristas’ “para subir as rendas e que permitiu despejos”, e aponta também o dedo ao PS “que manteve essa lei cruel, embora a tenha criticado nessa altura”.

No programa eleitoral, o partido argumenta que a particular gravidade da crise habitacional em Portugal é explicada pela “promoção do turismo de massas e do turismo habitacional de luxo, com o regime do Residente Não Habitual ou os Vistos Gold; a liberalização do mercado do arrendamento; a proliferação desenfreada do Alojamento Local; ou os incentivos fiscais aos fundos de investimento imobiliário”.

Por este motivo, o BE defende que para baixar os preços das casas “é necessária a intervenção do banco público na quebra dos juros, a fixação de tetos para baixar as rendas, a proibição da venda de casas a não residentes e a limitação do seu desvio para alojamento turístico”.

Para dar resposta ao problema, o BE propõe, em primeiro lugar, que sejam criados tetos máximos às rendas e à sua atualização e concedidos subsídios ao arrendamento. Ainda no arrendamento, defende a reintrodução de um prazo mínimo de cinco anos para os contratos de arrendamento, a inclusão da caução no Porta 65 e o combate aos despejos, nomeadamente através da revogação da lei ‘Cristas’.

O BE defende ainda que a Caixa Geral de Depósitos (CGD), como banco público, “deve usar a sua posição dominante no mercado para aplicar uma política de juros baixos que leve à redução" dos custos com o crédito. Em paralelo, defende o aumento da contribuição sobre o setor bancário, devendo a parcela que resultar deste aumento ser canalizada para financiar políticas de habitação.

Para aumentar a oferta de habitação, os bloquistas propõem que 25% da nova construção seja canalizada para o arrendamento acessível, a mobilização imediata de casas devolutas do Estado para habitação a custos acessíveis, a proibição de venda de casas a não residentes, suspensão de emissão de novos títulos para empreendimentos turísticos em zonas de pressão habitacional até 203 e limitar o alojamento local.

O partido defende ainda uma reforma fiscal, propondo o aumento de três para oito anos da isenção do IMI, a redução em 50% das taxas do IMT, a eliminação dos benefícios fiscais (em IRC, IMT e IMI) a fundos de investimento imobiliário e um regime de tributação das mais-valias imobiliárias que taxe mais as operações especulativas.
Saúde
O Bloco de Esquerda considera que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) “foi vítima do desgoverno do PS” e defende, por isso, que é necessário reformar e reconstruir o SNS, com mais investimento, melhores condições para atrair e fixar os profissionais e o desenvolvimento das suas competências.

Para os profissionais de saúde, o BE propõe a revisão de todas as carreiras e posições remuneratórias, bem como a criação de um “regime de exclusividade, com majoração de 40% sobre o salário, sem prejuízo de suplementos previstos na lei, e de 50% nos pontos para progressão na carreira”.

O partido defende ainda o estabelecimento de um enfermeiro e técnicos auxiliares nas equipas de saúde para cada família, o alargamento das zonas carenciadas e dos incentivos associados, a contratação de médicos dentistas, psicólogos e nutricionistas em número suficiente

Propõe ainda o reforço da comparticipação de medicamentos, óculos e aparelhos auditivos, incluindo a remuneração a 100% de medicamentos para pessoas com rendimento inferior ao salário mínimo nacional.

No seu programa, o partido propõe também a abertura imediata de concursos para contratar o pessoal necessário e a redução para as 12 horas do horário semanal de urgência exigido aos médicos, libertando o restante tempo para consultas e cirurgias, para que estas “se realizem a tempo e horas”.
Trabalho, salários e pensões
No seu programa de 274 páginas, o Bloco apresenta propostas para “a recuperação real dos salários e pensões e para a modificação do regime social”, através, nomeadamente, da “redução do tempo de trabalho, limitação das disparidades de rendimento nas empresas, combate à precariedade, novas formas de financiamento da segurança social, melhor combate à pobreza”.

Entre as principais propostas está o aumento do salário mínimo para os 900€ já este ano, com aumentos anuais correspondentes ao efeito da inflação adicionado de 50 euros. Desta forma, “garante-se o ritmo de aumentos reais, sem corrosão pela inflação”.

Ainda a nível salarial, os bloquistas propõem a reposição dos montantes e dos períodos de concessão dos subsídios de desemprego do período pré-troika e o aumento da parte dos salários na repartição da riqueza para mais de metade do PIB até ao final da legislatura

Nas pensões, o BE quer alterar as regras de atualização, integrando no cálculo os valores do crescimento económico e da inflação. O objetivo é garantir que nenhuma pensão perde poder de compra, bem como aumentar o valor mínimo das pensões.

Propõe ainda aumentar o valor mínimo das pensões, “de modo a garantir que, independentemente dos apoios e dos complementos sociais, o valor das pensões de carreiras contributivas com 20 ou mais anos de descontos fica sempre acima do limiar de pobreza”.

Defende também a reforma antecipada para pessoas com 15 ou mais anos de descontos com incapacidade igual ou superior a 60% e o recálculo das pensões de quem tem mais de 40 anos de descontos, bem como das pensões dos regimes de desgaste rápido, para eliminar do seu valor o corte do fator de sustentabilidade.

O alargamento do acesso ao Complemento Solidário para Idosos (CSI), elevando o seu valor de referência a ser calculado a partir do valor do limiar da pobreza, com 14 prestações por ano e eliminando a norma que contabiliza os rendimentos dos filhos para acesso a esta prestação social é outra das propostas.

Para combater a pobreza, o Bloco propõe ainda que o valor de referência do Rendimento Social de Inserção (RSI) deve ser equiparado ao Indexante de Apoios Sociais (IAS) e defende o reforço das prestações de desemprego, retomando o salário mínimo nacional como referência do valor mínimo do subsídio de desemprego contributivo (e não o IAS).

O BE sugere também a criação de uma nova prestação social que unifique os apoios não contributivos. Numa primeira fase, este “Rendimento Social de Cidadania” deve abranger casos que não estão abrangidos pelas prestações de desemprego e pelo RSI, por exemplo, e numa segunda-fase, absorveria o RSI e o Subsídio Social de Desemprego. Em suma, esta nova prestação social “funcionaria como uma prestação diferencial capaz de garantir que ninguém fica abaixo do limiar de pobreza”, explica o partido.

A nível laboral, o partido defende o reforço das medidas de fiscalização e combate ao trabalho ilegal e de defesa da igualdade salarial e de direitos para os trabalhadores migrantes. Propõe ainda restringir a contratação a prazo apenas às situações de substituição temporária e de pico ou sazonalidade de atividade, eliminando as exceções legais que permitem a sucessão de contratos a termo, e incluir um critério de exclusão de empresas com situações precárias irregulares em qualquer contrato com o Estado.

No seu programa, o BE propõe ainda que sejam definidos “leques salariais de referência”, nos setores público e privado, para combater as desigualdades salariais, e que a lei passe a consagrar o subsídio de alimentação para todos os trabalhadores e do privado, com valor mínimo igual ao do setor público.

O partido defende ainda a redução progressiva do horário de trabalho, fixando por lei, nesta legislatura, o período normal de trabalho nas 35 horas, no máximo.
Justiça
Na Justiça, o Bloco propõe “um novo paradigma: um Serviço Nacional de Justiça assente nos princípios da gratuitidade no acesso, da proximidade dos serviços de justiça e dignificação dos seus profissionais”.

No programa do BE consta a elaboração de uma Lei de Bases da Justiça que consagre um Serviço Nacional de Justiça, a criação de uma entidade inspetiva para autarquias, o reforço de meios da Entidade de Contas e Financiamentos Políticos, da Autoridade Tributária e da PJ, bem como a valorização dos oficiais de justiça (respondendo às suas reivindicações), dos oficiais dos registos, dos profissionais das prisões e de reinserção social, e dos advogados oficiosos.

Um traço distintivo do programa do partido para este setor é a atenção à área de família e menores, com a proposta de criação de secções da família e da criança nos tribunais superiores e de um corpo de peritos nos quadros permanentes dos tribunais de família, além de formação específica dos magistrados e da proposta de criação do provedor da criança, uma ideia comum a diversos partidos.

Do ponto de vista de justiça fiscal, os bloquistas apresentam também várias propostas, como a criminalização do enriquecimento ilícito (com o confisco dos bens e a taxação a 100%), a entrada em vigor do fim dos vistos gold, a criminalização do recurso a serviços de entidades ‘offshore’, o reporte e a tributação de criptoativos e a fiscalização efetiva do património e dos rendimentos dos titulares de cargos políticos/públicos, alargando a obrigatoriedade de declaração até gabinetes ministeriais.

O partido propõe ainda a revisão de todo o sistema de benefícios fiscais, bem como a eliminação de isenção de IMI aos imóveis detidos por partidos políticos e por misericórdias.

Dentro do vasto leque de propostas está também a redução do IVA da eletricidade e telecomunicações para 6% e do cabaz de alimentos essenciais para 0%.

No IRS, os bloquistas propõem a atualização da dedução específica dos atuais 4.104 euros para 4.686 euros e a introdução do englobamento obrigatório de todos os rendimentos para quem atinge os dois escalões superiores do IRS.
Educação
Outro dos setores que atravessa uma crise e que merece a atenção do Bloco de Esquerda é a educação.

A recuperação do tempo de serviço foi uma das principais reivindicações dos professores nos últimos dois anos e surge em primeiro lugar na lista de propostas do programa eleitoral do BE, seguindo-se a reposição de todos os professores na carreira a partir da contagem integral do tempo de serviço, tendo como único critério o tempo de serviço e a graduação profissional.

O BE responde também a outra das reivindicações dos professores: a eliminação da vaga de acesso aos 5.º e 7.º. O partido defende também a atribuição de compensações a professores deslocados e a implementação de um regime temporário de antecipação da aposentação de professores com idade próxima da reforma – uma medida de adesão voluntária e que deve incluir a possibilidade de reconversão de tempo de serviço ainda não contabilizado em antecipação da reforma.

No serviço escolar em concreto, o Bloco defende a revisão da organização dos ciclos e do calendário escolar, bem como o fim das provas nacionais do 9.º ano e da realização de provas de aferição de uma forma universal, passando a ser realizadas por amostragem.

Com o objetivo de aumentar a oferta de alojamento estudantil, o BE propõe a reconversão de edifícios públicos que não estejam a ser utilizados e a assinatura de protocolos com o setor hoteleiro e do alojamento local para a disponibilização de quartos a preços controlados e a “requisição de imóveis afetos ao alojamento local ou alojamento utilizado com fins turísticos, priorizando as habitações detidas por proprietários com elevado número de imóveis em alojamento local/turístico”.

Ainda no ensino superior, o Bloco defende também a fixação de um teto máximo nas propinas dos mestrados e doutoramentos
Clima
Para responder à crise climática, o Bloco de Esquerda também apresenta várias propostas. Em vez de medidas que considera que “castigam a população”, como a polémica medida do aumento do IUC, o BE propõe criar “alternativas em áreas da economia incompatíveis com o planeta”, como interditar jatos privados, garantir a completa eletrificação dos navios cruzeiro e limitar a sua permanência nos portos nacionais.

Os bloquistas pretendem também dar prioridade à criação de emprego em setores que reduzam as emissões e regulamentar a Lei de Bases do Clima e reforçar a sua ambição, antecipando a data para a neutralidade climática.

A taxação dos lucros excessivos das petrolíferas, a descarbonização dos modos de transportes, com soluções ferroviárias ao nível dos transportes urbanos, suburbanos e sub-regionais, e a criação de zonas centrais de grande restrição à circulação automóvel nas grandes cidades são outras das propostas.

Garantir justiça climática na resposta às alterações climáticas, com prioridade à criação de emprego em setores que reduzam as emissões

A aposta nos transportes públicos para reduzir as emissões é outras das estratégias do BE. Nesse âmbito, os bloquistas defendem a construção de novas acessibilidades ferroviárias em vários pontos do território, bem como a descarbonização dos modos de transportes.

O partido defende ainda a gratuitidades dos transportes públicos para jovens até aos 25 anos, pessoas com 65 ou mais anos, pessoas com deficiência, beneficiários de prestações sociais e desempregados de longa duração e a redução do preço dos passes dos transportes coletivos de passageiros para 15 euros e de 20 euros, respetivamente, para passes municipais e intermunicipais de transportes públicos.