Filme "Casa de Antiguidades" de João Paulo Miranda é uma metáfora do Brasil
O cineasta brasileiro João Paulo Miranda Maria apresenta, no festival Curtas Vila do Conde, o filme "Casa de Antiguidades", primeira longa-metragem da carreira, uma metáfora para o Brasil atual e para o lado ultraconservador do país.
"Casa de Antiguidades", que foi o filme de abertura do Curtas Vila do Conde, fez parte da seleção oficial do festival de Cannes, que não se realizou, mas apresentou os filmes que fariam parte da programação, e passou também por Toronto, na estreia em formato mais longo, do cineasta brasileiro nascido em 1982.
Antes, as `curtas` que dirigiu, como "Command Action" (2015) e "A moça que dançou com o Diabo" (2016), valeram-lhe vários prémios internacionais, entre os quais uma menção especial em Cannes. A norte-americana Variety refere-se agora à nova obra como um dos favoritos à nomeação para o Óscar de melhor filme internacional.
"Esta história começou num sonho, em que me via a mim mesmo, mais velho, num lugar desconhecido. Encontro uma casa abandonada e tinha pertences da minha infância, a história dos meus pais, e depois de outras gerações, que eu já não sabia quem eram. Era uma mistura de elementos da minha história particular com a de outros", conta o realizador.
Começou a escrever o argumento. E, já em 2015, trabalhava nele, a imaginar a personagem "diante de um Brasil que não conhece, mas onde estranhamente está escondida, guardada" uma parte de si.
"Para mim era muito importante fazer uma síntese da minha história, também. Venho de uma cidade no interior de São Paulo, que não é exatamente a região do filme, mas de certa forma parecida, por ser tradicional, conservador, católico. Estudei numa escola alemã muito rígida e tudo ficou enraizado", conta.
Essa experiência pessoal passou para este contacto do protagonista com um "Brasil muito desconhecido, com raízes europeias tão fortes", no caso de descendência austríaca, fruto do êxodo, "real", do início dos anos 1940 - "refugiados e pessoas que fugiram da Guerra na Áustria e na Alemanha, muitos deles do lado nazi", que vieram formar uma cidade no sul brasileiro.
Assim, chega ao Brasil de hoje, presidido por Jair Bolsonaro. "Várias situações deram-me a ver esse lado conservador da sociedade brasileira que muitos não conhecem, e que fica muito mais evidente com Bolsonaro; a existência desse movimento conservador que já existia muito antes dele, mas não tinha um lugar, uma permissão, como está a ter agora com esse governo", atira.
O resultado do filme é "quase um retrato alegórico", que vai estrear-se no Brasil a 19 de novembro, e cujo elenco é encabeçado por Antonio Pitanga, que já tinha entrado no único filme brasileiro distinguido com a Palma de Ouro, em Cannes, "O Pagador de Promessas" (1962), dirigido por Anselmo Duarte.
Nesta "Casa de Antiguidades", fisicamente numa casa abandonada que pertenceu a um polícia da Alemanha nazi, encontra-se um "Brasil muito diferente, no sul, mas frio", sem a "visão tropical do costume", que serve como "uma metáfora para o Brasil de hoje", colocando a tónica neste movimento "que vai ao fascismo, que é conservador, intolerante, racista, com vários preconceitos, e machista".
Esses "monstros", explica o realizador, estavam "guardados nos armários" e são, afinal, "pessoas muito próximas, familiares e amigos".
O filme foi bem recebido, afirma, e na comunidade em que foi filmado, no sul, numa zona "em que 98% das pessoas votaram Bolsonaro" nas últimas eleições, esses habitantes fizeram parte do filme e muitos ficaram "com outra mentalidade", sobre o lado ultraconservador.
"Começaram a ver [tudo] por outro ponto de vista. A própria realização do filme já provocou uma mudança. [Na estreia] as pessoas vão começar a falar e a reagir ao filme", acrescenta.
João Paulo Miranda tem já mais dois projetos de longas-metragens, um deles no Brasil, filmado na Amazónia, numa zona com personagens que falam espanhol, português, e também índios, com várias línguas".
"Esse filme será sobre um novo Messias. É uma luta pela revolução, pela Amazónia, pela Natureza, como se a Natureza respondesse e procurasse vingança. O meu desafio é trazer a força da Natureza ao filme. (...) É também um sonho, que vem do meu pai, que morreu em dezembro de 2017, que tinha uma visão de alguém que recebia uma mensagem para passar às pessoas", revela.
Também esse projeto "será polémico e muito forte", colocando como novo Messias "um índio, que não acredita, ao início, que é índio, e vê-se como branco".
Depois, outro filme futuro é "sobre a presença do Demónio na modernidade", todo rodado e pensado para os Estados Unidos, que descreve como um projeto "muito ambicioso, universal", a partir de uma história que está a escrever.
A 28.ª edição do Curtas Vila do Conde decorre até domingo, naquela cidade do distrito do Porto, com um total de 261 filmes entre secções competitivas e não competitivas.
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