A adesão da Finlândia e Suécia à NATO explicada

Finlândia e Suécia entregaram oficialmente o pedido de adesão à NATO. As embaixadoras dos dois países em Portugal defendem que a mudança de estratégia beneficia a segurança em toda a União Europeia.

O pedido foi entregue em mãos, em Bruxelas. Os embaixadores da Finlândia e da Suécia à NATO formalizaram, no dia 18 de maio, a intenção já anunciada pelos respetivos governos.

Jens Stoltenberg, recebeu os documentos. “É um passo histórico”, disse o secretário-geral da Aliança Atlântica.

 “Sim, é uma decisão histórica, não há qualquer dúvida”, reforça Satu Suikkari-Kleven, na residência oficial da Embaixada da Finlândia em Portugal. A invasão russa à Ucrânia espoletou “um debate muito sério e profundo” no país de origem da embaixadora.

Satu Suikkari-Kleven é embaixadora da Finlândia em Portugal desde setembro de 2020. Recebe a RTP na residência oficial da embaixada nórdica, no Restelo, em LisboaSatu Suikkari-Kleven é embaixadora da Finlândia em Portugal desde setembro de 2020. Recebe a RTP na residência oficial da embaixada nórdica, no Restelo, em Lisboa. Créditos: Pedro de Góis.
No final de 2021, mais de metade dos finlandeses eram contra a adesão à NATO. A tendência de décadas mudou imediatamente após o ataque à Ucrânia: 53% declararam-se a favor da adesão no primeiro inquérito pós-invasão, publicado quatro dias depois da entrada de tropas russas em solo ucraniano.

Desde então, os sucessivos inquéritos encomendados pela televisão pública finlandesa mostram um aumento continuado: de 62% em março para 76% em maio de 2022.

• Na Finlândia, dos 200 deputados nacionais, 188 votaram a favor da adesão.

Helena Pilsas prepara-se para terminar o mandato como Embaixadora da Suécia em Portugal. Assumiu o cargo em 2017, quando tanto a pandemia como a guerra na Ucrânia estavam longe de começar.

“Temos trabalhado em conjunto com a Finlândia, e visto o apoio popular à NATO a subir, o que também tem importância neste contexto”.

O apoio sueco seguiu uma tendência semelhante. De janeiro a abril de 2022, o número de suecos a favor da adesão à NATO aumentou de 37% para 57%. Dos oito partidos representados no Riksdagen, o parlamento sueco, seis são a favor da adesão.
A guerra de invernoA fronteira terrestre entre a Finlândia e a Rússia atravessa principalmente florestas boreais. Mais de mil quilómetros separam os dois países, ligados por nove postos fronteiriços.

• 1340 quilómetros de fronteira separam a Finlândia da Rússia
• É uma das fronteiras externas da União Europeia

Outrora símbolo do “pragmatismo finlandês” (como é conhecida a posição comercial da Finlândia em relação à Rússia), a cidade de Lappeenranta está agora isolada da vizinha Vyborg, a cidade russa mais próxima.

Os embargos europeus ao comércio russo suspenderam a maior parte do tráfego que atravessava a fronteira diariamente. O turismo é um dos principais afetados, depois do corte provocado pela pandemia. Antes da Covid-19, Lappeeranta recebia cerca de 4 mil russos por dia.

A cidade de Lappeeranta tem um dos nove postos fronteiriços entre a Finlândia e a Rússia. Antes da pandemia, 4 mil cidadãos russos entravam na cidade todos os dias. A cidade de Lappeeranta tem um dos nove postos fronteiriços entre a Finlândia e a Rússia. Antes da pandemia, 4 mil cidadãos russos entravam na cidade todos os dias. Créditos: Associated PressAs memórias do último conflito armado na região estão guardadas no Museu da Guarda de Fronteira, em Imatra, 40 quilómetros a norte de Lappeenranta. Em 1939, a região mais oriental da Finlândia foi invadida pelo exército soviético. Ao fim de três meses de guerra – conhecidos como a guerra de inverno -, a Finlândia foi obrigada a ceder um décimo do território à União Soviética.

A neutralidade finlandesa começou oficialmente e de forma forçada em 1948, quando o país assina um acordo de paz com o vizinho soviético. Em troca da independência territorial, a Finlândia tinha de assegurar distância ao Ocidente durante a Guerra Fria. A decisão foi pragmática e durou até ao fim da União Soviética.

Na Suécia, a tradição é mais longa e tem outras motivações: a neutralidade é uma herança das Guerras Napoleónicas do século XIX.

“A Suécia tem tido o privilégio de se manter fora da guerra durante os últimos dois séculos”, recorda Helena Pilsas. Mas a embaixadora do país em Portugal clarifica a posição sueca nas últimas décadas.

“Claro que há solidariedade com os nossos vizinhos e com outros membros da União Europeia”, diz Pilsas. Desde a adesão à União Europeia em 1995, a Suécia é “não-alinhada militarmente, mas não neutral”, esclarece.
Colaboração com a NATO• Fundada em abril de 1949, a Organização do Tratado do Atlântico Norte é mais conhecida pela sigla em inglês: NATO.
  “A NATO conhece-nos bem e nós conhecemos bem a NATO” - Satu Suikkari-Kleven, Embaixadora da Finlândia em Portugal
Apesar de não terem o estatuto de membros, “a história com a NATO já é longa”, conta Satu Suikkari-Kleven. Desde 1994 que a Suécia e a Finlândia têm uma Parceria de Paz com a aliança transatlância. “A parceria [com a NATO] tem sido alargada e aprofundada regularmente. Passo a passo, estamos cada vez mais perto”.

Batalhões de ambos os países fizeram parte de missões da NATO na Bósnia Herzegoniva, na década de 90, e no Afeganistão, a partir de 2002. A Suécia participou ainda em missões no Kosovo e no Iraque.

“Estamos o mais próximo da NATO que um não-membro pode estar. Embora histórico, não é dramático, é um passo natural.” - Satu Suikkari-Kleven, Embaixadora da Finlândia em Portugal

Além de aumentar a segurança na Finlândia e Suécia, a adesão à NATO protege “o Báltico e o Norte Europeu”, defende Suikkari-Kleven. Os dois países têm locais estratégicos para defesa militar. Na Finlândia, a fronteira com a Rússia tornar-se-ia fronteira da NATO. Na Suécia, a ilha de Gotland é essencial para a proteção do mar báltico.

O orçamento sueco para a Defesa é de cerca de 8,5 mil milhões de euros por ano. Na Finlândia, o governo quer praticamente duplicar o orçamento de 2,8 mil milhões de euros.

Veja aqui quanto é que cada país da União Europeia gasta em Defesa.
TurquiaDos 30 Estados que participam na NATO, a Turquia foi o único que levantou problemas à entrada dos nórdicos. O país é membro da organização transatlântica desde 1952. O Presidente turco acusou a Suécia e a Finlândia de simpatia com organizações terroristas da minoria curda. E quer que os dois estados nórdicos levantem o embargo à exportação de armas para a Turquia, em vigor desde 2019, por causa do conflito com combatentes curdos na Síria.

“O que posso dizer neste momento é que estamos em diálogo com a Turquia”, diz Helena Pilsas de sorriso contido.

A embaixadora da Suécia em Portugal assumiu o cargo em 2017. Termina o mandato em julho deste ano.A embaixadora da Suécia em Portugal assumiu o cargo em 2017. Termina o mandato em julho deste ano. Os dois países precisam do apoio de todos os Estados-membros da NATO para aderir. Depois de aprovada a entrada, cada país deve ratificar nos parlamentos nacionais as adesões finlandesa e sueca. Portugal prometeu ser um dos mais rápidos na ratificação.

Até à adesão oficial, os países requerentes não estão protegidos pela cláusula mais consequente da organização: o artigo 5, que determina que um ataque a um Estado-membro da NATO é um ataque a todos os Estados-membros.

Caso um país da aliança seja invadido, todos os outros são obrigados a intervir no conflito. Mais de 70 anos depois da sua criação, o artigo 5 só foi invocado uma vez: após os ataques terroristas do 11 de setembro de 2021.

Entrevistas feitas para o programa “Europa Minha”, disponível aqui.