A Águia que pousou na Lua faz hoje 48 anos

“Houston, Tranquility Base here. The Eagle has landed”. Eram 20h17m40s, em Lisboa. A 20 de julho de 1969 o módulo lunar Eagle, a primeira nave tripulada, alunava no Mar da Tranquilidade.

Em 48 anos, a conquista espacial chegou a outros planetas, foram inauguradas as viagens par lá do sistema solar. A Lua, um marco na história espacial, passou a fazer parte do passado.
Objetivo dos americanos e de JFK
Mais do que colocar um homem na Lua, o objetivo era colocar um americano na Lua. Um objetivo ambicioso e estratégico. Os rivais soviéticos tinham, por várias vezes, sido pioneiros nas questões espaciais: o primeiro satélite artificial (Sputnik), o primeiro animal no espaço (Laika), o primeiro homem no espaço (Yuri Gagarin), a primeira mulher no espaço (Valentina Tereshkova).

Muitos primeiros que deixavam os americanos sempre um passo atrás. A guerra fria não se fazia apenas na Terra e os americanos queriam mostrar ao mundo e, claro, aos soviéticos, que não eram os eternos segundos que a História sempre teima em esquecer.

Dia 25 de Maio de 1961: após vários segundos lugares na corrida espacial e abalado com o fiasco militar da Baia dos Porcos em Cuba, o presidente norte-americano John F. Kennedy apresenta-se perante o Congresso e anuncia o mais ambicioso dos objetivos. Quer pôr um americano na Lua antes do final da década. Era o momento de a nação liderar, e de forma clara, a corrida ao espaço. Girar a chave do próprio futuro da Terra.

Foi nestes termos que colocou a questão: "Assim, peço ao Congresso um aumento das verbas que já tinha requisitado para atividades espaciais (...) Primeiro, eu acredito que esta nação deve comprometer-se com alcançar o objetivo, antes do final da década, do desembarque de um homem na Lua e fazê-lo regressar em segurança à Terra (...) Não será apenas um homem a ir até à Lua, será uma nação inteira. Para todos nós, devemos trabalhar em conjunto para o pôr lá".


Estava dado o primeiro passo que levaria Neil Armstrong, Michael Collins e Edwin Aldrin até ao satélite da Terra. A decisão envolvera aturada consideração, quer da parte dos representantes políticos, quer da parte da NASA. Só depois foi tornada pública.


Da esquerda para a direita: Neil Armstrong, Michael Collins e Edwin 'Buzz' Aldrin

Foi uma missão que envolveu um enorme esforço humano das equipas do Programa Apollo, que se confrontou com alguns fracassos, a morte de astronautas, despesas avultadas, só comparáveis à construção do Canal do Panamá ou do Projeto Manhattan.



A Lua a três dias de viagem
A missão espacial Apollo 11 foi a quinta missão tripulada dentro do Programa Apollo e a primeira a realizar uma alunagem. Todo o programa esteve assente em anos de preparação, com especiais cuidados para a segurança e a concorrência russa.

Decorria o dia 16 de julho de 1969, quando o foguetão Saturno V (SA-506) foi lançado de Cabo Canaveral, na Flórida, às 13:32 UTC (Tempo Universal Coordenado).



Dentro do módulo Columbia (CSM-107), bem no topo de um foguete com mais de 100 metros de altura e cheio de combustível altamente inflamável, estavam três homens. Neil Armstrong, Edwin Buzz Aldrin e Michael Collins tinham sido os escolhidos para a mais arriscada das missões. Um feito que muitos duvidam ainda hoje que tenha sido atingido.




Sob o olhar de centenas de milhares de pessoas que enchiam as estradas e os arredores do Centro Espacial Kennedy e de milhões de espectadores que pela televisão seguiam a cena por todo o mundo, o foguetão Saturno V subia agora para a histórica missão de oito dias, que colocaria finalmente e pela primeira vez na história da Humanidade dois homens na Lua: Armstrong e Aldrin.
Módulo de Comando e Lunar
Para viajar até à Lua, como na maioria das viagens realizadas pelo Homem, era necessário um veículo de transporte. A NASA, com base nos programas do início da década de 60 (Gemini e Mercury) que levaram os primeiros astronautas até órbita, concebeu a base para o Módulo de Serviço e Controlo (SMC) e do Módulo Lunar (ML) para a projeto Apollo.

Ainda hoje considerado como um dos foguetões mais potentes jamais construídos, o Saturno V foi o impulsionador para o combinado SMC/ML romper a atmosfera terrestre e estabelecer uma órbita estável antes de se iniciar o voo até à Lua.



Os dois componentes, com o peso de quase 29 toneladas (28801 kg), formavam um bloco espacial que apenas se separaria na reentrada (ver figura).

O Módulo de Comando é composto exclusivamente pela cápsula, com formato cónico, onde os astronautas iam instalados durante a maior parte da viagem.

Este elemento da nave, protegido por um escudo térmico exterior, era a única parte destinada a regressar a Terra, devendo cair em voo livre, durante quatro a sete minutos, finalizando com uma manobra de ricochete como forma de travão, seguida da abertura de três paraquedas para reduzir a velocidade de amaragem.

Mas antes de regressar tinha um difícil objetivo, complexo, em que servia de ponto de conexão com o ML, desde a saída de órbita terrestre até à Lua.

O MC era o centro de controlo da nave Apollo, composto pela cabine principal pressurizada, bancos da tripulação, painéis instrumentos e controle, sistemas de direção eletrónica, ótica, comunicações, controle ambiental, baterias, escudo térmico, sistema de controle de reação, dispositivo de acoplamento, cinco janelas e o sistema de paraquedas.

O Módulo de Serviço, com formato cilíndrico, era basicamente o contentor de equipamentos de suporte de vida (oxigénio) e motores. Este módulo não era pressurizado e continha as células de combustível, baterias, antena de alto rendimento (deep space antenna), radiadores, água, oxigénio, hidrogénio, sistema de controlo de reação, combustível para abandonar a órbita lunar e sistema de propulsão de serviço.

O Módulo de Comando e Serviço Apollo foi projetado e fabricado pela North American Aviation, uma empresa de construção aérea dos Estados Unidos que tinha contrato com a NASA na construção de aviões experimentais.



Módulo Lunar

A solução para pousar na Lua nem sempre passou por este modelo, tendo existido três projetos para a realização do mesmo:

• Um sistema baseado numa peça única, consistindo num foguetão que iria levantar da Terra, pousar na Lua e regressar, à semelhança do atual Falcon 9, da Space X.

• Uma outra opção passaria por um encontro em órbita da Terra, em que o foguetão acoplaria a um outro, já em órbita, e seguiria o primeiro plano.

• A terceira opção, a que vingou, consistia num pequeno módulo que desceria ao solo lunar e depois voltaria à nave de retorno.

O Módulo Lunar (15103 kg) era formado por dois sub-módulos: módulo de descida responsável pelo pouso na superfície lunar e módulo de regresso que permitia o retorno à órbita lunar para o rendez-vous com o MSC, veículo de retorno à Terra.

O sub-módulo de regresso, composto por uma tripulação de dois astronautas, era composto dos sistemas de direção, navegação, controlo, suporte de vida da tripulação e painéis e instrumentos, dispositivos eletro-explosivos, energia elétrica, escotilha, janelas de acoplagem e aterragem e propulsores laterais de reação e comunicações.

Este sub-módulo, após regressar e acoplar ao MC, é libertado e abandonado em órbita lunar, caindo posteriormente na Lua.

O sub-módulo inferior, de descida, era composto por tanques de combustível de oxigénio e hidrogénio, sapatas de pouso, propulsor central, escadas de acesso, plataforma de saída e contentor de material científico, onde nas missões seguintes se acoplava o carro lunar (Rover). Este elemento, utilizado para a missão extra-veicular executada pelos astronautas, permanece até aos dias de hoje em solo lunar.



O ML foi testado nas missões tripuladas Apollo 9 (em órbita da Terra) e Apollo 10 (em órbita da Lua), tendo servido de veículo de emergência à tripulação da missão Apollo 13, após a explosão nos depósitos de oxigénio do SMC ainda a caminho da Lua.

O projeto e fabrico do Módulo Lunar ficou a cargo da Grumman Aerospace Corporation, fabricante de aviões para a Marinha dos Estados Unidos.

"One small step"
A Lua vista da Terra. No dia 19 de julho de 1969 apresentava-se na fase quarto crescente quando os módulos chegaram à sua órbita. Foram quase 387 mil quilómetros em apenas 76 horas. Os astronautas tinham agora pouco mais do que uma horas para rever e preparar a descida.

Dia 20, às 17h46 UTC , o módulo lunar Eagle, tripulado por Armstrong e Aldrin, separou-se do módulo de comando, onde Collins ficaria a aguardar pelos dois companheiros de viagem.Neil Armstrong revelou em 2012 que a missão Apollo 11 tinha apenas 50 por cento de hipoteses de aterrar com segurança na superfície da Lua. Armstrong disse ainda estar "triste" com os planos do Governo americano para a NASA quando comparados com as realizações da década de 1960.

Collins apenas podia "tocar" a Lua através da pequena janela da escotilha do módulo de comando: No entanto, a participação deste astronauta foi determinante para o sucesso da missão. Sem ele nunca teríamos visto Armstrong e Aldrin a descer na Lua, já que era a nave em órbita que enviava as comunicações. Muito menos seria possível o regresso a Terra.

Cerca de 120 minutos após a separação do módulo de comando, o módulo lunar, batizado de "Eagle" em homenagem ao símbolo central do selo presidencial norte-americano, começava a fase descendente até à superfície lunar. As comunicações provenientes do ML referiam que tudo corria conforme o programado: “Vamos para alunagem. Três mil pés… tudo corre bem. Dois mil pés… dois mil pés ângulo de entrada 45 graus. Roger! A Águia está bem! (…) Altitude e velocidade 540 pés… descendo… 200 pés… 100 pés… 85 pés… tudo parece bem (60 segundos) ICON, frente, frente, 40 pés, descendo em frente, em frente, um bocadinho à direita (30 segundos) Luzes de contacto… Ok, motores parados (recebemos e aguardamos Eagle)”.

Eram 20H17 em Portugal quando a sapata do ML pousava na fina e virgem camada de poeira do Mar da Tranquilidade. O Homem estava na Lua. Segundos depois, Neil Armstrong comunicava para o controle da missão em Houston, Texas, uma das mais famosas e esperadas comunicações da história da Humanidade: "Houston… Aqui Base Tranquilidade… A Águia Aterrou".

Imagens: NASA - Direitos Reservados

Apenas 50% de garantia de alunar em segurança


Neil Armstrong pouco revelou do que se tinha passado nessa viagem. Poucos meses antes da sua morte, o primeiro astronauta a pisar a Lua aceitou conversar e, numa entrevista exclusiva ao jornal The Guardian, explicou que não havia total garantia, naquela altura, de que alunar era totalmente seguro. Já se tinha testado ir até órbita e regressar (Apollo 10), mas nunca alunar. E foi por pouco que os problemas não apareceram: "Um mês antes do lançamento da Apollo 11 estávamos confiantes o suficiente de que poderíamos tentar realizar uma descida à superfície lunar", disse Armstrong.

"Eu pensei que tínhamos uma hipótese de 90 por cento de ir até lá e voltar em segurança para Terra, mas apenas uma oportunidade de 50-50 de fazer uma aterragem logo à primeira tentativa. Havia tantas incógnitas sobre essa descida desde a órbita lunar até a superfície, que não tinha sido testada por falta de uma experiência real. Havia, por essa razão, uma forte hipótese de acontecer algo, algo que podíamos não entender corretamente e abortar a missão e voltar a Terra sem alunar. A alunagem não foi tão perfeita como atualmente se quer mostrar", revelou Armstrong.

Quando os dois astronautas estavam a realizar a descida, dentro do Módulo Lunar, o computador de bordo dava-lhes a indicação para alunar num dos lados de uma grande cratera, com inclinações íngremes e repletas de enormes pedregulhos.

"Não é um bom lugar pousar", disse Armstrong a Aldrin. "Levei-o [o ML] manualmente e sobrevoei a zona como um helicóptero em direcção a Oeste, para uma área mais suave, sem tantas pedras, até encontrar uma área mais nivelada, a tempo de realizar a manobra antes de ficar sem combustível. Após alunar verificámos que restavam 20 segundos de combustível nos depósitos do módulo de alunagem", disse.



Um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a Humanidade


A escotilha do módulo lunar abria-se na rarefeita atmosfera da Lua cinco horas antes do horário previsto pela equipa científica da Apollo 11, marcava o relógio na Terra 2H39 UTC. Neil Armstrong foi o primeiro a sentir o vazio lunar. Vestido com o fato espacial, que lhe dava a garantia de suporte de vida num ambiente sem oxigénio, Armstrong não sabia o que o esperava quando colocasse os pés no chão.

De costas para a superfície Armstrong pôs as mãos nos suportes existentes junto à escotilha e desceu lentamente, sempre acompanhado por uma câmara de vigilância instalada no exterior do módulo. As imagens e os sons vindos da superficie da Lua estavam a ser transmitidos em direto, não só para a centro de comando, em Houston, mas para o mundo inteiro, que assistia a um momento único na história da Humanidade.
20:17:39 UTC 20 Jul - ML aterra na superficie lunar
02:39:33 UTC 21 Jul - Começo das AEV (Escotilha aberta)
02:56:15 UTC 21 Jul - Primeiro passo na superficie lunar
05:11:13 UTC 21 Jul - Fim das AEV (fecho da escotilha)
17:54:00 UTC 21 Jul - Ignição e saída da lua (LM APS).

Armstrong, antes de pisar pela primeira vez o solo lunar, olhou para baixo e hesitou durante breves segundos. Depois, colocou pela primeira vez a bota no solo e testou o seu peso sobre a superficie: "Acabei de confirmar... agora voltei ao primeiro degrau... o solo não colapsou muito,  mas eu preferi voltar um pouco atrás".

Neil descrevia a superficie da lua coberta com uma espécie de poeira cinzenta fininha e muito suja.

Às 2H56 UTC, dezassete minutos após a abertura da escotilha, o pé de Neil Armstrong carimba a marca humana na superfície de um astro extraterreno: "Coloquei um pé no solo e ele enterrou-se um ou dois centimetros. A superficie parece ser suja e com finos grãos cinzentos, muito parecido a pó".

O fino e cinzento pó lunar, agora compactado pelo peso de Armstrong, ficaria registado na foto tirada pelo próprio, logo após as palavras que imortalizaram o homem e o momento: “Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a Humanidade (That's one small step for man, one giant leep for mankind)".

Foto: Registo oficial da primeira pegada realizada na lua - Créditos NASA

Buzz Aldrin foi o segundo ser humano a pisar a Lua, 19 minutos depois. Um outro momento marcante nesta epopeia espacial foi a colocação da bandeira dos Estados Unidos da América em solo lunar. Foram duas horas, 31 minutos e 40 segundos de atividade extra-veicular na Lua. Armstrong e Aldrin tiraram fotos do terreno, executaram testes científicos simples e falaram com o então presidente norte-americano Richard Nixon, via Houston.

Às 5H11 do dia 21 de julho, ambos os astronautas regressavam ao módulo lunar com ordens para fechar a escotilha ao ambiente lunar. Extasiados com a experiência, os dois homens tinham recebido ordens para descansar e preparar o regresso à orbita lunar, onde Collins os esperava para o levar de volta a casa.

Eram 17h54 quando os propulsores da fase dois do ML ganharam vida, separando-se da base que os fizera chegar em segurança à Lua. A "Águia" espacial regressava ao Módulo de Comando transportando a bordo os primeiros humanos a pisar outro planeta que não a Terra.

Lua - O sonho de qualquer astronauta
Quem tem a oportunidade de viajar no espaço não fica indiferente à experiência. Apesar de a Lua ter sido um objetivo alcançado por apenas 12 astronautas, muitos são os que nos dias de hoje vão com regularidade até à orbita terrestre e aí realizam algumas experiências e atividades fora dos veículos.

Daniel Michio Tani, astronauta norte-americano e um dos mais experientes em missões no espaço fora da proteção da Estação Espacial internacional (EEI), esteve recentemente em Portugal para dar a conhecer o que a ciência espacial nos pode oferecer.

O astronauta, agora com 56 anos e reformado das lides espaciais, questionado pela RTP sobre o porquê de não ter havido uma verdadeira continuação na exploração lunar desde 1972, Dani Tani foge à questão, referindo que a aposta é agora ir mais longe e durante mais tempo.

“Se pensarmos na viagem espacial ou na exploração espacial em termos de duração da missão demos passos gigantescos. E isso é a base para ir a Marte, por exemplo. Vamos ter de saber como é que as máquinas e as pessoas reagem sem peso, sem gravidade, durante anos, até enviarmos alguém a Marte. E é ai que gastamos (NASA) o dinheiro”.

Um dos problemas existentes na exploração lunar são os custos face à rentabilidade económica. A exploração lunar não parou em dezembro de 1972, embora a presença humana tenha desaparecido dos planos espaciais. Várias são as agências espaciais que continuam a enviar - quer para órbita, quer para o solo lunar - equipamento científico com sentido exploratório, mas até agora nenhum deles revelou existir um argumento válido para explorar mais convictamente o satélite natural da Terra.

Sem recursos valiosos e sem uma fonte de atratividade, a Lua continua quase virgem pasra os Humanos, muito embora comecem a surgir as primeiras notícias de empresas privadas a querer ocupar o espaço abandonado pelas agências espaciais oficiais, que vêem em Marte um destino mais interessante e ambicioso.

O sonho chamado Lua


Muito embora a aposta seja agora o planeta vermelho, quem viaja no espaço tem e terá sempre como referência os primeiros homens que pisaram a Lua. Daniel Tani não esconde esse sentimento e diz que “a Lua é o sonho de qualquer astronauta”.

“Se esse programa (exploração lunar) surgisse, todos se candidatariam. Marte é mais difícil, porque é provavelmente uma missão de três ou quatro anos. Há sem dúvida astronautas que iriam logo a correr, mas existem astronautas que pensariam duas vezes”.

A Lua, por estar bem perto de nós, permanece ainda uma jóia espacial, que muitos gostariam de explorar.

Quarenta e oito anos após Neil Armstrong ter deixado a sua famosa pegada, o mundo pede novos pioneiros para que a Lua seja de novo uma realidade e não apenas um balão cinzento no horizonte terrestre.