A noite de Macron com os olhos nas legislativas e no futuro

por Christopher Marques - RTP
Thomas Samson - Reuters

É oficial. Emmanuel Macron venceu Marine Le Pen e será, aos 39 anos, o mais jovem Presidente francês de sempre. O jogo parece terminado mas não em França. É hora de preparar as legislativas num tabuleiro político extremamente complexo: Macron tenta a consagração, Le Pen a semente para o futuro e Mélenchon liderar a “resistência”. Os partidos tradicionais buscam ainda o lugar que este novo tabuleiro lhes reserva.

Aconteceu tudo como estava pensado, talvez com uma margem ainda maior do que era indiciado pelas sondagens. Sem surpresas, o voto francês sorriu à Europa e silenciou a Frente Nacional.

Com a totalidade dos boletins escrutinada, Emmanuel Macron obtém 66,10 por cento dos votos. Marine Le Pen fica com 33,90 por cento, numa votação em que a abstenção bateu máximos de várias décadas.

Afinal 25,44 por cento dos eleitores não foi votar. É a taxa de abstenção mais elevada numa segunda volta das eleições presidenciais desde 1969. É também a primeira vez desde 1969 que há mais abstenção na segunda volta do que na primeira. À abstenção juntam-se os votos brancos e nulos: mais de 3,8 milhões (12 por cento dos votos depositados em urna).

Terminado o escrutínio, está decidido quem ocupará a cadeira de François Hollande. Emmanuel Macron, o seu ex-ministro da Economia, ex-banqueiro da Rothschild. Um jovem de 39 anos que se torna no mais jovem Presidente francês de sempre, próximo do PS francês nos valores e na sociedade, mas liberal nos assuntos económicos.

É também o mais pró-europeu de todos os candidatos que correram para  o Eliseu. Uma nota que ficou clara quando subiu ao palco do Louvre para o segundo discurso da noite: sozinho perante a imensidão do museu francês, com o hino europeu a encher as esplanadas do Louvre. 

No discurso ficaram claros os agradecimentos mas também o apelo a uma maioria nas legislativas de junho. Mas não é só Macron que olha para aquelas que são, mais do que nunca, a terceira e quarta voltas das presidenciais. 

Também Marine Le Pen anunciou uma reestruturação do partido para enfrentar os novos desafios. E Mélenchon pediu o voto no movimento A França Insubmissa nas votações de junho. A maior central sindical convocou por seu lado uma manifestação para esta segunda-feira. Já começou a nova fase da vida política francesa.
Os discursos de Macron

Resultados anunciados, Emmanuel Macron reagiu a três tempos. Começou por uma curta declaração às agências noticiosas internacionais. À France Presse, o Presidente eleito assinalou que “uma nova página se abre”, referindo tratar-se de um capítulo “de esperança e de confiança”. 

A primeira declaração perante os franceses surgia pouco depois das 21h00 locais, eram 20h00 em Lisboa. Foi o discurso do Macron Presidente, num ambiente controlado, com um fundo sereno e presidenciável. Um tom calmo, solene e sem expressões de alegria ou regozijo.

Aos franceses, o Presidente eleito agradeceu a confiança dada e garantiu que “colocará toda a sua energia para ser merecedor da sua confiança”.

Emmanuel Macron afirmou que não desvaloriza as dificuldades económicas do país e deixou uma “mensagem humanista” para o mundo, ainda com a garantia de que a França estará na linha da frente da luta contra o terrorismo.

Emmanuel Macron saudou também François Hollande pelo seu trabalho ao longo dos últimos cinco anos, ganhando balanço para o seu próprio mandato: "Nos próximos cinco anos, a minha responsabilidade será acalmar os medos e reencontrar o espírito de conquista".

Macron prometeu "restaurar" os laços entre a Europa e os cidadãos, afirmando que defenderá "a França e a Europa". O futuro presidente disse ainda compreender "a impaciência, a ansiedade e as dúvidas dos franceses", para prometer governar para todos.

Estava feito o primeiro discurso. Mais do que um texto de vitória, foi a mensagem ao povo do Presidente eleito. A efusividade e a festa pelo resultado obtido ficavam guardadas para as esplanadas do Louvre, onde milhares de apoiantes já se encontravam. Emmanuel Macron chegaria por volta das 22h30 locais.

Até chegar ao palco, faz uma longa caminhada. Aparece sozinho nas imagens televisivas, sem aparato de segurança, sem a esposa, com a imponência do Museu do Louvre em fundo. O hino da Europa acompanha-o na caminhada e marca o caráter europeu que apresentou ao longo de uma campanha vitoriosa face à extrema-direita antieuropeísta. Nada mais nada menos do que o Hino da Alegria, o excerto da nona sinfonia de Beethoven que a União Europeia adotou como música oficial.

Agora, já na pele de vencedor, deixando para segundo plano a postura presidencial que enfatizou nos primeiros momentos da noite, Macron agradeceu aos seus apoiantes. "Todos diziam que era impossível. Mas não conheciam a França", explicou.

O Presidente eleito prometeu trabalhar para unir os franceses, dirigindo-se aos que nele votaram mesmo que não partilhando as suas ideias. "Sei que há desacordos, vou respeitá-los. Serei fiel às obrigações que assumi e vou proteger a República", garantiu, prometendo ainda que não irá ceder.

Seguiu-se a referência aos eleitores de Marine Le Pen, pedindo à multidão que não os apupe. Disse compreender a sua cólera, respeitá-la e deixou uma promessa: "Tudo farei nos próximos anos para que não voltem a ter qualquer razão para votar nos extremistas".

O Presidente eleito recordou que os franceses têm perante eles uma "tarefa imensa", expressão que repetiu por várias vezes. Uma tarefa que, para Emmanuel Macron, exige uma “maioria de mudança". Uma maioria parlamentar que o líder do Em Marcha! tentará obter nas eleições legislativas de junho.

Macron prometeu reunir e reconciliar a França e servir o povo francês. Garantiu que servirá os franceses “com amor”, antes de dar vivas à República e à França, perante os apoiantes em festa.
Marine quer mudança na FN

A derrota estava certa e Marine Le Pen não perdeu tempo. Pouco depois de anunciadas as projeções, a candidata da Frente Nacional falou aos franceses. 

Le Pen começou por confirmar que já tinha falado com Emmanuel Macron e desejou-lhe sucessos enquanto Presidente da República de França. Marine Le Pen fez um agradecimento aos que votaram nela e a Nicolas Dupont-Aignan, a quem se aliou depois da primeira volta.

Para a candidata da extrema-direita, os franceses "votaram pela continuidade" mas o seu resultado não deixa de ser "histórico". Le Pen discursou sobretudo a pensar no futuro. Defendeu que a Frente Nacional precisa de mudar, de se tornar numa nova força política que reúna “todos os patriotas”.
“A Frente Nacional, que se comprometeu numa estratégia de alianças, deve também ela renovar-se profundamente para estar à altura desta oportunidade histórica e das expetativas dos franceses. Vou por isso propor dar início a uma transformação profunda do nosso movimento, de forma a constituir a nova força política que muitos franceses desejam”, afirmou.

Uma mudança no partido que poderá inclusivamente passar por um novo nome e um maior distanciamento face ao passado e à liderança de Jean-Marie Le Pen. Um passado associado à negação do holocausto e à proximidade com o nazismo do qual Marine tem procurado afastar-se ao longo dos anos. O nome Le Pen desapareceu de quase todo o material de campanha e o logo da Frente Nacional foi substituído no material da campanha presidencial por uma rosa azul. O próprio pai e fundador da Frente Nacional foi expulso do partido.

Marine Le Pen deu início a uma nova discussão sobre o futuro da Frente Nacional que promete gerar divergências na própria família. Numa reação ao Le Monde, Jean-Marie Le Pen lamentou o “fracasso” desta noite e esclareceu que uma grande transformação depende do congresso e não de Marine.

As críticas de Jean-Marie foram especialmente dirigidas a Florian Philippot, um dos vice-presidentes de Marine na Frente Nacional. “Deveria manter-se discreto tendo em conta o fracasso desta noite. Florian Philippot não pode mostrar-se orgulhoso, nem propor uma mudança de nome. Deve recordar-se que é um mero hóspede desta casa”, defendeu Le Pen.

A resposta do vice-presidente da FN não se fez esperar. Em direto na TF1, Philippot disse não ter lições a receber de quem obteve “18 por cento na segunda volta” (em 2002, frente a Jacques Chirac). “É a opinião de um cidadão como qualquer outro”, disse ainda.

No puzzle da Frente Nacional encontra-se ainda Marion Maréchal Le Pen, a sobrinha de Marine, por quem poderá passar o futuro da Frente Nacional. Defendeu ser necessário fazer uma “reflexão” perante estes resultados, mostrando-se desapontada com o resultado.
Liderar a oposição
Com mais de trinta por cento dos votos, Marine Le Pen tenta apresentar-se como líder da oposição. Não é no entanto claro que o consiga ser. Afinal, as eleições legislativas realizam-se a 11 e 18 de junho, para eleger os 577 deputados da Assembleia.

Cada círculo elege apenas um deputado, numa eleição que é feita a duas voltas, num sistema que tem prejudicado fortemente a presença de deputados da Frente Nacional no Parlamento. Este ano, mesmo que aumente o número de parlamentares, deverão ser pouco representativos no conjunto da Assembleia.

Mas não é só Marine que quer liderar a oposição. Também Jean-Luc Mélenchon olha para o mesmo objetivo. Mal acabou o primeiro discurso de Emmanuel Macron, o líder do movimento A França Insubmissa dirigiu-se aos franceses.


Criticou Marine Le Pen, mas não esqueceu o ataque a Macron. O líder do movimento A França Insubmissa notou que o “programa do novo monarca presidencial é conhecido” e representa “a guerra contra as conquistas sociais do país e a irresponsabilidade ecológica”.

Mélenchon apelou ao voto no seu movimento nas eleições legislativas de junho. “A nossa resistência pode ganhar a batalha. Vou dedicar-me a isso com toda a minha energia”, afirmou.
Que lugar para os partidos tradicionais?
Por conhecer fica ainda o posicionamento dos partidos tradicionais franceses: Os Republicanos e o Partido Socialista. Pela primeira vez, nenhuma destas forças se apurou para a segunda volta e o fantasma de uma crise paira nos dois campos.

Do lado de Os Republicanos, depois da derrota de François Fillon na primeira volta, François Baroin foi designado para liderar o combate das legislativas. Mas há já quem se perfile para apoiar Emmanuel Macron e tentar unir-se a uma maioria parlamentar de apoio ao Presidente eleito.

Do lado do Partido Socialista, a situação parece ainda mais confusa depois de o candidato socialista ter obtido menos de sete por cento na primeira volta.

Por agora, o ex-primeiro-ministro Manuel Valls considerou ser preciso “construir uma maioria presidencial alargada e coerente no Parlamento”. Valls defendeu ser necessária uma “união dos progressistas” que “permita ultrapassar as velhas divergências” e avançar com “as reformas que os franceses esperam”.

As respostas deverão surgir à medida que se aproximam as eleições legislativas, já depois da tomada de posse de Emmanuel Macron.
pub