Afluência inédita a acampamento "Luta Pela Vida" em Brasília satisfaz indígenas

por Lusa

A organização do acampamento "Luta Pela Vida", que reuniu seis mil indígenas em Brasília, fez um balanço "positivo" do evento que levou à capital brasileira representantes de mais de 170 povos, em protesto contra ameaças aos seus direitos.

Em declarações à agência Lusa, Kleber Karipuna, coordenador-geral do acampamento, lamentou que, apesar da mobilização inédita alcançada, o Supremo Tribunal Federal (STF) não tenha concluído ainda o julgamento de uma polémica tese que pode retirar direitos aos povos indígenas sobre a demarcação das suas terras, e que deverá ser retomado na próxima semana.

"Em relação ao acampamento, o número fala por si só. Um dos nossos maiores resultados foi conseguir demonstrar para este Governo genocida e para a sociedade brasileira o quanto o movimento indígena está organizado. Esta é a primeira vez na história do país e das mobilizações indígenas que conseguimos articular e trazer para Brasília mais de seis mil indígenas. Isso demonstra uma força de luta", afirmou Karipuna.

"É claro que tínhamos a esperança de que o julgamento fosse iniciado e finalizado esta semana, mas estava no nosso planeamento a possibilidade da prolongamento do mesmo. Mas é um balanço positivo o início do julgamento e o depósito do voto do juiz relator, Edson Fachin, que sinalizou o `não` contra essa medida defendida por ruralistas e por este Governo", celebrou.

Em causa está a tese do chamado `marco temporal`, que defende que povos indígenas brasileiros só podem reivindicar terras onde já viviam em 05 de outubro de 1988, dia em que entrou em vigor a atual Constituição do país.

Ou seja, é necessária a confirmação da posse da terra no dia da promulgação da Constituição Federal, mesmo que os povos em causa tenham sido afastados das terras pelo uso da violência.

De um lado, o Governo, a bancada ruralista e instituições ligadas à agropecuária defendem a tese. Do outro, povos indígenas temem perder direito a áreas em processo de demarcação.

Os movimentos de povos nativos sustentam que esta tese termina com "direitos ancestrais" e também favorece a legalização de áreas ocupadas ilegalmente por invasores antes dessa data.

Nesse sentido, e para tentar travar a perda de direitos, milhares de indígenas de diferentes regiões rumaram no domingo à capital em protesto.

Na quinta-feira, o Presidente, Jair Bolsonaro, afirmou que uma decisão favorável do Supremo Tribunal sobre o direito "ancestral" à terra defendido pelos indígenas "acabará" com o agronegócio do país, um dos maiores produtores e exportadores mundiais de alimentos.

"Os índios querem produzir e não querem mais favores do Estado, mas muitos são uns coitados que não sabem quem e por que estão protestando", disse ainda o chefe de Estado.

As palavras do mandatário não foram bem vistas por Kleber Karipuna, que salientou que os seis milhares de indígenas em Brasília estão unidos e focados em lutar "numa só voz" pelo seu direito à terra, salientando que não serão as palavras de Bolsonaro a "atingir a manifestação de luta e força feita esta semana".

"O Presidente vai continuar a falar o que ele quiser em relação a invadir, ocupar, a expandir para dentro das terras indígenas projetos que vêm destruir não só a tradição cultural originária dos povos (...), mas também o meio ambiente, o clima, florestas e biomas que podem ser atingidos se o marco temporal passar", disse.

"É claro que a tese é do interesse do Presidente e dos seus aliados no Congresso e das próprias empresas do agronegócio, porque é lucro para poucos em detrimento do sofrimento de muitos. Bolsonaro vai continuar a pressionar isso", acrescentou o líder indígena da etnia karipuna.

Kleber está confiante de que a luta indígena dará frutos e serão garantidos os direitos aos povos originários à luz da Constituição brasileira.

Após uma intensa semana de manifestações, o acampamento será levantado neste sábado, com a garantia de que a luta continuará.

O Brasil tem, sob análise, mais de 200 pedidos de demarcação de terras indígenas.

Atualmente, vivem mais de 900 mil indígenas no Brasil, de 305 povos distintos, que falam mais de 180 línguas, de acordo com dados oficiais.

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