Manifestação e greve da Fridays for Future em Berlim, na Alemanha, dois dias antes das eleições. Christian Mang - Reuters

Alemanha: os temas que marcaram a campanha eleitoral

A luta contra as alterações climáticas marcou a campanha eleitoral. Foi um dos grandes temas em discussão. Já o era, mas acentuou-se com as cheias que, em Julho, surpreenderam a Alemanha. As regiões mais atingidas estão em fase de recuperação, mas mais lentamente do que muitos desejavam.

Também o tema dos refugiados marcou o debate numas eleições onde se sente a crescente cisão geracional no voto.

A luta contra as alterações climáticas: o grande tema destas eleições
A influência das cheias de Julho

As cheias marcaram a campanha eleitoral? A resposta mais fácil é sim, mas não por causa da resposta que se viu no terreno ou pela falta de promessas de ajuda aos que tudo ou muito perderam. Foi sobretudo por causa do comportamento dos candidatos.

O candidato da CDU/CSU, de centro direita, que liderava as preferências, foi o que mais sentiu os efeitos políticos da catástrofe. As televisões mostraram-no a rir-se, animadamente com outros colegas, atrás de Angela Merkel quando a Chanceler falava aos jornalistas, em tom consternado, num dos locais mais atingidos.

A imagem chocou os eleitores e, a partir daí, Armin Laschet começou a descer nas sondagens e passou a ocupar o segundo lugar nas preferências dos eleitores. Pediu desculpa, tentou justificar-se. Mas parece não ter convencido.

Curiosamente, as mudanças no provável sentido de voto – que puseram o SPD de Olaf Scholz no primeiro lugar das sondagens – não beneficiaram os Verdes.

Talvez porque o candidato do SPD, de centro esquerda, é também o Vice-Chanceler e o Ministro das Finanças da Coligação de Angela Merkel. As cheias deram-lhe palco, espaço e tempo para prometer ajudas, anunciar investimentos e garantir apoio a todos os que perderam com as inundações.

Já o partido de Annalena Baerbock, que chegou a liderar as sondagens quando a líder de 40 anos foi escolhida para o representar nestas eleições, manteve-se no terceiro lugar das preferências dos eleitores.

Os analistas políticos na Alemanha dizem que fazer parte da onda verde não significa, necessariamente, votar nos Verdes. Se há de facto uma “transferência” de votos para o partído, sobretudo dos mais jovens alinhados com a defesa do planeta, também é verdade que muitos insistem em manter os valores ambientais separados das preferências políticas na hora de votar.

Outra razão sobressaí: nem todos os que defendem politicas mais amigas do ambiente admitem que os Verdes as representam, de facto, na vida política.

Leonie Bremer, uma das mais conhecidas ativistas ambientais da Alemanha, diz que não reconhece, nos programas eleitorais dos partidos, uma preocupação concreta com as alterações climáticas.

“Os candidatos que querem ser chanceler… bem é… é horrível” – refere, num sentido tom de desilusão. “Temos os Verdes e possivelmente são os menos maus, mas nem eles têm um plano, nem sequer estão em linha com o acordo de Paris. Mas dizem que são os Verdes”.

Leonie Bremer, admite que as cheias tiveram um forte impacto nas sondagens e terão algum impacto nos votos, mas não esconde a revolta: “Algumas pessoas estão a agora a acordar e as cheias tiveram um impacto nos votos e nos partidos, vimos isso de forma clara. Mas, não sei… é mesmo preciso que isto aconteça para que as pessoas acordem?”

Votar é preciso, mas sair para as ruas também

“Não são incompatíveis são complementares” é desta forma que Leonie Bremeer, a jovem activista de 24 anos, se refere a necessidade de ir votar mas também de sair às ruas, em protesto. Leonie assume que participa de forma determinada nas iniciativas organizadas pela Fridays for Future. As greves climáticas, que põe na rua milhares de pessoas na defesa do ambiente, são a imagem de marca desta organização.

“Sim, faço greve pela Fridays for Future, e também faço parte de organizações nacionais e internacionais”. A preocupação de Leonie com as alterações climáticas vê-se nas ruas mas também no percurso académico. Fomos encontrá-la na Universidade de Colónia, onde se está a especializar em tecnologias das energias renováveis.

“Não estou preocupada com o futuro estou preocupada com o agora, com o presente. Claro que com o futuro também, mas hoje já temos catástrofes quase todos os dias, pessoas que morrem todos os dias e várias outras injustiças. E é contra isso que eu luto”.

A ativista tem presença marcada para a cimeira de Glasgow, a nova reunião mundial sobre o clima organizada pelas Nações Unidas e que vai decorrer entre 31 de outubro a 12 de novembro.

Garante que as reuniões de alto nível são importantes, mas defende que a luta diária e organizada nas ruas é fundamental e faz a diferença. E muita.

“Basta ver quantas pessoas agora estão a falar sobre isto, o número de pessoas que se junta quando estamos em greve. Fizemos com que os cientistas finalmente fossem ouvidos. Estamos a trazer este tema para as ruas por isso as pessoas não podem continuar a ignorá-los”.

A ajuda de Greta Thunberg e a greve de fome dos ativistas

Debater, analisar e organizar cimeiras é fundamental para os ativistas climáticos. Mas fazer-se ouvir, nas ruas, é essencial. Dois dias antes das eleições, numa sexta-feira em que a chuva ameaçou mostrar-se, foram mais de 100 mil as pessoas que compareceram junto ao Parlamento Alemão. Quiseram deixar bem claro que exigem mudanças imediatas nas politicas sobre o clima. E contaram com a presença da ativista sueca Greta Thunberg, que renovou o apelo à mobilização geral.

“Vão votar, é preciso votar, mas isso só não chega. Temos de continuar a ir para as ruas” ouviu-se da voz da jovem sueca, num discurso que pouco mais durou que cinco minutos e no qual recordou que a Alemanha é o quarto maior emissor mundial de dióxido de carbono.

Greta Thunberg recebeu aplausos e motivou o entusiamo de pessoas de todas as idades. Todos saíram à rua, a maioria de máscara, sem distanciamentos, com cartazes, balões, faixas, gritos de ordem e até a tocar instrumentos musicais em plataformas móveis. Alguns apareceram vestidos de formas mais extravagantes – foi possível encontrar “ursos polares” de várias idades e até um ou outro astronauta – outros levaram escadotes para, no meio da multidão, poderem ter uma visão privilegiada para o palco onde falava a jovem sueca.

A manifestação decorreu perto do local onde sete jovens alemães estão em greve de fome. Pelo clima. Lia Bonasera juntou-se aos protestos quando os outros ativistas já só ingeriam líquidos.

Lia recebe-nos junto ao acampamento. “O meu nome é Lia Bonasera tenho 24 anos e estou no quarto dia de greve de fome” assim se apresenta enquanto segura nas mãos uma garrafa com água e fala num tom sério e controlado. Mas já se nota uma expressão de cansaço no rosto. E na voz.

Dois dos colegas de protesto, que estão há várias semanas sem comer, já tiveram mesmo que ser hospitalizados.

Apesar dos vários jornalistas e das muitas câmaras de televisão, há silêncio junto das tendas onde se recolhem os jovens que já não comem há semanas. Tentam descansar sob o olhar atento de um médico. As entrevistas nunca são negadas, mas são agora assumidas pelos que há menos tempo se juntaram à greve de fome.

O grupo quer ser ouvido pelos candidatos dos três principais partidos. Exigem que quem suceder a Angela Merkel crie um comité de cidadãos, que represente toda a sociedade e desenvolva medidas reais de proteção do ambiente. “Percebemos que os políticos nos ignoram há mais de 25 dias. Foi por isso que me juntei à greve de fome porque a ignorância política deles não pode ser maior que a nossa determinação, que o que deve ser feito pelo clima."

O Governo de Angela Merkel já pediu a estes jovens que não coloquem a saúde em risco. Alguns estão sem comer desde o dia 30 de agosto. Mas os apelos não resultam. Um dos manifestantes, que precisou de assistência médica, voltou a juntar-se à greve de fome assim que conseguiu deixar o hospital. “Penso que a questão climática é o assunto em que devemos pensar agora”, reforça Lia Boanasera. “Estamos a caminho de um aumento da temperatura em dois graus na Alemanha, aqui já não vamos cumprir o objetivo de não ultrapassar um aumento de temperatura global de 1,5º graus”.
Luta contra as alterações climáticas: o grande tema destas eleições

Embora os manifestantes não o admitam, ou pelo menos não o reconheçam, a questão ambiental foi tema de campanha para todos os partidos políticos. Todos admitem que é fundamental diminuir as emissões, mas de formas diferentes. Enquanto a União Democrata-Cristã (CDU) e o Partido Liberal Democrata (FDP), defendem que isso de faça com o cuidado de não prejudicar a economia, os Verdes defendem abertamente um acelerar das medidas que permitam combater as alterações climáticas.

Por causa das alterações climáticas discutiram-se questões como a do limite de velocidade nas autoestradas, para diminuir os gases poluentes, ou a forma de se penalizar o uso do avião em viagens domésticas e tornar mais atrativa, também financeiramente, a opção pelo comboio.

Mas o certo é que as questões climáticas ajudam a marcar uma divisão que já não se pode ignorar entre gerações de eleitores.

Para muitos, Angela Merkel foi a única chanceler que conheceram no poder, mas estão prontos, mais que prontos, para assumirem o desejo de mudança também nas urnas.

Lucas tem 20 anos vai votar pela primeira vez. Não quer dizer em quem mas diz-nos que quer mudanças. “Há mais eleitores mais velhos do que mais novos” sublinha “por isso espero que sobretudo os mais jovens vão votar para alguma coisa possa também mudar para nós”.

Os jovens com menos de 30 anos, que correspondem a 14 por cento dos eleitores, admitem que há uma cisão política com a geração mais velha.

Alexia, uma enfermeira de 24 anos não tem dúvidas sobre esta divisão. A idade conta na altura de escolher em quem votar.

“Sim! Há uma divisão. Eu penso que temos que mudar um pouco, temos que ser mais modernos e mais organizados para termos um futuro melhor”, diz Alexia “e temos que fazer mais em relação às mudanças climáticas”.

Nas ruas de Berlim é fácil perceber que os mais novos reagem à palavra “mudança” quase sempre com a expressão “alterações climáticas”. Como se a primeira fosse um gatilho que dispara a segunda. Mesmo assim a maioria parece ter argumentos para explicar porquê, apesar de alguns serem repetidos e muitos melhorarem com a idade e com a plena consciência do problema.

Os eleitores mais novos olham para as ideias politicas da CDU e dizem que são feitas para agradar às gerações mais velhas.

Numa sondagem realizada no fim de um debate entre os 3 principais candidatos apenas 11 por cento dos jovens entre os 18 e os 24 anos escolheriam o líder da CDU para ser Chanceler. 52 por cento optariam por Annalena Baerbock dos Verdes. Luca, um estudante de 24 anos, admite que também o fará quando for votar.

“Estas são talvez as eleições mais importantes do nosso tempo sobretudo por causa da pandemia”. E Luca admite que há mais razões para mudar, uma em especial: “tivemos 16 anos de CDU e agora estamos num ponto de viragem em especial por causa das questões climáticas”.

Mesmo assim, e apesar de ser notória a crescente cisão geracional no voto, os jovens estão em minoria na população Alemã e dificilmente poderão ditar um vencedor. Na capital da Alemanha ouve-se dizer que as questões climáticas são importantes, para muitos, mas as pensões de reforma também o são, e para muitos mais.

A politica para os refugiados: uma questão latente num país que aprendeu a acolher

A frase “Vamos Conseguir” marcou o mandato de Angela Merkel durante a onda migratória que se acentuou com a guerra na Síria.

Disse-a em 2015, quando decidiu abrir as portas do país a um elevado número de refugiados – mais de um milhão e meio de pessoas pediu asilo na Alemanha entre 2015 e 2019. Uma decisão que lhe valeu o aplauso de muitos e o reconhecimento internacional, mas também a contestação e a fúria de muitos outros.

O terceiro lugar do partido de extrema direita nas últimas eleições, em 2017 – cenário que agora não está previsto em nenhuma das sondagens publicadas nas últimas semanas – fica em muito a dever-se à forma como a AfD (Alternativa para a Alemanha) aproveitou a insatisfação de uma parte da população com a decisão da Chanceler. A Alemanha é o país com a quinta maior população de refugiados do mundo. E se hoje parece haver mais conhecimento e compreensão, há seis anos, quando muitos começaram a chegar o cenário era bem diferente.

Uma rádio de feita por refugiados

Foi por isso que, em Hamburgo,  nasceu uma rádio feita por refugiados: a Refugee Radio Network. “Percebemos que muitas pessoas não tinham a menor ideia do que se passava em Lampedusa, em Itália ou noutro sítio qualquer. Por outro lado, a narrativa dos media nesse tempo, em 2013, sobre os refugiados era muito negativa. Dissemos para nós mesmos: Ok, temos um problema. As pessoas não entendem porque estamos aqui e temos que contar a nossa história”.

É assim que Larry Macaulay, um dos fundadores da RRN, descreve as razões que o levaram a criar a rádio. Ao princípio eram apenas quatro as vozes deste projeto. Todos eles eram refugiados na Alemanha “Eu vim da guerra da Líbia em 2011. Cheguei a Itália. Eu estudei, tinha um negócio com sucesso, antes de vir para cá, que foi totalmente destruído na guerra. Mas eu estava motivado para seguir em frente”.

Com o tempo o projeto cresceu. A Refugee Radio Network fez parcerias com rádios comunitárias e nacionais e reforçou a plataforma online.

Passou a ter espaço em mais antenas, a chegar a mais pessoas. Larry admite que os fundadores passaram a ser um elemento essencial do processo de integração. Das ondas da rádio passaram para as salas de reuniões, a pedido das autoridades, como consultores no processo de definição de politicas e procedimentos de acolhimento.

“Estamos aqui também para guiar quem chega pela primeira vez. Na Europa há um sistema legal. Explicamos que sim, que é muito diferente da sociedade que deixam, mas que têm que seguir estes procedimentos. É assim que organizações como a nossa trabalha com quem chega ao país”.

A rádio passou a ser um ponto de encontro, de informação, de divulgação de iniciativas e de espaço de convívio. Larry Macaulay, em conversa com a Antena 1, admite que a forma como as pessoas olham para os refugiados mudou.

"Para mim a sociedade alemã é uma sociedade muito aberta. E estamos em Hamburgo que é uma cidade muito progressista. Quando o fluxo migratório começou, Angela Merkel teve uma posição muto firme. Claro que criou um caos político para ela própria, mas foi muito firme”.

O tema não foi tão discutido nesta campanha como na de há quatro anos. Mas quando se admite que a situação no Afeganistão pode criar uma nova onda de refugiados, a questão voltou a ser tema de conversa e de discussão política. Voltou a estar nas campanhas e nas ruas.

A rua como palco em defesa dos refugiados

Em frente a Brandenburger Tor, um dos locais mais turísticos da cidade de Berlim, Briggita Hahn, ajuda a organizar uma manifestação em apoio às mulheres afegãs.

A ativista, da organização de direitos humanos Terres de Femmes, com sede na capital alemã, distribui informação enquanto no palco se preparam as condições para os discursos da tarde.

“O Governo alemão aprovou a retirada de refugiados do Afeganistão e houve uma grande operação de evacuação, mas ainda há muita gente à espera para sair do país” diz Briggita. “Este é um assunto ainda muito importante”.

Com a Europa a querer evitar uma nova onda de refugiados, como a de 2015, organizações como a Terres de Femmes querem mostrar que o terror e o medo deles é maior que o receio dos alemãs em ver chegar mais pessoas que precisam de protecção internacional.

“Penso que a sociedade germânica está aberta a acolher pessoas com necessidades humanitárias” diz Briggita Hahn. “Acho que ainda há algum medo de que muitos refugiados possam de novo chegar, mas a situação agora é diferente da que tivemos com a guerra da Síria”.

A ajuda legal solidária dos jovens estudante de direito

A situação até pode ser diferente, mas quem chega tem os mesmos problemas. Antes de mais precisa de resolver a situação legal, pedir asilo ou proteção internacional e conseguir autorização de residência.

Nem sempre é fácil perceber os caminhos que é preciso seguir. Nem fácil nem economicamente acessível para muitos. E para ajudar nesta tarefa, vários estudantes de Direito decidiram criar um gabinete onde ajudam os refugiados e os migrantes a perceber o que precisam de fazer para legalizar a situação.

Na Refugee Law Clinic de Colónia (há outros gabinetes semelhantes nas Universidades de outras cidades alemãs), o espaço funciona no quinto andar de um prédio numa rua recatada da cidade.

Benjamin Rasidovic, o vice-presidente da organização recebe-nos acompanhado por Joana Kadri, uma jovem que precisou de ajuda para não ser deportada para a Albânia.

“Não era uma coisa boa para mim, como jovem mulher, regressar ao meu país outra vez, começar os meus estudos outra vez porque os deixei lá para vir com a minha família para aqui” conta-nos Joana. “Regressar e começar de novo um país como a Albânia é muito difícil”.

Benjamin explica-nos o objetivo desta associação: “Nem toda a informação está acessível gratuitamente e se alguém não sabe quem contactar ou onde encontrar informação, a primeira ideia é contactar um advogado o que tem sempre custos que nem todos conseguem suportar.” Os estudantes desta associação não podem defender, em tribunal, quem precisa de regularizar a situação, mas contam com a colaboração de alguns advogados que também gostam de se voluntariar nestes casos.

E contam também com a colaboração de tradutores especializados, se for necessário, mas na organização há estudantes de outras áreas que ajudam quando a língua é uma barreira. “Somos uma associação com 500 membros – refere Bejamin Rasidovic – e muitos falam outras línguas também por causa da família a que pertencem”.

Nesta associação há vários casos que terminaram com um final feliz.

O de Joana Kadri é um deles: “Comecei uma nova vida na Alemanha. Estou a estudar e a trabalhar em Colónia, e como estou com minha família sinto-me em casa".